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Alta Floresta sofre com paralisia do Fundo Amazônia

Nádia Pontes de Alta Floresta
20 de abril de 2020

Comunidades rurais eram as maiores beneficiadas com recursos do fundo. Cidade já esteve em lista inglória de maiores desmatadores e conseguiu virar a página com apoio de projetos bancados pela iniciativa.

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Pedro Lopes da Silva
Pedro Lopes da Silva era garimpeiro, e projeto financiado pelo Fundo Amazônia mudou sua mentalidadeFoto: DW/N. Pontes

O ano de 2020 seria promissor para Pedro Lopes da Silva. Aos 75 anos, ele se preparava para receber novos integrantes de um projeto que, desde 2010, fez brotar florestas do tamanho de mais de 2.700 campos de futebol em cidades do extremo norte de Mato Grosso.

Seria o décimo ano de vida do projeto Sementes do Portal, onde Silva atua desde o início. Em sua nova fase, o plano era dobrar a área de vegetação recuperada e aumentar a renda dos participantes da iniciativa. Seriam mais de 2 mil famílias envolvidas no total, pequenos produtores rurais que coletam sementes e fazem o plantio para restauro da mata e produção de sistemas agroflorestais.

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Mas toda a expectativa foi frustrada. Desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência e o Ministério do Meio Ambiente paralisou o Fundo Amazônia, no início de 2019, o Sementes do Portal também parou.

É do fundo que vem o dinheiro pago pelo trabalho de todas as famílias beneficiadas. Em troca, elas oferecem a garantia de que a Floresta Amazônica não é derrubada – sem terem que devolver o dinheiro investido.

Estabelecido em 2008 com doações principalmente de Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia financiou mais de 100 projetos de combate ao desmatamento e geração de renda no Brasil. Depois de assumir a pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles tentou reformular as regras desse acordo que, até então, era voltado exclusivamente para a proteção da maior floresta tropical do mundo. Até hoje, nenhuma proposta concreta foi apresentada.

Em 2019, ano de alta de 29,5% de desmatamento na Amazônia, o fundo não aprovou sequer um novo projeto. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos da DW Brasil.

Do garimpo ao restauro

Pedro Lopes da Silva chegou à região de Alta Floresta como garimpeiro. A entrada para o projeto fez com que mudasse sua mentalidade. As mãos, que já reviraram a terra e poluíram o ambiente com mercúrio, passaram a coletar e plantar sementes que viram árvores. 

"Tive conhecimento para dar valor ao meio ambiente. A mata, os rios, as águas não são separados da gente, a gente faz parte da natureza", explica. "E também é uma fonte de renda", adiciona.

Na casa de sementes que coordena, os latões de papelão estão praticamente vazios. A essa altura, época das chuvas, o plantio estaria a todo vapor. As famílias estariam recebendo o pagamento pelas primeiras sacas de sementes coletadas.

A paralisia do projeto Sementes do Portal desanimou o grupo. A proposta, que em 2020 entraria na sua terceira fase, foi uma das primeiras aprovadas pelo Fundo Amazônia, em 2010.

"O Fundo era um recurso que realmente apoiava as comunidades nesta região amazônica", comenta Ana Carolina Bogo, do Instituto Ouro Verde, ONG executora do Sementes do Portal.  "Não existem mais recursos disponíveis desta forma, que não exigem devolução do dinheiro", lamenta.

Pedro Lopes da Silva
Pedro Lopes da Silva era garimpeiro, e projeto financiado pelo Fundo Amazônia mudou sua mentalidadeFoto: DW/N. Pontes

Na casa de Diversina Silveira de Jesus, que faz parte do projeto, o verde começa a voltar nas áreas de nascentes. O assentamento onde mora já funcionou como estoque de madeira que era extraída da mata. A família transformou o lugar numa agrofloresta, com pés de limão, banana e outros frutos.

Aos poucos, ela convenceu o marido a entrar para o Sementes do Portal. José Quadros de Jesus conta que já derrubou muita área de floresta para "patrões" que grilaram terras públicas.

"Eu exerci essa profissão por muito tempo, só derrubando, formando fazenda, plantando capim", admite Jesus. "Era só para abrir, só para segurar as propriedades para o fazendeiro", conta sobre o passado. Hoje, ao lado da esposa, ele diz que gostaria de ajudar a recuperar a floresta que ele mesmo ajudou a derrubar. 

Passado inglório

Em Alta Floresta, a história do desmatamento desenfreado estimulou uma mudança de rumo. Em fevereiro de 2008, o município apareceu na primeira lista elaborada pelo Ministério de Meio Ambiente que reunia os maiores desmatadores da Amazônia.

"Isso trouxe uma insegurança jurídica para o município, uma instabilidade, se isso iria inviabilizar a parte econômica, se os produtores poderiam comercializar sua carne", relembra José Alesando Rodrigues, funcionário da prefeitura.

O ponto de virada foi apostar numa estratégia que recuperasse áreas desmatadas e ajudasse o produtor a legalizar suas terras por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no Código Florestal. O dinheiro para viabilizar a proposta veio do Fundo Amazônia.

"O projeto Olhos D'água da Amazônia conseguiu efetivar mais de cinco mil hectares de área em parceria com os produtores do município e deu a condição de regenerar essas áreas, ou fazer o restauro, ou fazer sistemas agroflorestais", explica Rodrigues, diretor executivo da iniciativa da prefeitura municipal de Alta Floresta. 

Valdemir Rugeri
O pecuarista Valdemir Rugeri beneficiou-se do plantio de árvoresFoto: DW/N. Pontes

Cinco anos depois, Alta Floresta saía da lista inglória. O município tinha cumprido a meta imposta pelo MMA para "limpar o nome": reduzir o desmatamento e regularizar pelo menos 80% das propriedades por meio do CAR.

O pecuarista Valdemir Rugeri foi um dos beneficiados. Perto de uma nascente, a área que reflorestou já tem árvores altas. Desde então, a água passou a correr ali todos os meses do ano.

"No futuro vai ficar melhor ainda porque fica uma lembrança de que já foi ruim, mas hoje se torna uma coisa boa para o nosso município, para o país, e acho que para o mundo", opina.

Futuro incerto

Alta Floresta tenta agora manter essa posição favorável, de cidade que abandonou o desmatamento. Mas, com o fim do Fundo Amazônia, a pressão vem de todos os lados.

"Esse modelo de agronegócio que era mais na área central do Mato Grosso, baixada cuiabana, tem subido e a soja já está muito presente na região. Tem algumas comunidades em que ela já tomou conta", avalia Ana Carolina Bogo. "A gente tem observado isso… Arrendamento de área, as pessoas saindo, a soja vem fazendo essa pressão da saída".

Renato Farias, do Instituto Centro de Vida, lamenta o apoio que a agricultura familiar perde com o fim do Fundo Amazônia. "A nossa região tem um potencial incrível em termos de produção da agricultura familiar. Uma agenda dessa vinculada a um trabalho como o Fundo Amazônia deu um salto muito grande para a região", comenta.

Na casa de sementes da comunidade Jacamim, coordenada por Pedro Lopes da Silva, o desejo é que a movimentação trazida pelos coletores volte. "Eu queria que o Fundo Amazônia continuasse", diz Pedro, antes de fechar o imóvel.

"Praticamente o primeiro recurso chega na mão do coletor de semente. E é um recurso bem distribuído", afirma o coordenador de uma das 12 casas do projeto.

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