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Câmara de gás "instalada" em sinagoga

Corinna Nohn (sv)14 de março de 2006

Arte ou mero espetáculo macabro? Afirmando que pretende evitar com que o Holocausto seja esquecido, o artista espanhol Santiago Sierra convida o visitante a entrar em uma sinagoga infestada por gases tóxicos.

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Visita só de posse de máscara de proteçãoFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

Não se pode ver nada. Nem sentir qualquer espécie de cheiro. Pelo menos enquanto o visitante está com a máscara de proteção. Mesmo assim, quem adentrar o ambiente, garante o mentor do projeto, irá "perceber o que é a certeza da morte individual". Afinal, a concentração de dióxido de carbono presente ali dentro é fatal. Os gases de escapamento de seis veículos acoplados a um sistema de controle cuidam para que a mistura permaneça constante.

À primeira vista, se poderia pensar que tal encenação envolvendo uma câmara de gás pudesse fazer parte de um novo espetáculo do reino de reality shows de mau gosto. No entanto, o cenário é a sinagoga de Pulheim-Stommeln, localizada nas proximidades de Colônia. E o projeto em questão é de autoria do artista plástico espanhol Santiago Sierra.

Provocar é a meta

Santiago Sierra
O artista espanhol Santiago SierraFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

Sierra é conhecido por ultrapassar as fronteiras do bom gosto nas provocações de suas encenações. Na maioria das vezes, o artista se apodera de problemas sociais, embora, em outros momentos, ria com sarcasmo do mainstream das artes plásticas. Sierra já paralisou com suas intervenções o tráfego na Cidade do México, por exemplo, onde vive, e murou o pavilhão espanhol na Bienal de Veneza. Permitindo a entrada, no caso, apenas aos que estivessem "de posse de um passaporte espanhol".

No último ano, outra ação de Serra provocou indignação na Alemanha, quando o artista encheu com lama um salão de um museu de Hannover. A intenção era, segundo Sierra, relembrar, com a limpeza da lama, as medidas tomadas para dar emprego à população na região nos anos 30. O problema é que Sierra acaba fazendo uso, ele próprio, dos inconvenientes que teoricamente ataca em suas obras.

Críticas de organizações judaicas

A obra intitulada 245m³ – uma referência ao vazio do espaço não utilizado que um dia abrigou uma sinagoga – desencadeou reações, principalmente da comunidade judaica na Alemanha. Stephan Kramer, secretário-geral do Conselho Central dos Judeus no país, chama o projeto de "um escândalo", enquanto o escritor judeu Ralph Giordano caracteriza a ação como "infame".

Segundo Kramer, a instalação fere a dignidade das vítimas do Holocausto e da comunidade judaica, não tendo "absolutamente mais nada a ver com a cultura da memória".

Kunstaktion Synagoge als Gaskammer
Escapamento de gás dentro da sinagogaFoto: Santiago Sierra

Angelika Schallenberg, diretora do departamento cultural da cidade de Pulheim, diz que a idéia inicial foi a da lembrança às vítimas do Holocausto. Desde 1991, a edificação da sinagoga abriga, a cada ano, o projeto de um artista plástico que procura tratar do passado e, através da obra exposta, estabelecer um diálogo com a opinião pública.

Novas formas de tratar do Holocausto

Os organizadores da mostra esclarecem que a intenção foi a de promover novas formas de abordar o passado, exatamente em um momento histórico no qual as testemunhas oculares dos crimes nazistas estão desaparecendo.

O próprio Santiago Sierra não compareceu à abertura da exposição e se recusa a fazer qualquer comentário que vá além de um curto esclarecimento escrito. Por um lado, para não tirar nem um mínimo de atenção do próprio projeto. E por outro, porque, segundo o artista, cada visitante deverá formar sua própria opinião sobre a instalação, tomando a decisão: "Entro ou não entro?".

Entrar na sinagoga não é tão fácil assim. A exposição, a princípio, deveria ficar aberta ao público até fins de abril, no entanto, com possibilidades de ser visitada somente aos domingos.

O visitante que chega tem, em primeiro lugar, que cruzar um portão com uma estrela de Davi. Somente depois de declarar que não sofre nem de doenças do sistema circulatório nem de males cardíacos, que não há risco de gravidez nem tendência a ataques de pânico, é que há possibilidades de adentrar o espaço. Homens com barba estão também excluídos a priori, pois, neste caso, a máscara de proteção não pode ser ajustada de forma adequada.

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Ação que leva à reflexão?

BDT Kunstaktion gegen die Banalisierung des Holocaust
Canos de escapamento: parte da obra 235m³, de Santigago SierraFoto: picture-alliance/ dpa- report

O Santiago Sierra e a quebra de tabu contribuem para um interesse de um público maior do que o que o espaço comporta. Segundo Schallenberg, no dia da inaguração (12/03), foram poucos os que conseguiram "ver" de perto a instalação 245m³. Mesmo que a nenhum visitante seja autorizado a permanecer mais de cinco minutos dentro da sinagoga, apenas o processo de colocação e ajuste da máscara já demora bastante.

Além disso, cada visitante só pode adentrar o espaço sozinho. Acompanhado apenas de dois bombeiros, treinados para intervir em caso de necessidade. O corpo de bombeiros local, no entanto, rejeitou executar a tarefa, que acabou sendo assumida por uma empresa privada de uma cidade vizinha.

Duvida-se que o visitante, depois disso, vá mesmo refletir sobre a história ou mesmo sentir o que viveram as vítimas do Holocausto em Auschwitz e em outros campos de concentração. O que de qualquer forma fica é o odor nas roupas e no cabelo de quem entra ali.

Protestos crescem

Kunstaktion Synagoge als Gaskammer
Motores de veículos soltam gases tóxicos: instalação de Santiago SierraFoto: Santiago Sierra

Os protestos, porém, cresceram rapidamente na Alemanha. Na última segunda-feira (13/03), um porta-voz da cidade de Pulheim declarou que o projeto pode vir a ser interrompido e que a antiga sinagoga poderá ficar fechada no próximo domingo (18/03), data agendada para a próxima intervenção. "Queremos ganhar tempo para dialogar", afirmou.

Santiago Sierra deverá vir até a Alemanha para se defender pessoalmente das críticas perante o Conselho Central dos Judeus, a comunidade judaica de Colônia e o escritor Ralph Giordano. "Sierra parte do princípio de que poderá convencer os críticos da relevância de seu projeto", explica o porta-voz da prefeitura de Pulheim.