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Conflitos étnicos e religiosos ameaçam desgastar democracia indiana

Anwar Ashraf (ca)14 de agosto de 2013

No 66° aniversário de sua independência, país que se diz a "maior democracia do mundo" vê crescimento da tensão entre etnias e religiões gerarem clima de insegurança e abalarem unidade nacional.

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Foto: Reuters

Quando, em maio passado, um atentado matou 27 políticos do mesmo partido, a Índia ficou perplexa. O ataque, perpetrado por rebeldes maoístas, aconteceu em Chhattisgarh, mesmo estado onde, dois anos antes, 70 policiais morreram num massacre meticulosamente planejado também por maoístas.

Os políticos, todos do governista Partido do Congresso, foram assassinados enquanto estavam a caminho de casa após um comício e apesar de estarem sob vigilância de um forte aparato policial. Os maoístas representam hoje, como admite o próprio primeiro-ministro Manmohan Singh, o maior desafio de segurança interna para a Índia.

Os radicais estão presentes em nove estados, mas atuam com maior frequência em Chhattisgarh, na região central do país, em Jharkhand e Bengala Ocidental, ambas no oeste, e em Andhra Pradesh, no sul. Segundo o governo, os maoístas contabilizam 20 mil combatentes armados e 50 mil apoiadores dispostos à violência.

Estimativas de organizações não governamentais apontam que mais de 10 mil pessoas já morreram vítimas de atentados terroristas por parte de maoístas, que, há mais de 40 anos, afirmam lutar por mais justiça para os marginalizados. Eles se dizem defensores das populações nativas indianas e dos chamados "intocáveis", que estão abaixo do sistema de castas indiano.

Os maoístas são especialmente ativos nas regiões menos desenvolvidas, que até agora pouco se beneficiaram do crescimento da econômica emergente. Por esse motivo, eles gozam de grande simpatia entre parte da população indiana.

"Muitas decisões tomadas no mais alto nível não fazem nenhum sentido para as pessoas", afirma o sociólogo Yogendra Yadav, que se diz preocupado que as pessoas na Índia não se sintam levadas a sério pelos políticos. "Eles acham que ninguém entende o verdadeiro sofrimento deles."

Indien Maoisten Angriff auf Anhängern der Kongress Partei Verletzte
Da dir. para esq.: Sonia Gandhi, viúva de Rajiv Gandhi, e premiê Manmohan Singh visitam vítimas de atentado a políticos em ChhattisgarhFoto: Reuters

Apesar de suas muitas megacidades, a Índia ainda tem dois terços da população no campo. A maioria é composta por agricultores, que vivem de uma atividade econômica pouco rentável.

Terrorismo e separatismo

Para Yogendra Yadav, os políticos indianos têm uma parcela de culpa no fato de atentados e tumultos continuarem a se repetir na Índia. O segundo país mais populoso da Terra é um misto de culturas, etnias e religiões. E isso é utilizado por partidos, principalmente no contexto eleitoral, para mobilizar determinados grupos populacionais.

Em julho passado, por exemplo, declarações do secretário-geral do Partido do Congresso, Shakeel Ahmad, provocaram alvoroço. Ele afirmou que os confrontos entre hindus e muçulmanos no estado de Gujarat, em 2002, teriam provocado o fortalecimento do grupo terrorista Mujahedin Indiano. Com essa afirmação, Ahmad queria, principalmente, ganhar a simpatia dos muçulmanos do país.

Em fevereiro de 2002, extremistas muçulmanos atacaram um trem com peregrinos hindus e 58 pessoas morreram. Estima-se que 2 mil pessoas tenham sido mortas em subsequentes atos de vingança, a maioria muçulmana. Em 2007, ouviu-se falar pela primeira vez do grupo terrorista Mujahedin Indiano e, desde então, o grupo já realizou dez atentados em destinos turísticos e religiosos. Não há informação confiável sobre a capacidade de ação do grupo.

O Partido do Congresso convocou Ahmad e deixou claro que não iria tolerar declarações que sugerissem simpatia com grupos terroristas – indepentemente de os ataques serem de motivação religiosa ou étnica, como no caso de estados do nordeste do país, onde há movimentos separatistas.

Isso fica claro em estados como Assam, Manipur e Nagaland. Ali, diferentes etnias sentem-se desprivilegiadas. A acusação delas contra o governo seria de que os políticos estariam mais interessados nas matérias-primas da região do que no bem-estar da população.

Corrupção e burocracia

Corrupção e burocracia estão entre os males que minam a fé da população na democracia indiana. Já na década de 1980, o então primeiro-ministro Rajiv Gandhi afirmava que somente um décimo de cada rúpia empregada pelo governo no desenvolvimento do país chegava realmente ao campo. Nos últimos grandes escândalos de corrupção, que envolveram os Jogos da Commonwealth de 2010, a distribuição de licenças de telefonia celular ou a exploração de minas de carvão, até mesmo ministros foram implicados.

Indien Proteste Maoisten Attentat
População presta homenagem a vítimas do atentado em Chhattisgarh, no início de 2013Foto: NARINDER NANU/AFP/Getty Images

"O problema é que a corrupção está profundamente enraizada na mente das pessoas. Elas acreditam que, sem o pagamento de propina, nada acontece e elas não poderão conseguir nada", disse à Deutsche Welle o ex-secretário de Estado do Ministério do Interior Madhukar Gupta.

Como a corrupção é tão generalizada, a população apoia maciçamente o ativista de direitos humanos Anna Hazare. Com protestos de massa, ele exigiu mais transparência do governo em 2011.

Gupta critica a inércia do sistema, que freia reformas urgentemente necessárias devido ao excesso de burocracia. E os dois grandes partidos, o Partido do Congresso e o opositor BJP, seriam dependentes de coligações com legendas menores, diz o ex-político, que, apesar disso, é cautelosamente otimista.

"Hoje, no cenário político indiano, todos os políticos tentam de alguma forma manter suas posições. Levando isso em consideração, eu acredito, no entanto, que boas ideias e decisões ainda podem ser implantadas também com esse sistema", afirma.

Gupta também não tem receita de como se fortalece um sistema. Segundo ele, o importante é, sobretudo, que cada vez mais pessoas tenham acesso à educação e ao desenvolvimento tecnológico também nos vilarejos mais distantes, onde nem sempre há eletricidade ou água corrente.

Indien Korruption Aktivist Anna Hazare in Neu Delhi
Ativista Anna Hazare durante protesto em Nova DéliFoto: dapd

"Essa mudança tecnológica deverá levar a mais transparência, a uma reação mais rápida do sistema. As decisões poderão então ser implantadas mais rapidamente", completa.

Na opinião de Yogendra Yadav, no entanto, para se chegar até esse ponto, o caminho ainda é muito longo: "Para introduzir uma alternativa política, para mudar as regras do processo político, é preciso primeiro cooptar com o jogo e ganhar as eleições. Isso soa como uma contradição. Mas esse é o desafio que se tem quando se quer criar outro tipo de política."