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"Falta consenso na América Latina"

Meike Naber/rr19 de novembro de 2004

As divergências latino-americanas na política externa superam as européias, segundo o sociólogo brasileiro Sérgio Costa. Mesmo assim, para ele o Brasil cumpre condições para ocupar vaga no Conselho de Segurança da ONU.

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Fischer (e) foi recebido por LulaFoto: AP

Muitos consideram que os países do Hemisfério Sul deveriam contar com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Grandes grupos de nações, que vêm obtendo considerável influência na política mundial, esperam não apenas que seus interesses sejam levados em conta pela organização, mas reivindicam eles próprios uma vaga no grupo – espécie de representação da comunidade mundial.

Segundo esse princípio, que teria como conseqüência a descentralização do processo de tomada de decisões no conselho, não apenas a América Latina, mas a África, o Sudeste Asiático e o mundo árabe teriam de ser incorporados da mesma forma ao organismo. Mas a pergunta é que países estariam realmente capacitados a representar regiões inteiras.

O Brasil se sente predestinado a ocupar a vaga em nome da América Latina. Mas será que o país obteria o apoio dos vizinhos para assumir a representação regional? A DW-WORLD falou a respeito com o sociólogo brasileiro Sérgio Costa, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e docente do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim.

Nem México, nem Argentina

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O Tratado de Livre Comércio da América do Norte e seus membrosFoto: AP

Segundo Costa, o Brasil tem as melhores cartas para conseguir uma cadeira permanente, uma vez que cumpriria as condições necessárias mais que os outros dois aspirantes latino-americanos, México e Argentina. O México seria desfavorecido pela dependência em relação aos Estados Unidos, evidenciada na importância desmedida do Nafta na balança comercial do país. Costa questiona se o México poderá atuar independentemente de Washington, caso venha a ocupar um posto no conselho.

No caso argentino, a situação econômica seria um obstáculo à candidatura do país. Costa considera incerto que a Argentina seja capaz de assumir os custos adicionais derivados de tal posição. Além do mais, Buenos Aires não poderia garantir a estabilidade democrática necessária em virtude das turbulências políticas que o país viveu nos últimos anos.

"Apenas vantagens simbólicas"

Já o Brasil, além de contar com estabilidade democrática e desenvolvimento econômico, vem assumindo nos últimos anos responsabilidades maiores em missões da ONU, como no Timor Leste (1999) e no Haiti (1994), onde lidera os capacetes azuis no programa de reconstrução do Estado caribenho desde junho.

Entretanto, Costa se mostra cético quanto às vantagens reais que a vaga traria aos brasileiros, embora admita a importância simbólica que isso teria para o governo e a diplomacia nacional. A possibilidade de desempenhar um papel relevante na política internacional, indica, seria um passo substancial a caminho da "modernidade" e, ao mesmo tempo, um enorme passo histórico para um governo de esquerda com raízes em "partidos populares".

Para isso, o Brasil estaria disposto a pagar um alto preço, como mostra a missão no Haiti ou as recentes concessões feitas à Argentina no âmbito do Mercosul, que, segundo ele, podem ser interpretadas como um esforço para atenuar as resistências à candidatura brasileira.

Diferenças são maiores que na UE

Costa salienta que forjar uma linha conjunta entre os países latino-americanos será mais difícil que entre os países da União Européia, uma vez que as diferenças são maiores. Não obstante, um consenso seria vital para estabelecer uma representação comum dos interesses latino-americanos na política internacional.

A candidatura do Brasil ilustra isso claramente. Embora alguns países a apóiem incondicionalmente, como o Peru, a Venezuela, talvez a Bolívia, e surpreendentemente o Chile, outros dificilmente aceitarão a representação brasileira. Para a Argentina, por exemplo, admitir a validez da candidatura brasileira seria reconhecer sua supremacia no Cone Sul. E, caso o projeto brasileiro seja bem-sucedido, o México não teria por que não lançar sua própria candidatura.

Assento fortalece multilateralismo

Mas, no momento, argumenta Costa, não há uma alternativa à candidatura do Brasil que seja madura e passível de negociações internacionais. Além do mais, ele reconhece vantagens em uma atuação conjunta da América Latina no Conselho de Segurança da ONU.

Já que um dos maiores temores entre países latino-americanos é a possibilidade de sucumbir à supremacia norte-americana, a representação comum poderia servir para fortalecer uma posição multilateral, contraposta às ambições unilaterais dos Estados Unidos, e ainda servir de estímulo para que a região desenvolva posturas conjuntas diante de problemas concretos da política internacional.

Dr. Sérgio Costa é professor de Sociologia na Universidade de Santa Catarina e docente no Instituto Latino-Americano (LAI) da Universidade Livre de Berlim. Ele é perito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da 'Revista Brasileira de Ciência Sociais', bem como membro do conselho editorial da revista "Novos Estudos" do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).