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FutebolCatar

Copa do Catar: a aberração movida por ganância e sofrimento

Gerd Wenzel
Gerd Wenzel
30 de março de 2021

Eliminatórias europeias para o Mundial de 2022 começaram com protestos de várias seleções. Construção de estádios no país é marcada por violações de direitos humanos e mortes de trabalhadores.

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Jogadores da seleção alemã com camisetas pintadas com a inscrição Human Rights
Jogadores da seleção alemã protestam em jogo das eliminatórias para a Copa do Catar Foto: Markus Gilliar/GES/picture alliance

Finalmente começaram as eliminatórias europeias para a Copa do Catar em 2022, e tiveram início com protestos. Antes da partida com a Islândia, os jogadores da seleção alemã pintaram de próprio punho suas camisetas com letras grandes. Ao posaram lado a lado para as fotos, foi possível ler Human Rights, em alusão às perenes violações dos mais elementares direitos humanos praticados pela monarquia absolutista que reina no Catar.

No dia anterior, os atletas da seleção norueguesa aproveitaram sua estreia contra Gibraltar para se manifestar. Enquanto eram executados os respectivos hinos nacionais, usaram camisas onde estava estampada a frase "Direitos humanos – dentro e fora de campo".

Jogadores da Dinamarca e Holanda seguiram o exemplo dos seus colegas e em suas camisetas para as fotos oficiais lançaram o lema "Football Supports Change", intercedendo por mudanças nas condições desumanas dos trabalhadores estrangeiros no Catar. A Federação Dinamarquesa de Futebol apoiou a ação dos jogadores e seu diretor Jacob Jensen afirmou: "Devemos exercer forte pressão sobre o regime do Catar, especialmente no que diz respeito à situação de milhares de operários vindos principalmente da Ásia e que vivem muitas vezes em condições precárias".

Impossível esquecer que os processos de escolha do Catar para sediar a Copa de 2022, assim como a da Rússia para 2018, estão cercados de suspeitas. A hipótese de que muitas mãos de delegados da Fifa teriam sido molhadas não foi confirmada, mas tampouco nunca totalmente descartada.           

Fato é que o regime do Catar, através do esporte, se faz presente no mundo inteiro e despende bilhões de dólares para sediar grandes eventos esportivos como as Copas do Mundo de handebol, futebol e, mais recentemente, de clubes. Sem esquecer que o Emirado tem ligações íntimas com grandes clubes do futebol europeu como Paris Saint-Germain e Bayern de Munique.

No caso do clube bávaro, o Catar é um dos seus principais patrocinadores, seja através da empresa estatal que administrava o Aeroporto Hamad Internacional de Doha até 2018, seja através da Qatar Airways desde então. É dinheiro que não acaba mais. Estima-se que o patrocínio da companhia aérea dos Emirados esteja rendendo 15 milhões de euros por ano aos cofres do Bayern.

As ligações financeiras do Bayern com o regime ditatorial do Emirado constantemente são alvos de críticas por causa da deletéria situação dos direitos humanos no país. O clube costuma dar de ombros a essas críticas ou desconversa, como fez recentemente seu diretor executivo Karl-Heinz Rummenigge: "Nos muitos contatos pessoais que temos em Doha, deixamos claro nossa posição sobre assuntos polêmicos locais e pudemos obter algumas melhorias". 

Franz Beckenbauer, ícone do futebol alemão e presidente de honra do Bayern de Munique, quando indagado sobre a situação dos trabalhadores durante sua visita ao Catar chegou a declarar ironicamente: "Não vi um único escravo no país".

Enquanto Fifa, PSG e Bayern têm o Emirado como um dos seus principais patrocinadores e usufruem de incomensuráveis valores em dinheiro vivo, o jornal inglês The Guardian informa que 6,5 mil trabalhadores e trabalhadoras morreram por insalubres condições de trabalho durante a construção dos luxuosos estádios movidos a ar-condicionado que servirão de palco para a Copa de 2022.

Mulheres e homens vindos do Nepal, da Índia, de Bangladesh emigraram rumo ao Catar em busca de trabalho e com a esperança de proporcionar às suas famílias, que ficaram para trás, melhores condições de vida. Dos aproximadamente 20 mil operários estrangeiros da construção civil, mais de um terço encontrou a morte de acordo com dados da Anistia Internacional.

Não é de estranhar, portanto, que a opinião pública alemã não está dando a mínima para a Copa, pelo contrário. Em pesquisa promovida pelo Spiegel, 83% não concordam com a realização do torneio no Emirado e 68% entendem que a Alemanha deveria boicotar a competição. E pior: 65% informam que não vão nem assistir os jogos pela TV. Enquete feita em fins de março do ano em curso.

Ainda falta algum tempo para o pontapé inicial da Copa de 2022 e, claro, até lá poderá haver uma mudança na opinião pública alemã, especialmente se a Mannschaft  for bem nas eliminatórias e se a pandemia, que atualmente assola o país, finalmente estiver sob controle.

Caso contrário, haverá o risco de algo inimaginável até pouco tempo atrás: uma Copa do Mundo de Futebol ser percebida como algo indesejável e pela qual apenas uma pequena minoria se interessa.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças.

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Halbzeit

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.