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"Concessão de parques no Brasil deve buscar equilíbrio"

11 de dezembro de 2019

Para especialista, administração privada melhoraria infraestrutura e potencial turístico de parques como Jericoacoara e Lençóis, mas há riscos na iniciativa do governo Bolsonaro, como ignorar comunidade local.

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Jericoacoara: um decreto de Bolsonaro autoriza a concessão do parque no Ceará
Jericoacoara: um decreto de Bolsonaro autoriza a concessão do parque no CearáFoto: DW/B. Kopsch

O Brasil tem 73 parques nacionais, dos quais 32 estão abertos à visitação de turistas. A infraestrutura da maioria deles, como centro de informações, trilhas e banheiros, é hoje administrada pelo poder público. Mas, se depender do governo, o número de parcerias com a iniciativa privada vai aumentar.

Os dois parques mais visitados no país, o da Tijuca, no Rio de Janeiro, e o do Iguaçu, no Paraná, já são hoje geridos em parceria com empresas, que cobram ingressos e oferecem serviços. No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto autorizando também a concessão dos parques de Jericoacoara, no Ceará, e dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão, e a realização de uma nova concessão para o parque do Iguaçu, cujo contrato atual vence em 2020.

Ao contrário do clima de confronto entre entidades da sociedade civil e o governo Bolsonaro em outros temas ambientais, neste caso predomina a convergência. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão público responsável pelos parques, já vinha tentando ampliar as parcerias com a iniciativa privada para a gestão da infraestrutura e de serviços nesses locais pelo menos desde 2012, no governo Dilma Rousseff.

O decreto recém-publicado inclui a concessão dos três parques na lista de projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), um órgão vinculado à Presidência da República encarregado de fazer andar projetos de desestatização, e autoriza a contratação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estruturar a concessão.

Em entrevista, Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, que busca apoiar a gestão de parques nacionais, afirma à DW Brasil que o sucesso dessa iniciativa dependerá de como o governo Bolsonaro conduzirá o processo, que pode levar ainda até dois anos para a assinatura dos contratos.

Ele diz que a concessão deve melhorar a infraestrutura disponível e aumentar o potencial econômico do turismo, mas aponta dois potencias riscos. O primeiro é a elaboração dos editais ficar concentrada nas mãos do BNDES e do PPI, sem dar muita atenção ao ICMBio, que tem mais experiência sobre os parques, e sem ouvir as comunidades afetadas.

Outro risco, afirma, é o governo optar pela concessão fechada de todos os serviços em um parque para uma mesma empresa, desconsiderando atividades já prestadas pela comunidade local, como o caso do bugueiros que transportam turistas em Jericoacoara.

"É preciso um equilíbrio sobre o que concentrar no contrato de concessão e o que dividir com as comunidades, para que de fato você tenha um jogo de ganha-ganha”, diz.

No futuro, o governo pretende também conceder os parques da Chapada dos Guimarães (MT), Aparados da Serra, Serra Geral e de Canela (RS), Serra do Bodoquena (MS), do Caparaó (MG e ES) e Serra da Canastra (MG).

DW Brasil: Qual a sua avaliação sobre o decreto que autoriza a concessão dos parques de Jericoacoara, Lençóis Maranhenses e Iguaçu?

Fernando Pieroni: A entrada do BNDES e do PPI é boa para o programa. É importante trazer a experiência de outros órgãos do governo em projetos dessa natureza para apoiar tecnicamente o ICMBio, que entende da realidade dos parques e da comunidade do entorno, mas não é a entidade mais vocacionada para pensar concessões. O BNDES é um órgão técnico que trabalha em programas de concessão, e o PPI age como se fosse um despachante interno do governo, seleciona os melhores projetos e ajuda no diálogo.

Projetos desse tipo demoram cerca de dois anos, do início da modelagem até assinar o contrato de concessão. Hoje ainda não há decisões tomadas nem a política pública desenhada.

Quais são os riscos envolvidos?

É importante que haja uma governança clara entre essas três entidades. O que não pode acontecer, por exemplo, é a estruturação ficar concentrada só no BNDES e perder a perspectiva que o ICMBio tem sobre os parques e a realidade do entorno.

Além disso, o erro mais comum em processos de concessão é o governo fazer um projeto sem diálogo, e depois de um ano o edital cai como um tijolo para a sociedade avaliar. Aí há uma série de conflitos. É fundamental que o governo já comece o diálogo com a comunidade, com os investidores e com os órgãos de controle.

A concessão pode trazer algum prejuízo às comunidades locais?

Um risco é fazer um contrato em que todos os serviços sejam prestados pelo concessionário, desconsiderando o que já existe lá hoje, como se fosse algo imposto. Isso seria um equívoco. Pela interação que tenho com o ICMBio, acho que eles são bastante sensíveis a esse ponto. Mas seria futurologia dizer como será.

Por exemplo, os bugueiros em Jericoacoara?

Isso. Seria escolher o concessionário e falar que a partir de agora só ele poderá oferecer transporte de buggy dentro do parque. Já tem pessoas que vivem daquilo, e você tiraria da mão delas para colocar na do concessionário. Assim a concessão não se torna uma alavanca de desenvolvimento, mas um competidor para o desenvolvimento local.

É preciso um equilíbrio sobre o que concentrar no contrato de concessão e o que dividir com as comunidades, para que de fato você tenha um jogo de ganha-ganha e um indutor do desenvolvimento.

E qual pode ser o impacto positivo das concessões para as comunidades?

Você valoriza o parque. Haverá um melhor ordenamento turístico, e isso gera demanda por serviços que a comunidade presta. Hoje Jericoacoara tem cerca de um milhão de visitantes [por ano], se amanhã você tiver dois milhões, terá mais bugueiros, mais guias sendo contratados, mais restaurantes, pousadas.

E se você tiver no contrato de concessão políticas públicas de resgate de manifestações culturais, artesanato, você dá mais visibilidade a alguns produtos ou atividades econômicas locais, que acabam gerando mais renda.

O ICMBio já vinha propondo a concessão de parques?

Sim, em 2012 eles propuseram um primeiro projeto nos parques de Jericoacoara, Sete Cidades [PI] e Serra das Confusões [PI]. Tentaram fazer uma parceria pública-privada, modalidade em que o poder público entra com um pagamento para o concessionário pelo fato de a conta indicar que o projeto não é viável economicamente. Por causa das eleições e questões políticas, engavetaram.

Depois [em 2017], o ICMBio abriu um PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse] para o mercado entregar estudos para balizar a concessão de serviços nos parques. Esse processo não sai do zero, é uma tentativa que vem ocorrendo nos últimos sete anos.

É melhor conceder toda a infraestrutura e os serviços de um parque a uma mesma empresa ou dividir e conceder para empresas distintas?

Os parques são bastantes diferentes e não existe uma fórmula única. Se você segmenta demais, perde uma coordenação entre os contratos. Quem irá investir em um restaurante no parque se não tiver garantia de que haverá lá um centro de visitantes e uma bilheteria bacana? Mas se você levar isso ao outro extremo, concentrando na mão de um concessionário tudo que pode ser feito no parque, desde a infraestrutura até os serviços, você cria um grande monopolista que acaba abafando as atividades e iniciativas do entorno. Tem que se chegar num caminho do meio.

Defendo que cuidar da infraestrutura e do ordenamento turístico, por exemplo [criar] uma tirolesa, um arvorismo, um centro de visitantes, trilha e restaurante, se concentrar na mão do concessionário você tem uma coordenação melhor para o desenvolvimento do parque. Mas aqueles serviços que diariamente saem da comunidade, são prestados dentro do parque e no final do dia voltam para a comunidade, como visitas guiadas, jipeiros, passeio a cavalo, grupo de alpinistas, avistamento de animais, é importante ter meios para a comunidade prestá-los. São serviços que lançam mão de um parque bem cuidado, mas que não pertencem ao parque.

Dessa forma a comunidade vai torcer para o concessionário dar certo, porque isso promove o parque e atrai mais turistas. E vai interessar ao concessionário ter, por exemplo, jipeiros mais qualificados e serviços com melhor nível, pois isso também beneficia os turistas e o parque.

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