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Futebol feminino luta contra descaso e preconceito

Greta Hamann (rc)8 de março de 2014

Marta é a melhor jogadora do mundo, mas não consegue atuar profissionalmente em sua própria terra natal. Enquanto o país é tomado pela febre da Copa do Mundo, as mulheres sequer têm um campenato nacional estável.

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Foto: Getty Images

Uma das fotos favoritas dos muitos turistas no Rio de Janeiro é junto à marca dos pés que estrelas do futebol eternizaram no Maracanã. No legendário estádio – onde os sonhos se tornam realidade ou são despedaçados, onde a separação entre ricos e pobres é em parte esquecida durante 90 minutos, onde todos se unem nas celebrações, especialmente quando a seleção brasileira joga – apenas os grandes podem ser lembrados.

Ronaldo, Romário e Garrincha deixaram suas pegadas na calçada da fama do estádio, próximas às do eterno rei do futebol, Pelé. Os pés de mais de 90 craques mundiais estão marcados no concreto do estádio. A única mulher entre eles é Marta.

"Foi um momento muito emocionante quando pude eternizar meus pés no Maracanã", conta Marta à DW. Ela foi escolhida cinco vezes consecutivas pela Fifa – de 2006 a 2010 – como a melhor jogadora do mundo. Em outras cinco ocasiões, esteve entre as três finalistas do prêmio Bola de Ouro, a última delas em 2013. Marta é uma lenda, só que do futebol feminino.

Condições precárias

Quem procura o "Pelé de saias", como Marta costuma ser chamada, dificilmente vai encontrá-la no Brasil. Ela vive na Suécia, onde joga pela equipe Tyresö FF, da primeira divisão. Marta foi pela primeira vez para terras escandinavas quando tinha 18 anos, já que as condições para as jogadoras femininas são bem melhores lá do que em sua terra natal.

Marta conta que, no Brasil, não há estrutura para o futebol feminino e lamenta que sequer exista um campeonato brasileiro regular. A maior lenda entre as jogadoras mulheres, reconhecida mundialmente, não consegue atuar profissionalmente no país do futebol. Por isso, teve que ir para a Europa.

"As condições para as jogadoras são muito limitadas, não há, praticamente, futebol profissional feminino no Brasil", afirma o jornalista esportivo Jorge Luíz Rodrigues, que vota na eleição de melhor jogadora do ano da Fifa.

Marta foi a ganhadora da Bola de Ouro da Fifa em cinco ocasiões
Marta foi a ganhadora da Bola de Ouro da Fifa em cinco ocasiõesFoto: imago

Falta de uma liga profissional, baixos salários, poucos clubes. A vida não é fácil para as jogadoras de futebol no Brasil, ainda que a seleção feminina brasileira esteja entre as melhores do mundo. Atualmente, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial, atrás de Estados Unidos, Alemanha e Japão. Apesar dessa boa posição no cenário internacional, e de a equipe ter chegado a uma final olímpica, a imprensa e os investidores brasileiros dedicam pouca atenção ao futebol feminino.

Um dos poucos clubes profissionais que até há pouco tempo mantinha uma equipe feminina com boa estrutura era o Santos. Mas para manter Neymar, o clube precisava de dinheiro e, para isso, acabou cancelando a equipe feminina. Os rumores são de que o montante bastou apenas para pagar um décimo do salário do hoje atacante do Barcelona.

Europa como opção

Para Marta, a mudança para a Europa era uma questão elementar. Ela conta que teve que ir à Suécia para poder crescer como jogadora profissional, o que não teria sido possível no Brasil. Ela vem de uma pequena cidade do Nordeste e começou a jogar desde pequena, o que incomodava o seu irmão mais velho.

"Ele não queria que eu jogasse. Queria, basicamente, me proteger", diz Marta, que conta que, em sua cidade, uma menina jogando futebol era vista de maneira suspeita. "Mas ele sempre tinha muito a fazer, e eu conseguia dar um jeito de escapar para ir jogar."

A zagueira Bruna Benites, companheira de Marta na seleção, também cresceu sob olhares suspeitos. Quando jogava com seus irmãos, alguns a alertavam para que não perdesse tempo com essa "coisa de homem". Mas ela não deu ouvidos e agora joga pelo pouco conhecido São José Esporte Clube, em São Paulo.

Apesar de ser a capitã da seleção brasileira, ela não é muito conhecida no próprio país. Não há sequer referências a ela na Wikipédia em português. Em entrevista à DW, ela conta que não costuma ser reconhecida ao andar pela cidade. "Na verdade, sou muito, mas muito pouco reconhecida", afirma. Os pedidos de autógrafos, diz, são raros.

A capitã da seleção brasileira, Bruna Benites (esq.)
A capitã da seleção brasileira, Bruna Benites (esq.)Foto: cc-by Anders Henrikson

Preconceitos

Jogo lento, sem tática e com passes longos demais e goleiras ruins são críticas ao futebol feminino comumente ouvidas no Brasil. Quando há iniciativas para promover o esporte entre as mulheres no país, elas geralmente vêm da Fifa, dificilmente dos clubes. Bruna, porém, continua a jogar no Brasil.

"Gosto de viver perto da minha família", conta. Ela já recebeu nove propostas de clubes do exterior. Mais cedo ou mais tarde, ela também deverá deixar o país para continuar sua carreria.

Marta volta ao Brasil nos próximos meses. Não para jogar futebol, mas para assistir. Ela é a única mulher a ser nomeada como embaixadora da Copa do Mundo de 2014, ao lado de Ronaldo e Pelé.

"O meu sonho é que a nova geração de meninas tenha a oportunidade de jogar profissionalmente no Brasil, em sua terra natal", diz.

Muito já foi feito para isso, conta Marta, especialmente em relação à diminuição dos preconceitos contra as jovens que jogam futebol. Mas ainda resta muito a fazer. "Fui a primeira mulher a deixar minhas pegadas no Maracanã. Mas não devo, de jeito nenhum, ser a última."