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Dilma, uma presidente emérita?

Jean-Philip Struck17 de março de 2016

Estilo centralizador deve sofrer abalo com a entrada de Lula no governo, marcando uma nova etapa da perda de poder político da presidente. Para especialistas, ela pode virar figura exilada em sua própria administração.

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Foto: picture-alliance/dpa/F. Bizerra Jr.

A nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil, marcando sua entrada oficial no governo de Dilma Rousseff, sua protegida política, lança dúvidas sobre o poder que a mandatária vai conservar em sua própria administração.

Ao comentar a nomeação, Dilma, que sofre um desgaste inédito por causa de escândalos políticos e maus resultados econômicos, afirmou que Lula “terá os poderes necessários para ajudar o Brasil”, sinalizando que espera que ele seja mesmo um superministro e uma pessoa-chave do governo.

A oposição se apressou em criticar a medida, acusando o petista de estar assumindo uma espécie de terceiro mandato às custas de Dilma ou de ter virado um “primeiro-ministro”.

É previsível que o estilo centralizador de Dilma deve sofrer um abalo com a entrada de Lula no governo, marcando uma nova etapa da perda de poder político da presidente, que vinha sofrendo ofensivas de rebeldes da base aliada, da oposição, mas também do próprio PT.

Apesar da influência que o ex-presidente teve sobre o governo nos últimos cinco anos, Dilma nem sempre seguiu as orientações do seu padrinho político, tentando em diversas oportunidades imprimir uma identidade própria na sua administração – embora nem sempre os resultados tenham saído como o esperado.

Em junho do ano passado, Lula chegou a se queixar em um encontro com religiosos que a sua sucessora “não ouvia seus conselhos”. “Dilma é uma criação de Lula, foi ele que a moldou, que a incentivou e que puxou os votos. No seu primeiro mandato, Dilma se comportou como tal, mas a partir da sua reeleição ele havia conquistado mais autonomia”, afirma o cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

"Ministro da esperança"

A autonomia de Dilma se manifestou ao longo do seu governo em casos em que a presidente bateu o pé e manteve Aloizio Mercadante na Casa Civil e, sobretudo, José Eduardo Dutra no Ministério da Justiça, dois homens da sua confiança. Tudo isso ocorreu mesmo com as queixas de Lula, da maioria do PT e de setores do PMDB ainda alinhados com o Planalto que pediam a saída dos ministros.

Mas aos poucos, conforme seu poder passou a se esfarelar 2015, Dilma foi cedendo, e seus protegidos começaram a cair um a um, sendo em muitos casos substituídos por lulistas. A partir do final de setembro, a presidente começou a ficar cercada de ministros historicamente mais ligados a Lula: o baiano Jaques Wagner foi para a Casa Civil; Ricardo Berzoini assumiu a articulação política na Secretaria de Governo; e Edinho Silva, que permaneceu entrincheirado na Secretaria de Comunicação Social. Mercadante acabou relegado ao Ministério da Educação.

Mas nada disso deve chegar perto dos efeitos provocados pela entrada oficial de Lula no governo. Com sua influência pessoal combinada ao poder conferido pela pasta da Casa Civil, é e se esperar que os holofotes se virem para o ex-presidente e mentor de Dilma. Lula já chega com o objetivo de promover a reconstrução da base aliada do governo, frear o impeachment e poder para influenciar a política econômica – e tudo isso em meio à sensação de que sua nomeação foi também uma forma de blindá-lo momentaneamente com foro privilegiado e tirá-lo da mira da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

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Apesar da proximidade, Dilma nem sempre seguiu as orientações do seu padrinho políticoFoto: picture-alliance/dpa/S. Moreira

O presidente do PT, Rui Falcão, já deu o tom do que se espera de Lula ao chamá-lo de “o ministro da esperança” em sua conta no Twitter.

Segundo o o cientista político Ernani Carvalho, o arranjo deve ter consequências negativas para o poder e Dilma, já que Lula deve concentrar todo o poder de interlocução com os partidos aliados, o PT, os presidentes das Casas do Congresso e até mesmo os movimentos sociais, além de aparentemente ter recebido carta branca na economia.

“Não acredito que nem Lula nem Dilma desejavam inicialmente esse arranjo. Na prática, ela impôs uma autotutela, correndo o risco de virar uma mera rainha da Inglaterra, uma figura decorativa”, afirma Carvalho. “Os americanos tem uma expressão para presidente que estão em fim de mandato e não podem mais se reeleger, o lame duck (pato manco). Parece que Dilma resolveu virar um lame duck apenas um ano depois de assumir o seu segundo mandato”, opina.

O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também acredita que a chegada de Lula vai esvaziar o poder de Dilma. “A presidente fez um cálculo político e viu que não tinha a habilidade política para estancar a crise. Com essa nomeação, ela tenta manter o cargo, mas abdicando de exercer o poder que restava. Na prática, ela vai manter a representatividade, mas praticamente vira uma figura exilada em seu próprio governo”, afirma.

“Presidenta, sobe!”

De acordo com a imprensa brasileira, Lula pretende desembarcar no governo levando velhos nomes da sua equipe e exigindo substituições em vários ministérios. Especula-se que Lula tenha ventilado alguns dos antigos ministros o seu governo como Franklin Martins (Comunicação), Celso Amorim (Relações Exteriores), Nelson Jobim (Justiça) e Henrique Meirelles (Banco Central) para que eles voltem aos seus velhos cargos, desalojando outros nomes que haviam sido escolhidos por Dilma.

Também é esperado que Mercadante, figura extremamente próxima da presidente, deixe o governo após ter seu nome envolvido na delação do senador Delcídio Amaral, o que deve deixar a presidente praticamente sem nenhuma pessoa da sua intimidade no núcleo decisório da administração.

“Dilma tentou afastar os lulistas do seu governo no início do ano passando, tentando respirar e sair de debaixo da asa do ex-presidente, mas o problema é que ela nunca gostou de fazer costuras e interlocução política, e também não encontrou pessoas capazes de desempenhar essas tarefas. A chegada de Lula e uma equipe completa é mais um indício de que ele vai passar a comandar o Planalto”, afirma Prando.

De acordo com jornal Folha de S.Paulo, uma piada começou a circular entre petistas em Brasília envolvendo a localização do gabinete da Casa Civil, que fica no quarto andar do Palácio do Planalto, acima do gabinete da Presidência, no terceiro. Segundo a piada, quando Lula era presidente e Dilma comandava a Casa Civil, o ex-mandatário costumava ordenar pelo telefone “ministra, desce!”. Agora, a ordem deve passar a ser “presidenta, sobe!”.