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Dez perguntas sobre a repatriação de recursos

Jean-Philip Struck12 de novembro de 2015

Brasileiros mantêm centenas de bilhões de reais no exterior, e governo quer regularizar ao menos parte desse dinheiro e cobrar imposto e multa. Confira pontos centrais do projeto.

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Foto: Fotolia/Carlson

A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (11/11) o texto-base do projeto que cria um programa de regularização de recursos enviados por brasileiros ao exterior sem declaração à Receita Federal. O texto passou por uma votação apertada, com 230 votos favoráveis e 213 contra.

Leia abaixo quais são os principais pontos do projeto aprovado pela Câmara, que prevê a anistia de uma série de crimes para quem desejar regularizar sua situação. O texto deve seguir agora para o Senado, onde ainda pode sofrer modificações – se isso ocorrer, o projeto terá que voltar para a Câmara.

Quanto dinheiro brasileiro está no exterior?

Ter uma conta no exterior não é ilegal desde que o valor seja declarado à Receita. Não há consenso sobre o valor total remetido ilegalmente por brasileiros ao exterior. Um estudo elaborado em 2014 pela Global Financial Integrity (GFI), uma ONG com sede em Washington, estima que entre 1960 e 2012 foram remetidos 590 bilhões de dólares do Brasil para outros países. Desse valor, cerca de 400 bilhões foram enviados de maneira ilegal, sem declaração e pagamentos de taxas.

Segundo o advogado e professor de direito financeiro Heleno Torres, que colaborou com o projeto, estimativas apontam que metade desse valor é provavelmente fruto de atividades criminosas, como tráfico de drogas.

Quem pode participar?

De acordo com o projeto, podem aderir ao programa pessoas físicas ou jurídicas residentes no Brasil que continuam a ser ou tenham sido proprietárias de recursos ou bens no exterior não declarados à Receita em datas anteriores a 31 de dezembro de 2014.

Na votação desta quarta-feira, deputados conseguiram incluir uma emenda que vedou que detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção e eletivos possam aderir ao programa. Também ficaram de fora os cônjuges e parentes até o segundo grau desses políticos e funcionários públicos.

De acordo com os defensores da emenda, a proibição quer evitar que suspeitos de envolvimento com o escândalo da Petrobras possam repatriar recursos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha – ele próprio suspeito de envolvimento no escândalo –, foi inicialmente contra a inclusão da emenda, mas, após protestos de parlamentares que o acusaram de tentar se beneficiar de uma eventual anistia, permitiu que ela fosse votada.

Como será o procedimento?

O projeto prevê que o interessado em regularizar a situação terá que fazer uma declaração à Receita Federal e ao Banco Central descrevendo os bens e valores e atestando que a origem dos recursos é legal e não fruto de atividades criminosas. O prazo previsto para a adesão é de 210 dias a partir da entrada em vigor da lei. Ainda não há como saber a data de início do programa, já que o projeto ainda precisa ser votado pelo Senado.

Apesar do nome, o projeto não leva necessariamente a uma repatriação dos recursos, mas a uma regularização. Quem escolher regularizar a situação poderá manter os valores no exterior após pagar a multa e o imposto, se assim desejar.

Qual o valor que deve ser pago para quem aderir?

O texto definiu que pessoas e empresas com interesse em legalizar recursos vão pagar 30% sobre o valor – 15% de multa e 15% de imposto de renda. Na prática, o percentual deve ser menor. O texto estabeleceu que os valores devem ser convertidos em reais seguindo a cotação do dólar registrada em 31 de dezembro de 2014, que era inferior à atual. Especialistas apontam que a diferença deve reduzir o percentual a ser pago a meros 20%.

Em 31 de dezembro de 2014, o dólar era cotado a 2,65 reais. Nesta quinta-feira, o valor alcançava 3,81 reais – e a tendência é que, até a eventual implementação do programa, o valor ainda se mantenha bem acima da cotação registrada no ano passado.

Quais são as vantagens para quem aderir?

O texto concede anistia para uma série de crimes. Entre eles estão sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, descaminho (sonegar imposto na entrada ou saída de produtos), sonegação de contribuição previdenciária, uso de identidade falsa para operação de câmbio, crime contra a ordem tributária, falsificação de documento público, falsificação de documento particular e falsidade ideológica. Quem aderir só precisará pagar a multa e o imposto de renda, também ficando isento de todos os demais tributos federais e penalidades aplicáveis por outros órgãos regulatórios.

O que pode acontecer com quem não aderir?

Quem não aderir ao programa vai continuar em situação irregular e sujeito a ser processado pelos crimes mencionados acima. Para o advogado Heleno Torres, o incentivo para a adesão é grande, já que a maior parte dos países está fechando o cerco aos sonegadores e promovendo a troca internacional de informações sobre contas bancárias, o que está dificultando a remessa ilegal de recursos. "Nunca mais haverá uma chance de se regularizar igual a essa", afirma.

Existe o risco de dinheiro do crime ser regularizado ou repatriado?

Os mecanismos que vão regulamentar o projeto ainda devem ser discutidos após a eventual aprovação final. Para acalmar os críticos receosos de que o projeto vai permitir a regularização de dinheiro ilícito, foi incluída uma emenda que estabelece que os documentos para a regularização poderão eventualmente ser usados para embasar a abertura de investigação contra os interessados, desde que eles não sejam o único instrumento utilizado para um eventual processo criminal.

Torres afirma que será muito arriscado regularizar recursos provenientes do crime. "Todos os recursos terão que ter a origem comprovada por meio de documentos." Outros especialistas lembram que documentos não estão imunes a fraudes.

Quanto dinheiro o governo vai arrecadar?

O governo vem defendendo o projeto com o argumento de que ele poderá melhorar a situação da arrecadação do Estado. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que "a regularização dos ativos no exterior é muito oportuna".

Não há, porém, um consenso sobre o valor que será arrecadado com as multas. Inicialmente, o governo defendia cobrar um percentual de até 35% sobre os valores, mas a taxa foi reduzida para 30% pelos deputados. Com base no percentual anterior, defensores do projeto estimaram que o Estado poderia arrecadar até 50 bilhões de reais. A estimativa, no entanto, é considerada otimista demais por alguns especialistas. Um cálculo mais modesto chegou a 11 bilhões de reais.

Esse tipo de iniciativa já foi posta em prática alguma vez?

Sim. Mais de 40 países já adotaram programas parecidos, entre eles a Índia, o Canadá, o México, os Estados Unidos e a Alemanha. Neste último, um programa de Offshore Voluntary Disclosure foi colocado em prática entre 2004 e 2005. Já os EUA colocaram em prática três programas do gênero entre 2009 e 2014. Quarenta e cinco mil pessoas aderiram, e o fisco do país arrecadou 6,5 bilhões de dólares em impostos e multas.

Quais são os problemas éticos?

O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra o projeto. Em nota técnica divulgada em 4 de novembro, o MPF afirmou que o programa levanta sérios questionamentos morais e "conduz a um lapso de impunidade", levando a crer que o "crime compensa" ao criar "uma janela de impunidade que poderá ser uma verdadeira blindagem a favor dos criminosos e investigados nas grandes operações contra a corrupção no Brasil".

O MPF também argumentou que, se os mecanismos de troca de informações entre os países estão melhorando, como afirmam os defensores do projeto que falam em "uma última janela para a regularização", o caminho ideal seria reforçar esses mecanismos e "verdadeiramente repatriar" os valores.

Outros críticos apontam que a justificativa de que o programa vai incentivar os titulares de contas a reinvestir seu dinheiro no exterior é simplesmente uma expectativa que não pode ser assegurada, já que eles ainda podem regularizar os valores e ainda mantê-los no exterior.