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Obra polêmica

23 de janeiro de 2012

Editor inglês quer usar trechos de polêmico livro de Adolf Hitler em edição comentada. Quase 70 anos depois da morte do líder nazista, publicação do texto segue proibida na Alemanha.

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Polêmica envolve liberação do uso de trecho do livro de HitlerFoto: picture-alliance/dpa

A disputa em torno da publicação de trechos comentados do livro Minha Luta (Mein Kampf), de Adolf Hitler, partiu do editor inglês Peter McGee. Ele trabalha numa série de publicações e planeja usar trechos da polêmica obra, juntamente com comentários de especialistas sobre o tema.

O plano, no entanto, esbarra nos direitos autorais alemães. No caso do livro de Hitler, os direitos foram passados pelos Aliados, após a Segunda Guerra Mundial, ao estado da Baviera, já que Hitler residira por último em Munique. Os bens do ditador foram confiscados, incluindo os direitos sobre o livro.

Até agora, o governo bávaro se opôs contra qualquer tentativa de publicação de trechos do livro e venceu todas as batalhas em tribunal. No caso mais recente, os detentores dos direitos já avisaram que usarão todas as possibilidades para evitar a publicação.

No entanto, 70 anos após a morte de um autor, as obras se tornam de domínio público. Isso quer dizer também que, em 2015, sete décadas depois do suicídio de Hitler, cometido em 1945, a sua obra poderia ser publicada.

Segundo McGee em entrevista à revista Der Spiegel, está mais do que na hora de o público poder se confrontar com o texto original. Na opinião de muitos, no entanto, o inglês está sendo movido apenas por interesses comerciais.

O nascer da obra polêmica

A prisão de Adolf Hitler, em 11 de novembro de 1923, pareceu marcar o fim da trajetória política do austríaco. Acusado de traição, Hitler foi detido após sua tentativa frustrada de golpe. A marcha nazista chegava ao fim com um banho de sangue em frente ao Feldherrnhalle, monumento famoso em Munique.

Naquele momento da história, o país vivia um caos político, a economia estava quebrada, o desemprego grassava e, nas ruas, havia conflitos entre cidadãos com orientações de direita e de esquerda. Enquanto a República de Weimar agonizava, Hitler, na prisão, formulava sua visão política.

Em poucos meses, ele concluiu Minha Luta (Mein Kampf), uma mistura crua de manifesto ideológico, autobiografia e apanhado de elementos tirados de outros livros e de panfletos políticos. Ele se concentrou em pensamentos racistas e antissemitas, falou em guerra e revolução nazista, e respaldou suas ambições de liderança.

O livro foi publicado só dois anos mais tarde, quando Hitler já estava em liberdade e, juntamente com seus seguidores, havia refundado o NSDAP, o partido nazista.

Entre os mais vendidos

Até 1933, cerca de 300 mil exemplares da obra haviam sido vendidos, impressos numa "edição popular" a preços acessíveis. Pouco depois, o livro se transformou em bestseller – com milhões de exemplares distribuídos como leitura obrigatória nos lares mais patrióticos, nas escolas e mesmo como presente do Estado a recém-casados.

No entanto, historiadores têm dúvidas se o livro foi, de fato, lido por milhões de pessoas. De qualquer maneira, a obra foi um sucesso financeiro para o partido e para a editora, e mesmo Adolf Hitler teve muitos ganhos pessoais.

O livro podia ser lido também fora da Alemanha: foram feitas traduções para francês, inglês, espanhol e outras línguas. Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, ninguém mais queria saber do bestseller assinado por Hitler.

Milhões de exemplares ainda em posse de famílias alemãs foram eliminados como legado vergonhoso. No entanto, nem todas as cópias foram destruídas. Na Inglaterra, por exemplo, em 2005 e em 2009, exemplares autografados foram leiloados por altas somas de dinheiro.

Trabalho malfeito

A sentença dos historiadores é, há décadas, bastante clara: eles classificam o livro de Hitler como desvairado, irracional, equivocado, vago, artificial, egocêntrico, estilisticamente ruim e politicamente incompreensível.

"Um estranho cheiro de coisa estragada parece sair das páginas", opinou certa vez Joachim C. Fest em seu livro sobre o ex-ditador. Para ele, a obra de Hitler foi uma tentativa completamente mal-sucedida de formular uma visão de mundo. A historiadora austríaca Brigitte Hamann acha a obra insuportavelmente monótona e disse, há pouco tempo, numa entrevista para o jornal Die Zeit: "Hitler praticamente não criou nada próprio. Ele sempre só copiou, acima de tudo postulados de grupos políticos marginais."

Propaganda ofensiva

Na Alemanha, a publicação do livro é proibida. Ele é considerado propaganda ofensiva à Constituição e perturbação da ordem pública. Além disso, as autoridades bávaras pretendem evitar o mau uso do livro e a influência política sobre o leitor – um argumento visto hoje, por muitos, como absurdo diante da democracia há tempos estabelecida.

O historiador inglês Ian Kershaw disse certa vez que a tentativa de censurar o leitor é um exercício inútil, visto que se vive a era da internet. De fato, o livro pode ser encontrado online, em partes ou completo, e também em antiquários no exterior.

Publicação científica

No meio acadêmico, a obra vem sendo retrabalhada há tempos. O Instituto de História Contemporânea de Munique está preparando uma edição crítica comentada. A obra deve ser lançada antes de outras publicações do livro de Hitler com fins comerciais.

A austríaca Brigitte Hamann se mostra cética. Ela teme que da iniciativa do editor inglês saia uma série de vários volumes. "Com isso, se dá mais espaço ao livro do que ele realmente merece", critica. Na melhor das hipóteses, defende a historiadora, uma edição menor sobre o tema não seria ruim, afinal, não se precisa necessariamente esclarecer toda a história do mundo neste livro.

A discussão na Alemanha segue polêmica também quanto à permissão da venda de trechos comentados do livro de Hitler em quiosques. A ministra da Família, Kristina Schröder, é contra. Segundo ela, diante de tantos monumentos marcantes em memória às vítimas, e de locais, em toda a Alemanha, que lembram as crueldades cometidas, o país não precisa disso para tentar entender as atrocidades praticadas pelos nazistas.

Dieter Graumann, presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, acompanha a publicação da obra com tranquilidade e espera que o livro, assim, "seja desmistificado".

Autora: Cornelia Rabitz (np)
Revisão: Roselaine Wandscheer