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Do cinismo à ira: 60 anos de Sloterdijk

Soraia Vilela
26 de junho de 2007

Popular e polêmico, Peter Sloterdijk é hoje um dos filósofos alemães mais ativos. Com declarações controversas, quase não sai do foco da mídia.

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Controvérsias constantes e apelo popular: o filósofo da mídiaFoto: picture-alliance/ dpa

Embora Peter Sloterdijk seja reitor da Escola de Artes e Design de Karlsruhe (Staatliche Hochschule für Gestaltung Karlsruhe), o filósofo e teórico da cultura não é conhecido no país por sua produção acadêmica, mas, acima de tudo, pelas polêmicas desencadeadas por seu discurso político.

Com teses controversas sobre o terrorismo islâmico, "alertas" sobre a Constituição européia e ironia a respeito do "musical" apresentado pelos manifestantes antiglobalização durante o recente encontro do G8 na Alemanha, Sloterdijk está, com freqüência, presente na mídia de língua alemã.

Ciência feliz

Por ocasião de seus 60 anos, comemorados nesta terça-feira (26/06), o filósofo, chamado pelo diário Die Welt de "mestre da ciência feliz", tornou-se conhecido do público a partir da publicação de Crítica da Razão Cínica (1983) – a obra filosófica mais vendida na Alemanha do pós-guerra.

Seu suposto protesto contra o cinismo, definido como "falsa consciência esclarecida", levou o autor a observações amargas acerca da sociedade de consumo e informação. A disseminação do computador e a conseqüente dependência do homem deste é outro ponto tocado por Sloterdijk, para quem "comunicação é trabalho escravo".

Imunidade à depressão

Natural de Karlsruhe, Sloterdijk estudou Filosofia, Filologia Germânica e História em Munique e Hamburgo, tendo concluído tese de mestrado sobre O estruturalismo como hermenêutica política, em 1971. Cinco anos mais tarde, defenderia seu doutorado em Hamburgo, com uma dissertação sobre Literatura e organização sobre experiência de vida.

No fim dos anos 70, Sloterdijk passou dois anos na Índia. Um período de sua vida que deixou conseqüências "irreversíveis", segundo o próprio filósofo: "Quem fez uma experiência como essa, se torna imune a quaisquer teorias, nas quais a depressão sempre vence".

Parque humano

Buchcover: Sphären III von Peter Sloterdijk
'Esferas III: Espumas': antropologia filosófica

Em 1998, Sloterdijk iniciou a publicação de uma trilogia, com a qual aspirava decifrar a "história da humanidade". O primeiro volume Sphären I. Blasen (Esferas. Parte I: Bolhas) foi atacado pela crítica como um amontoado insano de pronunciamentos sobre terrorismo, manipulação genética e cultura pop.

Mas meses a fio ocupando as manchetes dos jornais o filósofo viria a ficar um ano depois, a partir do dia 17 de julho de 1999, quando durante um encontro no sul da Alemanha, trouxe a público suas digressões sobre As regras para o parque humano, nas quais Sloterdijk se posiciona criticamente em relação à Carta sobre o Humanismo, publicada em 1946 pelo filósofo Martin Heidegger (1889-1976).

No texto rebuscado, onde é afirmada a inevitabilidade da manipulação genética, o uso de conceitos como "seleção" e "cultivo" despertou na crítica analogias imediatas com a ideologia nazista, o que fez com que o "discurso de Elmau" [nome do castelo na Baviera, onde o ensaio foi lido por Sloterdijk pela primeira vez] passasse meses a fio sendo debatido tanto na imprensa quanto no meio acadêmico alemão.

Filosofia "sem dedo em riste"

O recurso à terminologia semelhante à do repertório nazista fez com que na trajetória do filósofo fosse apontada uma "guinada para a direita", o que em sua autodefesa foi chamado de "agitação da esquerda fascista".

Como se não bastasse, Sloterdijk declarou ainda na época "a morte da Escola de Frankfurt" e anunciou um "acerto de contas com a Teoria Crítica", com o qual Jürgen Habermas "teria se aposentado". Poucos anos depois, em 2002, o filósofo estrearia em grande estilo um programa na televisão alemã. O Philosophisches Quartett (Quarteto Filosófico), com o qual pretendia supostamente levar adiante "uma filosofia sem dedo em riste".

Desconstrução da teoria psicanalítica

Buchcover Peter Sloterdijk Zorn und Zeit
'Ira e Tempo': tratado político-sociológico

Na seqüência, vieram ainda os outros volumes da trilogia Esferas, encerrada com Schäume (Espumas) – obra que sugere fundamentos para uma nova "antropologia filosófica".

Em 2005, seria publicado Im Weltinnenraum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (No Interior do Mundo do Capital: Por uma Teoria Filosófica da Globalização), em que o autor dá continuidade às teorias desenvolvidas na trilogia Esferas e disseca as dimensões do conceito de globalização.

Em Zorn und Zeit (Ira e Tempo), publicado no último ano, um tratado "político-psicológico", Sloterdijk analisa a cultura ocidental a partir da idéia da ira, considerada pelo autor "o motor real da história".

Iniciado com uma reflexão sobre a Ilíada, de Homero, epopéia constituída em função da ira de Aquiles, o volume se opõe à teoria psicanalítica, ao desconstruir a pulsão de morte, situando Eros no mesmo patamar de Thymos – para os gregos, responsável pelo arrebatamento da ira.