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ECM

Felipe Tadeu16 de fevereiro de 2009

Selo fonográfico de Munique fundado em 1969 por Manfred Eicher permanece como referência do jazz, do experimentalismo e da música clássica.

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ECM representa Egberto Gismonti na EuropaFoto: ECM

Egberto Gismonti, um dos grandes nomes da música instrumental no Brasil também foi uma revelação dos históricos festivais promovidos pela televisão nos anos 1960. Mas foi de um estúdio em Oslo, na Noruega, em 1976, que ele armou o salto para a conquista do prestígio internacional. Ao lado do percussionista Naná Vasconcelos, gravaria Dança das Cabeças, que já nascia premiado por sair sob a tutela de uma gravadora muito especial: a alemã ECM Records.

Para comemorar seus 40 anos, a ECM (Edition of Contemporary Music) lançou há pouco uma série de 40 títulos, batizada de Touchstones. O pacote traz parte de seu suntuoso acervo em formato digipack com cds que vão de Chick Corea ao cultuado trio Codona, formado por Naná Vasconcelos e os músicos norte-americanos Don Cherry e Collin Walcott. O álbum Duas Vozes (1984), outra parceria de Vasconcelos com Egberto Gismonti, também foi incluído na série comemorativa.

A consagração de um visionário

Em 1969, a ECM não se tratava só de uma sigla ambiciosa numa Alemanha que já estava restabelecida econômica e tecnologicamente depois das desgraças da Segunda Guerra Mundial. O principal trunfo do selo era mesmo o seu criador, o produtor musical Manfred Eicher, nascido em 1943 em Lindau, no sul da Alemanha.

Eichner, de caráter empreendedor e de muito senso estético, foi talhado para revolucionar o sistema de gravação analógico sob o lema The most beatiful sound next to silence (o som mais bonito parecido com o silêncio). Ele mesmo era um habilidoso contrabaixista e, posteriormente, foi diretor de cinema.

Além disso, iria alavancar a carreira de artistas do quilate de Keith Jarrett, Pat Metheny e Jan Garbarek, além dos citados Gismonti e Vasconcelos, nas correntes mais progressistas da música mundial.

Ex-integrante da Filarmônica de Berlim, Eicher começou a perceber que o seu papel na cena musical iria mais além do que tocar contrabaixo, ao assistir aos 18 anos uma apresentação do Bill Evans Trio em Nova York. Seu entusiasmo pela questão da sonoridade, que já se prenunciava quando Eicher não arredava o pé da sala de gravações em que a orquestra berlinense registrava suas peças, só precisava de um suporte financeiro para virar realidade.

Produzir discos, por que não?

Foi aí que Karl Egger, comerciante de Munique proprietário da loja em que Eicher costumava comprar seus long-plays, entrou na história, acenando com um investimento de, na época, 16 mil marcos. Não era muito, mas o suficiente para soltar Free at Last, do pianista norte-americano Mal Waldron, que seria o primeiro passo rumo àquilo que se convencionou chamar o som ECM.

Intuitivo, Eicher sempre tentava encontrar as condições técnicas e ambientais – a temperatura e a iluminação adequadas dentro ou fora do estúdio – para atingir o êxtase musical. "Todos os discos que Codona gravou foram feitos em apenas três dias. Dois deles para gravação e o último para fazer a mixagem. Era assim que a ECM trabalhava", conta Naná Vasconcelos.

O resultado era fantástico. A concepção acústica deveria ser encarada como verdadeira escultura sonora, assim como as capas dos discos. Estas combinavam majoritariamente sugestivos motivos fotográficos em preto-e-branco com a música contemplativa que é característica do selo.

O estouro de Jarrett

A determinação, o talento e a coragem que Manfred Eicher sempre investiu nos trabalhos de músicos que considera extraordinários – independente do grau de fama deles –, iriam ser coroados definitivamente seis anos depois da criação da ECM, com o álbum Köln Concert, gravado ao vivo por Keith Jarrett em Colônia no dia 24 de janeiro de 1975.

O disco ultrapassou a marca dos três milhões de exemplares vendidos, um fenômeno, considerando o fato de ser um disco-solo de um pianista de jazz. Hoje, Jarrett pode se orgulhar de ter 44 álbuns lançados pela ECM, o que atesta o propalado nível de boa convivência que Eicher mantém com os músicos de seu selo, algo raro no meio fonográfico.

"Todo produtor tinha que ser músico e já ter ficado, ele mesmo, de frente para o microfone", sentenciou o "pai" da ECM. Os artistas que trabalham com ele sabem que têm ao seu lado um verdadeiro parceiro musical, disposto e, principalmente, capaz de dar opiniões oportunas. "Eu os influencio no sentido de fazer questionamentos, de dar sugestões e apontar novas direções. Mas é claro que eu só posso dar cabo da tarefa se for com a intensidade que se espera de mim, com empatia", declarou ao diário suíço Neue Zürcher Zeitung.

A ECM Records, que a partir de 1984 também passou a se dedicar à música clássica, instaurando a chamada New Series, sempre deu ótima acolhida aos brasileiros Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. O primeiro chegou a ter 12 discos de seu selo Carmo licenciados para a ECM (com títulos como Alma, Circense e Nó Caipira, de Gismonti, e Violão, de Nando Carneiro).

Já Naná Vasconcelos se faz presente no catálogo com o seu solo Saudades, com a trilogia de Codona, agora relançada em estojo de luxo, os três álbuns divididos com Gismonti (Dança das Cabeças, Sol do Meio-Dia e Duas Vozes), mais os cinco discos com o saxofonista Jan Garbarek e outros cinco com o baixista norueguês Arild Andersen.

"A ECM representa muito para a música mundial", afirma Vasconcelos. "A equipe deles era fantástica e as gravações eram em Oslo porque lá o telefone não tocava. E só quem ia para lá eram os músicos", completou o percussionista.