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Dias nada harmônicos

(sv)4 de dezembro de 2005

Governo forte, oposição fraca e mesmo assim o início da "era Merkel" tem sido tudo menos tranqüilo. Revelações sobre conivência da Alemanha com as ações da CIA transformam caso em verdadeira caixa de Pandora.

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Merkel e ministro Steinmeier: sem motivos para tantos sorrisosFoto: AP

Cenários como o do atual Bundestag alemão são, via de regra, raros. De um lado, dois partidos arquiinimigos que se unem. De outro, uma minioposição fragmentada que dança conforme a música do momento, sem saber muito bem para onde ir. A atual coalizão de governo entre CDU/CSU e SPD tem nada menos que 73% dos votos no Parlamento. E uma maioria no Bundesrat, a câmara alta do Legislativo federal.

Atônitos em oposição aos antigos parceiros

Kuhn und Künast neue Fraktionsvorsitzende der Grünen
Renate Künast und Fritz Kuhn, líderes verdesFoto: dpa - Bildfunk

Do outro lado da aparentemente coesa maioria, estão os três pequenos da turma: liberais, verdes e esquerdistas. Os dois primeiros visivelmente atônitos com o novo posto de opositores aos antigos parceiros – os liberais formam tradicionalmente coalizões com os democrata-cristãos e os verdes acabam de deixar sete anos de governo ao lado dos social-democratas.

Com o Partido de Esquerda, a situação também não é muito diferente, uma vez que a facção como tal é recente: formada de um lado pelos dissidentes da social-democracia do Oeste alemão e de outro pelos neocomunistas do antigo PDS, facção derivada do partido único da ex-Alemanha Oriental.

Novas relações de poder

Daniel Bahr
Daniel Bahr, do Partido LiberalFoto: dpa

"Durante a era Schröder", comenta o semanário Die Zeit, "a oposição governava sempre junto", já que os democrata-cristãos, mesmo sob a coalizão social-democrata-verde, mantiveram a maioria no Bundesrat. Ou seja, muitas das medidas defendidas pelo governo eram bloqueadas pela oposição quando chegavam à câmara alta. Ou nem sequer acabavam lá.

Já os pequenos partidos de oposição de hoje "precisam se acostumar às novas relações de poder", observa o parlamentar liberal Daniel Bahr ao jornal. "Pois, de certa forma, é muito estranho que somente o Partido de Esquerda aplauda quando fazemos um discurso no Parlamento".

Um embaralhamento de cartas um tanto quanto estranho, considerando que ideologicamente o Partido Liberal, árduo defensor de práticas neoliberais, os Verdes e o Partido de Esqueda têm muito pouco em comum. Mesmo assim, acabam no novo cenário assumindo posturas semelhantes, quando não unânimes.

Governo assume papel de oposição

Do pedestal de uma enorme maioria, o novo governo vem observando esta minioposição quase com indiferença. Pois a "oposição" real existente a partir de agora começa a ser criada dentro do próprio governo.

Mesmo que unidos em nome de uma coalizão, democrata-cristãos e social-democratas não acabaram de vez com as tradicionais diferenças que os separam. "A grande coalizão não se resume a governar. Ela assume também uma parte da oposição", observa o Die Zeit.

Clique ao lado para continuar lendo: política externa, o caso da CIA, envolvimento do governo anterior.

Política externa: problemas à vista

CIA-Flüge in Europa
Vôos da CIA em FrankfurtFoto: dpa

Política tributária, desemprego e sistema de saúde à parte, até em questões ligadas à política externa os primeiros dias de Merkel não têm sido isentos de conflitos graves.

Além do seqüestro da arqueóloga alemã no Iraque, os detalhes que vêm vindo à tona sobre os vôos secretos da CIA no país e a conivência do ex-ministro do Interior com práticas nada nobres do serviço de inteligência norte-americano têm dado o que falar.

O semanário alemão Der Spiegel começou a noticiar e o diário Washington Post forneceu mais detalhes. A cada dia que passa, surgem mais informações sobre as ações secretas da CIA no país, inclusive sobre o seqüestro de Khaled el-Masri, alemão de origem libanesa, em fins de 2003.

Seqüestro e tortura

Bundesinnenminister Otto Schily
Otto Schily, ex-ministro do InteriorFoto: dpa

Acusado de envolvimento com os terroristas que arquitetaram os atentados de 11 de setembro, el-Masri teria sido preso na Macedônia em fins de 2003, obrigado a prestar depoimentos sob tortura e depois levado ao Afeganistão, onde teria ficado meses detido. Tudo sob o argumento de "combate ao terror" e muito provavelmente com base em suspeitas errôneas.

De acordo com o jornal Washington Post, o ex-embaixador norte-americano na época, Daniel R. Coats, teria noticiado detalhadamente o caso ao então ministro alemão do Interior, Otto Schily, em maio de 2004. Somente um ano e meio depois é que a conversa viria a ser oficialmente documentada. Coats teria pedido a Schily discrição total no caso e o pedido teria sido bravamente respeitado pelo ministro alemão.

Difícil ignorar tudo

Mesmo que Merkel preferisse ignorar tudo isso e pretendesse, antes de tomar posse, enterrar de vez as desavenças transatlânticas com Washington, a pressão da mídia e da opinião pública certamente não vão permitir um happy end da passagem de Condoleezza Rice pelo país nesta terça-feira (6/12).

Embora Merkel não tenha apoiado o "não" de Schröder à guerra do Iraque, não vai ser muito fácil no momento, diante de tantos podres acumulados de um lado e de outro do Atlântico, continuar distribuindo sorrisos à Casa Branca.