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Deputado federal mais votado do PP não apoia Bolsonaro

25 de outubro de 2022

Em entrevista à DW, delegado Bruno Lima, um policial influencer que fez fama resgatando animais submetidos a maus-tratos, critica a gestão do presidente na pandemia e seus ataques a ministros do Supremo.

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Bruno Lima sentado em mesa
Bruno Lima recebeu 461 mil votos neste ano, alta de 548% em relação a 2018, quando foi eleito deputado estadualFoto: Bruno Lupion/DW

O deputado federal mais votado do Progressistas (PP) neste ano, legenda do todo-poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira, é um delegado de São Paulo de 36 anos e com mais de dois milhões de seguidores no Instagram, que fez fama filmando e postando vídeos resgatando animais domésticos submetidos a maus-tratos, enquanto fala grosso e manda deter os acusados.

Nascido na zona norte da capital paulista, Bruno Lima foi escolhido por 461 mil eleitores, o que faz dele o sexto deputado federal mais votado da próxima legislatura e o primeiro de centro-direita, atrás de cinco nomes bolsonaristas do PL e do esquerdista Guilherme Boulos, do PSOL. Sua votação saltou 548% em relação a 2018, quando foi eleito para deputado estadual pela primeira vez, então no PSL.

Apesar do desempenho expressivo e de pertencer a um partido da coligação de Jair Bolsonaro com acesso privilegiado ao orçamento secreto, Lima não apoia a campanha à reeleição do presidente – ele não está pedindo votos para nenhum candidato ao Planalto no segundo turno e, quando questionado qual número digitará na urna no domingo (30/10), prefere não responder.

Bolsonaro, diz ele na entrevista a seguir à DW, cometeu um grande erro durante a pandemia ao questionar a efetividade das vacinas, o que custou a vida de muitas pessoas. Lima tem como referência política o ex-senador Major Olímpio, que era um aliado fiel de Bolsonaro, mas rompeu com o presidente em 2020 e morreu no ano seguinte após contrair covid-19.

Ele também reprova os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e a seus ministros. "A gente consegue resolver tudo através da democracia e do diálogo, e não atacando as instituições que estão previstas na nossa Constituição", diz.

A decisão de não apoiar Bolsonaro está ligada ao perfil heterogêneo de sua base. Se o cargo de delegado da Polícia Civil o aproxima de pautas à direita, a defesa dos animais atrai seguidores de todo o espectro. E sua plataforma dá prioridade ao combate à fome, à violência doméstica e ao racismo, além de ser a favor das cotas e do casamento homoafetivo, pautas tradicionalmente associadas à esquerda.

Lima fez de marca do seu mandato na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo uma campanha pelo endurecimento penal do crime de maus-tratos de animais, cujo símbolo é o desenho das mãos de um preso atrás das barras de uma cela. Mas diz que "o Bruno que começou na causa animal não é o mesmo de hoje" e que "não dá para achar que a lei penal vai resolver todos os problemas da sociedade". Agora, afirma, sua prioridade é a educação para "transformar as futuras gerações".

Ele também defende maior rigor na concessão dos registros de armas para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), que se tornaram, sob o governo Bolsonaro, um caminho fácil para obter armas e munições, inclusive submetralhadoras. E apoia uma revisão das regras sobre a instalação de câmeras em fardas de policiais militares em São Paulo, como sugerido por Tarcísio de Freitas, candidato do Republicanos ao Palácio dos Bandeirantes que disputa o segundo turno.

DW: O sr. foi o deputado federal mais votado do PP em todo o Brasil. A que atribui esse desempenho?

Bruno Lima: Conseguimos demonstrar no primeiro mandato uma política nova e qualificada, e não essa política nova que tem derrapado bastante. Às vezes o novo também acaba frustrando a juventude. Mostramos que, durante uma pandemia, conseguíamos ajudar, aprovar projeto e manter as atividades que eram o nosso foco, com relação aos animais e a situações de violência doméstica.

Que temas pretende priorizar em Brasília?

A bandeira principal é a causa animal, mas meu xodó é a educação. Tivemos um projeto que aumentou a pena do crime de maus-tratos, mas não adianta eu ficar prendendo [pessoas por maus-tratos] e salvando animal, é como enxugar gelo todos os dias. Você faz um, recebe mais mil casos.

Faço a parte do resgate e da responsabilização criminal, mas não dá para achar que a lei penal vai resolver todos os problemas da sociedade. O Bruno que começou na causa animal não é o mesmo de hoje. Tem que encarar por meio da educação. Se a gente colocar nas escolas a proteção animal e do meio ambiente, vamos transformar as futuras gerações.

Tenho outra pauta que é a fome. Aprovei um projeto que obriga o governo [estadual] a oferecer merenda nas férias escolares, e mandei recursos para Osasco para fortalecer o banco de alimentos. Não tem como falar que as pessoas não passam fome no Brasil. Quero levar [a Brasília] a estruturação do banco de alimentos. Muitos restaurantes não podem destinar os alimentos excedentes, ver aquele alimento sendo jogado no lixo.... Escolas têm que dispensar os alimentos. Quero tentar achar uma solução.

Violência doméstica também. Tive experiências tristes no plantão [como delegado]. A gente quer estruturar uma rede de apoio para a mulher. Eu plantonista no 13º DP, a mulher [chega] com seus filhos e não tem para onde mandar, e tem que retornar ao lar e conviver com o agressor. Não tem onde ficar até tentar achar uma solução para seu futuro.

Nas suas redes, o tema mais frequente são maus-tratos a cães. O sr. tem projetos também para o bem estar dos animais da indústria de proteína animal, como suínos e bovinos?

Isso também passa por mudança cultural, mas temos que aumentar a pena do crime de maus-tratos para os animais de grande porte. O deputado Fred Costa (Patriotas-MG) [autor do projeto que resultou na Lei 14.064/20, que aumentou as penas para maus-tratos] não conseguiu. Por conta de situações políticas, só aumentou a pena dos maus-tratos para cão e gato. Sei que vou tomar muita pressão, mas estaremos lá para isso.

Onde o sr. se posiciona no espectro esquerda/direita?

Não sei afirmar. Sou delegado de polícia, isso traz uma situação de direita, tem algumas pautas com as quais concordo que são de direita. Mas também tem muitas pautas de esquerda que eu, em Brasília, vou votar favorável. Sou a favor das cotas, do casamento homoafetivo. Acredito em uma questão de segurança pública voltada para a educação, para a cultura – não é uma questão simplesmente punitiva.

A bancada de policiais e militares crescerá 36% na próxima legislatura, e uma de suas principais pautas é a flexibilização do acesso a armas de fogo e munições, que já avançou no governo Bolsonaro. O sr. é a favor de flexibilizar o acesso a armas e munições?

Sou, desde que se preencham vários requisitos. Arma não é solução para tudo. Sei o tanto de tempo  que precisei fazer de treinamento, dentro de uma instituição, com professores sérios, para portar uma arma de fogo.

Bruno Lima sentado e falando
Bruno Lima em 2019, então no primeiro ano do mandato de deputado estadual e filiado ao PSLFoto: Jose Antonio Teixeira/Alesp

Na situação dos CACs, precisamos ter um acompanhamento rigoroso para ser aquilo que de fato está na lei: transportar [a arma] somente até o clube. O que acontece hoje é que isso é levado como se fosse porte. Tem que deixar mais rigorosa essa fiscalização. Não é pelo fato de ser CACs que você vira portador de uma arma de fogo.

Que mudanças propõe?

Tinha que ter um lapso temporal [para obter a licença]. Tenho amigos que, depois de alguns exames, em um mês já estavam com a arma. Tinha que ter um acompanhamento prévio, aulas de manuseio, e principalmente a questão psicológica, tem que analisar bem para quem vai dar uma arma de fogo.

As pessoas justificam: "Ah, se você quiser ferir, praticar homicídio, vai praticar de qualquer forma." Mas uma arma de fogo é uma coisa muito rápida, e às vezes, por causa de um impulso, você acaba praticando algum tipo de situação que não consegue voltar mais. Deveriam aumentar a fiscalização e as provas de capacitação.

É a favor de flexibilizar o porte de armas?

Acho bem complicado. As hipóteses legais já são bem rigorosas, tem que ficar dessa forma.

O sr. tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, é o que alguns chamam de policial influencer. Policiais devem ser autorizados a postar em redes sociais vídeos de suas operações ou dos símbolos da corporação?

Não, tudo tem um limite. Falo com o coração tranquilo, tem situações que fiz quando era delegado que não faria novamente hoje. Haverá uma tendência de uniformizar essa situação no cenário nacional, de entender qual é o limite. Não dá para mostrar o modus operandi de investigação, como a polícia trabalha, e expor para a população com uma finalidade x, y ou z. Tem que enaltecer a imagem da instituição, mas dentro do limite. As pessoas, por conta de busca dos likes, de compartilhamentos, perderam um pouco do senso do que é certo e do que errado. Vale tudo hoje pelo like. Tínhamos que ter um regramento.

Agora, até pela desvalorização da polícia, um dos poucos orgulhos que um policial tem é falar o que ele é, é demonstrar à população com o que ele trabalha. É válido uma foto, alguma coisa. Mas a gente consegue ver quando é uma situação forçada, algumas situações montadas.

Onde está esse limite?

Precisamos formar um grupo de estudos para tentar achar esse limite. Uma simples foto com o distintivo e com fardamento, dependendo da foto, não vai denegrir a imagem da instituição. Mas já vi pessoas fardadas dançando e fazendo TikTok, passa do limite. Filmar ocorrências do começo ao fim sou contra, porque estamos falando de pessoas investigadas, e às vezes tem pessoas inocentes no entorno que vão estar na rede social.

O sr. foi eleito deputado estadual em 2018 pelo PSL. Por que escolheu esse partido para a eleição passada?

Sou da zona norte de São Paulo e um deputado da minha região me convidou, o falecido [ex-senador] Major Olímpio. Eu era policial, tínhamos alguns amigos em comum, e ele falou "estou indo para o partido, e queria que você fosse junto". Foi por esse motivo.

[Major Olímpio era um aliado fiel de Bolsonaro quando elegeu-se senador em 2018, mas rompeu com o presidente em 2020 em meio às revelações do escândalo das rachadinhas. Ele morreu em março de 2021 após contrair covid-19].

Major Olímpio discursa
O ex-senador Major Olímpio, que convidou Lima para entrar no PSL em 2018, e mais tarde rompeu com Bolsonaro e morreu após contrair covid-19Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O PSL em 2018 era o partido de Jair Bolsonaro. Como avalia o governo do presidente?

Como qualquer outro governo, entre acertos e erros. Nunca falei aqui [na Alesp] de presidente, x, y ou z, até porque, dentro das minhas pautas, preciso entregar resultados. Talvez se tivesse ficado aqui dentro da Assembleia protegendo um e atacando outro, não teria conseguido, porque está bem dividido.

Citaria algum acerto ou erro?

Erro foi a pandemia, perdeu uma bela oportunidade de ter dado exemplo. Apesar das pessoas, principalmente mais à direita, falarem da vacinação, do livre arbítrio, a pandemia poderia ter sido encarada de outra forma diferente. Todo mundo perdeu amigo. Se tivesse conscientizado a população sobre a vacina, em um país que sempre foi muito eficiente em relação à vacinação, não teríamos perdido o tanto de vida que perdemos. Entre outros erros também, esse foi o principal.

Teve algum acerto?

A questão das políticas públicas econômicas, está andando bem. O Auxílio [Brasil] concedido, com finalidade eleitoreira ou não, também tem ajudado bastante algumas pessoas, e espero que continue.

Como avalia a forma como Bolsonaro se refere ao Supremo e a seus ministros?

Um grande erro. Como presidente da República, tem que dar o exemplo. Não é a forma democrática de encarar um problema. Xingamento, invasão, remessas à ditadura militar. A gente consegue resolver tudo através da democracia e do diálogo, e não atacando as instituições que estão previstas na nossa Constituição.

Por que escolheu o PP para se lançar deputado federal neste ano?

É um partido orgânico, que consegue transitar na questão municipal, estadual e nacional, dentro das ideologias políticas. E preciso entregar resultados. As pessoas me julgaram e me tacharam muito em 2018.

Eu [inicialmente] estava fechado com o PL [para a eleição deste ano], e fiquei sabendo que ia ter a migração do presidente [Bolsonaro] para o partido. Precisava mostrar para as pessoas que tenho o meu trabalho, que não fui eleito porque está com x, y ou z. Busquei um partido de centro onde consiga mostrar que de fato eu faço. E a resposta foi a que está nas urnas, tenho voto de todos os nichos.

Cientistas políticos avaliam que o resultado das urnas deste ano mostrou um deslocamento de força política da centro-direita para a extrema direita. Como avalia esse movimento?

Concordo [que isso aconteceu]. Tem bons quadros da direita que perderam a eleição por conta de tudo que envolve a [atual] discussão política, as questões de fake news. O público que se identifica com esse discurso [de extrema direita] nem parou para considerar outros. Eles têm um discurso bem incisivo, as pessoas se identificam e [pensam] "É o cara que tem mais seguidores, que mais fala grosso, então vou votar".

A consequência só vamos ver no ano que vem, mas vai ser complicado. Passei por isso aqui. Foi a legislatura da Assembleia com mais conflitos, e talvez a que teve menos entregas. Daí se consegue ter um cenário do que vai vir no ano que vem.

O PP é o partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, o operador mais relevante das emendas de relator, também chamadas de orçamento secreto. O sr. defende a manutenção desse mecanismo orçamentário na próxima legislatura?

Não tenho conhecimento de como isso é passado para os deputados, se é uma troca por apoio, se é para indicar o atual presidente como presidente novamente. Não vou falar que sou a favor do orçamento secreto. Mas te falo que preciso de recursos. Desde que seja de forma democrática e transparente – e vou demonstrar isso pela internet – sou favorável ao deputado indicar recursos, cada um com sua finalidade. Aqui em São Paulo tem cidade que nunca recebeu castração [de animais domésticos] e não consigo atingir os 645 municípios com as emendas impositivas que tenho. Mas tem que ter controle total, transparência, não pode servir de toma lá, dá cá.

Votará em quem para presidente no segundo turno?

Prefiro não me manifestar.

Está fazendo campanha para alguém no segundo turno?

Não. Recebi pouca cobrança de me posicionar, e ninguém me ajudou. Temos algumas pautas prioritárias, e em nenhum debate, seja para o governo [estadual] ou a nível federal, ninguém falou de causa animal, de meio ambiente incisivamente, de como a gente vai lutar contra o racismo, o que vai fazer contra a violência doméstica.

E para o governo de São Paulo, votou em quem no primeiro turno?

Votei no Rodrigo Garcia.

E no segundo turno?

Voto no Tarcísio [de Freitas, candidato do Republicanos apoiado por Bolsonaro].

O Tarcísio de Freitas prometeu que uma de suas primeiras medidas caso seja eleito seria retirar a câmara dos uniformes de policiais, pois segundo ele isso inibiria a atuação do policial [depois, disse que irá avaliar o tema]. As câmaras devem ser retiradas das fardas?

Filmar uma operação, acho legítimo, até para a defesa do próprio policial. Quem não está errando, não tem medo de ser gravado.

Agora, no dia a dia, no bate papo de policiais, sou contra. Já tive acesso a alguns absurdos cometidos, pessoas que tinham que ficar o tempo todo com a câmera e acabaram filmando até questões de intimidade.

Só limitaria a questão do liga desliga. Em operações que vão envolver possivelmente um confronto, para resguardar a integridade das pessoas e também dos policiais, sou favorável. Agora, num bate papo sou contra, só ligaria no momento da ação.

Nesse caso, se o policial estiver só fazendo uma ronda e for acionado ou notar algo acontecendo e decide agir, ele próprio teria que ligar a câmera?

Sim. Em uma abordagem, por exemplo. Sou favorável, isso ajuda o policial. Já teve situação em que eu pensei "queria tanto que tivesse uma filmagem". Agora, no bate papo, falando em algumas situações, sou contra.