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Criação de exército próprio kosovar traz tensões aos Bálcãs

14 de dezembro de 2018

Com apoio dos EUA, Parlamento em Pristina aprova criação de um exército regular, apesar da forte oposição da Sérvia. Medida aumenta ainda mais tensões com Belgrado. Moscou fala de consequências graves para a região.

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Presidente kosovar, Hashim Thaçi (c.), inspeciona tropas da Força de Segurança do Kosovo
Presidente kosovar, Hashim Thaçi (c.), inspeciona tropas da Força de Segurança do KosovoFoto: picture-alliance/AP Photo/V. Kryeziu

O Parlamento do Kosovo aprovou nesta sexta-feira (14/12) por unanimidade a criação de um exército próprio, numa decisão criticada pela maioria dos países europeus, e que aumenta as tensões com a minoria sérvia no país, como também com a República da Sérvia.

"O Parlamento do Kosovo adotou a lei sobre a força de segurança do Kosovo! Felicitações!", disse o presidente do órgão legislativo perante os deputados presentes. Os parlamentares da minoria sérvia boicotaram a sessão.

A ex-província sérvia separou-se de Belgrado durante a Guerra do Kosovo em 1998-1999, tendo declarado unilateralmente sua independência em 2008. A Sérvia e a Rússia são dois dos países que ainda não reconheceram o Kosovo como nação. A integridade e segurança kosovar são asseguradas desde 1999 por uma força internacional de 4 mil homens liderada pela Otan (Kosovo Force, KFOR).

Os 120 deputados do Parlamento de Pristina foram chamados a se pronunciar sobre três projetos de lei que transformam as Forças de Segurança do Kosovo (FSK) num exército regular. Também foi aprovada a criação do Ministério da Defesa.

Bislim Zyrapi, conselheiro de segurança nacional do presidente do Kosovo, Hashim Thaçi, afirmou que o futuro exército deverá ser formado por 5 mil soldados e 2,5 mil reservistas, com um custo avaliado em 100 milhões de euros. O primeiro-ministro Ramush Haradinaj sublinhou que a força vai "ajudar à paz e estabilidade no mundo", com a vocação de "apoiar a Otan e as Nações Unidas" em suas missões internacionais.

Os responsáveis kosovares também já informaram o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, sobre esta decisão "definitiva", apesar das pressões em sentido contrário emitidas pela União Europeia e pela própria Aliança Atlântica.

Apenas dois países aliados declararam apoio ao novo exército: Estados Unidos e Reino Unido. Stoltenberg reagiu de forma cautelosa à iniciativa dos aliados kosovares e alertou para os riscos de desestabilização da região.

Na quinta-feira, após conversações com o chefe da missão da ONU no Kosovo, o presidente sérvio, Aleksandar Vucic, disse considerar a decisão de Pristina "uma nova medida unilateral e provocadora", que aumenta suas preocupações com o futuro dos sérvios na antiga província – cerca de 120 mil de quase 2 milhões de habitantes.

Na ocasião, Vucic afirmou que a Sérvia faria "o melhor possível para preservar a paz e estabilidade", mas avisou que a situação poderia "agravar-se consideravelmente", caso o Kosovo adotasse a decisão. A Sérvia alega que o principal objetivo do novo exército consiste em promover uma "limpeza étnica" no norte do país, onde se concentra a maioria da população sérvia kosovar. O presidente Thaçi, um dos mentores da nova força militar, rechaça terminantemente essa afirmativa.

A iniciativa acompanha um aumento das tensões entre Pristina e Belgrado. Desde novembro, o governo kosovar passou a cobrar uma taxa de 100% sobre os produtos importados da Sérvia, em reação ao Kosovo não ter sido aceito na Interpol por pressão de Belgrado.

As relações entre os dois países voltaram a atingir um ponto crítico após o fracasso das conversações sobre trocas de territórios, entre os presidentes Vucic e Thaçi, e o bloqueio do diálogo sobre a "normalização" das relações, que tem decorrido em Bruxelas sob a égide da União Europeia (UE).

A ideia básica é que a maior parte das áreas habitadas por sérvios no norte de Kosovo deve voltar para a Sérvia, enquanto a maioria das áreas povoadas por albaneses no sul da Sérvia deve ir para o Kosovo.

Oficialmente, porém, ninguém fala mais sobre o assunto, desde que o presidente sérvio deixou furioso uma reunião em meados do ano em Bruxelas. Falando para a população de origem sérvia poucos dias mais tarde no norte do Kosovo, Aleksandar Vucic afirmou: o Kosovo é a Sérvia. Ou seja, nada de concessões.

No Kosovo, o presidente Thaçi enfrentou a resistência em suas próprias fileiras contra os planos de partilha. O primeiro-ministro Ramush Haradinaj, antigo companheiro de Thaçi na guerra do Kosovo, mobilizou a política e o público contra as trocas territoriais.

No entanto, apesar das numerosas advertências de políticos europeus, especialmente da Alemanha, para que não se tracem fronteiras étnicas, o assunto ainda não foi esquecido e consta que Vucic e Thaçi continuam a negociar.

Enquanto isso está diminuindo sensivelmente a influência da UE, que durante anos moderou o diálogo entre os dois países: para os países dos Bálcãs, simplesmente não há nenhum incentivo atraente. Ninguém em Bruxelas quer mais falar sobre uma data para a perspectiva de adesão da Sérvia, vagamente cogitada para 2025 no início do ano.

E mesmo no Kosovo, que até hoje não foi reconhecido como Estado independente por cinco membros da UE, a antiga euforia face ao bloco europeu desapareceu, depois que a liberalização de vistos foi novamente adiada, mesmo que o país tenha cumprido todas as condições. E assim a população kosovar permanece a única na região que ainda não pode viajar livremente "para a Europa".

A decepção dos cidadãos do Kosovo é enorme. É difícil encontrar um que não tenha parentes próximos na Alemanha ou em outros países da UE. O país inteiro vive de um lado para outro entre os mundos. A única saída: um passaporte com liberdade de circulação. E esse é o caso do vizinho do sul, a Albânia.

O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, ofereceu abertamente passaportes albaneses aos kosovares, caso a UE recusasse novamente a liberalização de vistos. Agora chegou a hora: a oferta pode se tornar uma realidade. Outra coisa que a Albânia oferece ao vizinho do norte são laços econômicos. Essa aliança com a Albânia significa uma nova dinâmica na região: o Kosovo é agora não só politicamente, mas também economicamente quase independente da Sérvia. Os perdedores são os sérvios kosovares do norte, que agora estão isolados da Sérvia, mas rejeitam a integração nas estruturas kosovares. E assim se aprofunda a fronteira étnica no Kosovo.

Não se pode descartar de forma alguma a ideia de que os desdobramentos das últimas semanas possam conduzir a uma divisão de fato do Kosovo em médio prazo. E, no longo prazo, a uma confederação de fato do restante do Kosovo com a Albânia. Analistas e políticos da região já consideram esse cenário.

Para os sérvios, essa é uma ideia traumática. O Kosovo tem pouca importância econômica para a Sérvia, mas abriga uma região que se encontra no coração histórico da Sérvia e está firmemente ancorada na memória coletiva dos sérvios.

Apesar de a Sérvia ter ameaçado o Kosovo de guerra, caso Pristina viesse a aprovar a criação de um exército próprio, é improvável que venha a acontecer uma grande escalada militar, já que o Kosovo está sob a proteção direta dos EUA, que mantêm no país balcânico Camp Bondsteel, uma de suas maiores bases militares extraterritoriais.

Diferentemente de outros representantes da Otan, o novo embaixador americano no Kosovo, Philip Kosnett, comentou positivamente a criação de um exército kosovar. O tom de Moscou, no entanto, foi bastante alarmante: a proclamação poderia "levar às mais graves consequências, não apenas para a população sérvia na região, mas também para a segurança dos Bálcãs como um todo".

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Adelheid Feilcke
Adelheid Feilcke Chefe do Departamento Europa da DW