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Façam como FHC!

21 de fevereiro de 2018

É importante ter programas públicos que incentivem a participação das mães no mercado de trabalho. Mas uma palavra ou um gesto podem fazer uma grande diferença, como mostrou Fernando Henrique.

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Entre eles: o presidente Fernando Henrique recebe jornalistas alemães no Alvorada
Entre eles: eu com o presidente Fernando Henrique e os demais correspondentes alemães no AlvoradaFoto: Agencia Brasil/W. Dias

Caros brasileiros,

não se preocupem: não vou fazer nenhuma propaganda eleitoral nesta coluna. Vou apenas elogiar a "política familiar" de vários anos atrás, do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Aliás, a política familiar anda meio esquecida nesta campanha eleitoral. É uma pena, pois parece que o Brasil está ficando mais alemão: mulheres com menos filhos, e pessoas mais velhas. E mais mulheres no mercado de trabalho que lutam para conciliar carreira profissional e vida familiar.

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É impressionante: no Brasil, a taxa de fertilidade caiu drasticamente. Em 1995, na média, cada mulher brasileira teve 2,72 filhos. Em 2015, caiu para 1,74. Na Alemanha, ela continua baixa, mas nesse mesmo intervalo aumentou levemente, de 1,25 para 1,5 filhos por mulher.

No Brasil e na Alemanha, o cansaço e o grito das mães raramente aparecem nas manchetes, dominadas por assuntos tidos "masculinos": seja o combate ao crime e a corrupção no Brasil; seja a política dos refugiados e a guerra na Síria, na Alemanha. A luta diária das mães, especialmente aquelas que não têm babá, continua esquecida.

É inacreditável: em pleno século 21, na era da digitalização, a discriminação de mães no mercado de trabalho continua. Gravidez e maternidade ainda são vistos em muitos ambientes de trabalho como problema.

Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, que entrevistou 247 mil mulheres que tiveram filhos, metade delas perdeu o emprego em até dois anos depois da licença-maternidade.

Às vezes são gestos pequenos que fazem a diferença. Que deixam brilhar o lado humano sobre a ditadura das convenções e preconceitos. Eu tive o privilégio de viver um momento deste quando era correspondente no Brasil.

Era em maio 1995 quando a minha filha tinha quatro meses. Um dia, eu recebi – como vários outros correspondentes alemães – um convite para tomar café de manhã no Palácio da Alvorada com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que viajaria para Alemanha.

Eu estava empolgada com esse convite, mas, ao mesmo tempo, achava que era impossível atendê-lo, pois ainda amamentava. Com apoio do meu marido e da minha babá, que até hoje é minha amiga, finalmente resolvi arriscar e fui para Brasília.

Chegando ao Palácio da Alvorada, FHC se mostrou cavalheiro. Como eu era a única mulher dentro do grupo dos correspondentes alemães, o presidente me convidou para sentar ao lado dele. A conversa foi indo, as perguntas foram feitas, quando, de repente, senti algo molhado na minha blusa: era chegada a hora da amamentação...

Eu quase desmaiei de vergonha, não consegui falar mais nada, fiquei muda e imóvel. Senti o olhar dos meus colegas na minha blusa. E senti que o presidente Fernando Henrique também notou o clima constrangedor. Espontaneamente, ele virou para mim, sorriu e me salvou com uma frase que nunca vou esquecer: "Não é lindo? Eu virei avô ontem, e eu juro para vocês: é maravilhoso!"

Que grandeza! Que alívio! Com uma frase só, FHC contornou a situação. Com uma frase só, o clima na mesa ficou alegre e descontraído. E com essa frase ficou claro: eu não tinha razão nenhuma para me envergonhar, pois, afinal, todos já foram amamentados, incluindo meus colegas correspondentes alemães.

Depois desse café da manhã, estou convencida: a sociedade só muda com o apoio dos homens, e não contra eles. A emancipação das mulheres só funciona com pai de família atuante em vez de ausente.

Nenhuma lei consegue decretar essa mudança na sociedade. Na Alemanha, que gasta anualmente 200 bilhões de euros em apoio a famílias, até hoje alguns vizinhos reclamam do barulho de criança. E até hoje, amamentar em lugares públicos é um tabu.

É importante ter programas públicos que incentivem a participação das mães no mercado de trabalho. Sim! Mas uma palavra ou um gesto podem fazer uma grande diferença. Façam como FHC!

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt.

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