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SaúdeÁfrica do Sul

"Desafios para produzir vacina são enormes"

Adrian Kriesch
8 de maio de 2021

África do Sul é uma das poucas nações africanas capaz de produzir vacinas, mas depende de insumos especializados e centralizados. Em entrevista à DW, virologista analisa efeitos de uma eventual suspensão das patentes.

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Mãos enluvadas aplicam injeção
África do Sul também enfrenta gargalos no fornecimento de vacinas contra coronavírusFoto: Siphiwe Sibeko/AP Photo/picture alliance

No início de maio, o governo dos Estados Unidos manifestou-se a favor de uma suspensão global das patentes para as vacinas contra o novo coronavírus. Especialistas e lideranças nacionais expressaram esperanças de que a medida possa expandir os estoques globais, num momento em que uma segunda devastadora onda de covid-19 varre a Índia, intensificando os apelos pela redução da lacuna entre países ricos e pobres.

Outros, no entanto, mostram cautela e até ceticismo – entre eles, a chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel. Em entrevista à DW, o virólogo Wolfgang Preiser, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, admite ver pouco espaço para otimismo no curto prazo, sobretudo para as nações em desenvolvimento.

"Mesmo os Estados Unidos fecharam centros de produção depois que centenas de milhares de doses foram arruinadas. Então, os desafios são enormes.[...] No médio a longo prazo, porém, espero que seja possível. E se for aplicável para além da covid-19, pode ser que faça uma diferença."

DW: Em sua opinião, uma suspensão das patentes sobre as vacinas de covid-19 terá impacto sobre a distribuição das doses nos países africanos?

Virólogo Wolfgang Preiser, da Universidade de Stellenbosch, África no Sul
Virólogo Wolfgang Preiser, da Universidade de Stellenbosch, África no SulFoto: DW/A. Kriesch

Wolfgang Preiser: Torço para que tenha, mas não no curto prazo. Realmente me pergunto se fará uma grande diferença no tocante à distribuição das vacinas por toda a África. Considero um grande desafio os cronogramas necessários, assim como a necessidade de instalações apropriadas, funcionando na escala devida e com qualidade relevante.

Mesmo os Estados Unidos tiveram que fechar centros de produção depois que centenas de milhares de doses foram arruinadas no processo. Então, os desafios são enormes. E não estou seguro quanto à capacidade do mundo de ampliar a produção dos imunizantes a toque de caixa. No médio a longo prazo, porém, espero que seja possível. E se for aplicável para além da covid-19, pode ser que faça uma diferença.

Quer dizer que a medida não teria efeitos nem mesmo neste ano?

Não sou especialista em produção de vacinas. Só sei que é um processo muito laborioso, que exige muitas coisas funcionando, inclusive pessoal capacitado e instalações apropriadas. E já estamos vendo que mesmo alguns dos fabricantes europeus e indianos, que possuem essas capacidades, estão entravados por os EUA limitarem a exportação de certos ingredientes.

Então, o desafio é global, é imensamente complicado. E não estou seguro quanto à capacidade de expandir mais ainda, para além do que já está sendo feito.

A África do Sul é uma das poucas nações africanas com capacidade de produzir vacinas – mas não necessariamente a partir do zero. É possível que o país vá priorizar a fabricação ao ponto de se tornar autossuficiente?

Sabe, na verdade se trata de um assunto complexo. Porque é um campo em que é difícil para as companhias investirem e terem lucro. No passado, tivemos carência de dezenas de milhões de doses de vacinas da gripe depois que uma das poucas fábricas apresentou contaminação. Ficamos sem vacinas da febre amarela quando os estoques se esgotaram, porq os poucos fabricantes internacionais não conseguirem intensificar suficientemente sua produção. Então, não é uma situação nova.

Se existe algum aspecto positivo da covid-19, talvez seja esse toque de despertar para a África investir na fabricação de imunizantes, também em tempos de paz – quer dizer, além da pandemia, quando é menos intenso o interesse público, inclusive o dos políticos. Agora vemos que é preciso cuidar, e que é importante ter a capacidade quando precisarmos dela. Mas não sabemos de antemão quando precisaremos.

Como virologista médico, eu recomendaria que se olhe um pouco além das perspectivas de curto prazo. Vamos criar uma capacidade que nos leve em segurança pelo futuro adentro. E, claro, isso também se aplica a coisas relativamente simples e baratas, como fazer máscaras e outros artigos de proteção. Nossa atual forma de proceder – buscando o fornecedor mais barato e centralizando fortemente a manufatura de muitos insumos importantes – não é muito robusta. E não é resistente diante de um distúrbio global como o que está causando a covid-19.