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Emicida busca raízes musicais na África

Marco Sanchez5 de maio de 2015

Em passagem por Berlim, rapper fala do novo disco, gravado em Angola e Cabo Verde. Com data de lançamento marcada para o segundo semestre, "não será um disco fácil", adianta.

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Rapper Emicida na entrada do estúdio em Cabo VerdeFoto: Enio Cesar/Filipe Borba

Inquietação é uma marca registrada do trabalho do rapper paulistano Emicida. Desde de suas primeiras mixtapes, o músico mostrou não só talento para rimas, como também uma capacidade de misturar estilos ao seu multifacetado hip hop.

Uma viagem de 15 dias por Cabo Verde e Angola marcou o próximo projeto de Emicida. Seu segundo disco será resultado de colaborações com artistas africanos. Parte do repertório já havia sido gravada com instrumentistas e cantores durante a passagem pelo continente no mês passado.

A previsão é que o disco, ainda sem título e que está sendo finalizado em São Paulo, seja lançado no segundo semestre de 2015. Emicida falou à DW Brasil sobre seu novo projeto e sua busca musical e pessoal no continente africano.

DW: Por que você decidiu buscar na África suas origens musicais?

Emicida: Talvez tenha sido uma decisão mais pessoal do que profissional, é uma coisa de relação humana. Os brancos têm dificuldade de entender o que no Brasil tem o nome de banzo: é uma doença que acomete os pretos desde a escravidão, uma espécie de patologia semelhante à depressão, um fantasma que assombra quem foi arrancado de sua terra natal, como se essa doença tivesse a força de atravessar gerações. Fui mergulhar nessa África lusófona como primeiro passo de uma imersão urgente que preciso fazer para compreender e lutar pelo mundo que quero que minha filha conheça, um mundo onde ela odeie menos coisas do que eu.

O que mais marcou você em Cabo Verde e Angola?

A ausência do diabo e do pecado no rebolado das mulheres. No livro do [José Eduardo] Agualusa, ele diz que o diabo veio nas caravelas com os europeus, que não existia essa entidade na mitologia africana. Fiquei com isso na cabeça e, ao pisar em Cabo Verde, numa sessão com as mulheres cantando e batucando livremente, parei os olhos nos quadris delas e fiquei refletindo sobre quando, quem e por que haviam colocado o demônio e o pecado no corpo das mulheres. A África é a mãe da humanidade, nosso tempo não respeita as mães, por isso a África chora, sofre e alimenta as esperanças de que tudo vai retornar ao seu lugar. A dança é uma comunicação da terra com o céu, o corpo é instrumento divino, um milagre ambulante, saber disso com o cérebro é menos, muito menos do que sentir isso com o coração. Senti que a África tem isso no coração, e, mesmo neste mar de crueldade que atravessa e a violenta há no mínimo seis séculos, ela ainda sabe e sente de alguma maneira que Deus reside nos sorrisos.

Essa experiência inspirou seu próximo álbum. Como está o processo de gravação e produção?

Sou um cara que gosta de se reinventar, odeio a possibilidade de as pessoas conseguirem adivinhar o que vou fazer ou dizer. O processo de produção está fantástico, posso adiantar que, em termos de composição, não será um disco fácil. Quem achar que entendeu rápido é por que entendeu errado. Sentir pode ser instantâneo, mas é um disco que vai exigir muitas referências do ouvinte para ser apreciado em sua totalidade.

Você encontrou paralelos entre as cenas hip hop em Angola e Cabo Verde com a cena brasileira?

Não tive contato intenso com essas cenas, não era o que eu estava procurando. Sei sobre elas devido a meu interesse por esses lugares. Tive um encontro com o pessoal do hip hop em Praia [Cabo Verde], ficamos mais falando sobre hip hop brasileiro. Fiquei dentro do estúdio, quando saía, ia atrás de coisas menos contemporâneas que o hip hop. O mote do disco era uma viagem mais profunda por essa sensação de sermos vários e sermos um ao mesmo tempo. Brasil, Cabo Verde e Angola. Queria Moçambique também, sou apaixonado pela história das mulheres macuas e por uma escritora chamada Paulina Chiziane, mas infelizmente essa viagem terá que ficar para um segundo momento.

Você vai apresentar alguma música do novo disco na atual turnê europeia?

Trago o show do [disco] Glorioso [retorno de quem nunca esteve aqui]. No ano passado estivemos em Berlim com um repertório parecido, mas o espetáculo evoluiu muito na estrada e vai ser interessante ver como isso vai bater na Alemanha. Não tenho coisas novas no repertório, estamos estudando tudo ainda sobre como vamos reler isso no show. Essa turnê está fantástica, as experiências na França e em Portugal foram incríveis. Acho que na Alemanha vai ser tão forte quanto.