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'Estupros são instrumentalizados no Iraque'

Andreas Ziemons (av)27 de fevereiro de 2007

Duas iraquianas revelaram publicamente terem sido violentadas por policiais. Ruth Jüttner, especialista em Oriente Médio da Anistia Internacional, fala sobre a difícil situação das vítimas de crimes sexuais no Iraque.

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Mulheres sofrem desvantagem no mundo árabeFoto: AP

DW-WORLD: De acordo com seus conhecimentos, com que freqüência ocorrem estupros ou agressões sexuais a mulheres iraquianas por parte das forças de segurança do Iraque?

Ruth Jüttner: Não existe qualquer estatística sobre quantas mulheres são atacadas sexualmente na prisão. Isso se deve, sobretudo, ao fato de elas não falarem sobre estes ataques, pois sexualidade, crimes sexuais e estupros são um grande tabu, não apenas no Iraque, como em todas as sociedades árabes. Nos casos divulgados, eram geralmente os familiares, e não as vítimas, que falavam sobre o delito.

Na última segunda-feira (19/02), duas iraquianas chegaram a falar na televisão sobre a violação que sofreram. Que riscos elas correm, tomando essa iniciativa?

Essas duas mulheres são, com certeza, uma grande exceção. Mulheres que falam sobre o assunto devem temer se tornar vítimas pela segunda vez. Freqüentemente elas passam a ser desprezadas dentro da sociedade, na vizinhança, ou mesmo na própria família. São estigmatizadas e consideradas como alguém que perdeu a honra, e junto com ela, a honra de toda a família. O fato de elas mesmas haverem sido vítimas passa a não ter muita significação, pois a família é que, por assim dizer, foi degradada pelo fato de a mulher ter sofrido estupro.

Quais são as conseqüências concretas para as mulheres dentro da família?

É difícil dizer quais são as conseqüências pois, via de regra, as mulheres não falam sobre o assunto. Se o fazem, sua situação social se torna muito difícil. As solteiras arriscam jamais conseguir casar-se. Para as casadas, podem vir dificuldades conjugais. Não sabemos se elas são vítimas de reais atos de violência, pois quase nunca se noticia a respeito.

Como é a situação feminina no Iraque, no tocante à segurança diante de crimes sexuais?

Com freqüência se noticia, de forma geral, que mulheres são detidas por suspeita de contatos com rebeldes. Recebemos relatos de mulheres que foram ameaçadas de estupro na prisão. Deve-se partir do princípio de que para as prisioneiras o perigo de agressão sexual é grande. Cremos também que realmente ocorram estupros, mas não se fala a respeito e os agressores saem impunes em quase todos os casos.

Como são seus contatos no Iraque? Onde a senhora consegue essas informações?

Ruth Jüttner Amnesty International
Ruth Jüttner, especialista em Oriente Médio da Anistia InternacionalFoto: Amnesty International

Examinamos tudo o que se noticia sobre o Iraque. Devido à situação de segurança, no momento não realizamos investigações in loco. Temos contato com organizações ainda ativas no Iraque. Fazemos viagens de pesquisa aos países vizinhos e lá encontramos iraquianos que nos informam sobre a situação em seu país. E mantemos contato com advogados e ativistas iraquianos, que relatam sobre os incidentes de que têm conhecimento.

Qual é a sua posição quanto às acusações de políticos xiitas de que a primeira mulher a falar das violações na TV haveria sido coagida a mentir por grupos sunitas, a fim de dar-lhes um pretexto para ações de represália?

O maior problema na investigação de violações dos direitos humanos no Iraque é que eles são instrumentalizados politicamente e utilizados para fins de propaganda. É o que se vê bem claramente no caso dessa mulher. Ambos os lados foram bem rápidos com seus prejulgamentos em público. O primeiro-ministro Al Maliki logo argumentou que as acusações eram sem base. Por outro lado, políticos sunitas sustentaram as afirmativas da mulher. Não se notou qualquer esforço de realizar uma investigação independente e de então apresentar seus resultados. A questão não é mais o crime ou a violação dos direitos humanos a ser esclarecida. Casos espetaculares como este são utilizados para desacreditar o outro lado. As vítimas ficam pelo meio do caminho. No processo de lidar com a agressão, elas foram vitimadas uma segunda vez. Além disso, é minada a confiança da população iraquiana nas investigações e na Justiça.

A senhora acha, apesar de tudo, positivo as duas iraquianas haverem se pronunciado publicamente sobre os estupros?

É naturalmente importante que as vítimas também tornem públicos tais crimes. Porém teria sido importante investigá-los de forma responsável, a fim de determinar quem são os culpados. Ou com o fim de chegar a um resultado que convença a todas as partes envolvidas. Aqui, esta chance não foi aproveitada. Têm-se a impressão de que o caso levará a uma nova escalada dos conflitos.

A senhora crê que agora as iraquianas estejam mais receosas de seguir o exemplo das duas mulheres?

Receio que sim. As mulheres estão, de qualquer modo, numa situação muito desvantajosa e, de antemão, devem saber que não contarão com muita compreensão, ao denunciar em público a agressão sexual. Devem saber que as pessoas não acreditarão nelas, que serão repudiadas. Tudo isso certamente resultará em que, no futuro, as mulheres iraquianas vítimas de estupro temam ir a público com o caso.