Como lidar com o problema dos cachorros de rua
28 de abril de 2024A população canina mundial ultrapassa os 700 milhões, sendo que 75% deles estão nas ruas, ou seja, escapam à supervisão humana, segundo a Organização Mundial de Saúde Animal. Entre os principais problemas relacionados ao abandono desses animais nas ruas estão a reprodução descontrolada, o ataque às pessoas e à fauna nativa e a transmissão de doenças. Quase 99% dos casos de raiva em humanos são transmitidos por mordidas de cães, e os cachorros de rua contribuem para esse quadro.
Como evitar que seu animal de estimação se torne uma praga? Todas as análises apontam para a responsabilidade humana: prestar os cuidados necessários ao bem-estar do animal para que ele não ande sem supervisão humana na rua ou em áreas silvestres. Mas não há consenso sobre o que fazer com os cães de rua já existentes, incluindo aqueles que se tornaram selvagens e agora vivem na natureza.
Este é um problema generalizado na América Latina, com o México assumindo uma posição de destaque. Segundo a Associação de Médicos Veterinários Especializados em Pequenas Espécies do país, 70% dos 28 milhões de cães existentes vivem nas ruas.
No Peru, o Ministério da Saúde estima que seis milhões de cães estejam nesta situação e, no Chile, um estudo da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Católica indica que 3,4 milhões não têm um tutor conhecido.
Eles sobrevivem em condições precárias, sem vacinas ou cuidados, e protagonizam regularmente casos de ataques a pessoas e a outros animais. Em outubro passado, um guia turístico do norte do Chile morreu após ser atacado por uma matilha.
Ameaça à fauna local
"Esses animais precisam de recursos para viver. Por isso ocupam espaços, mudam seus comportamentos, tornam-se mais agressivos e formam sociedades com animais dominantes, semelhantes aos lobos. Eles comem a fauna nativa e, se não conseguem encontrá-la, entram em conflito com outros animais", diz Jaime Jiménez, pesquisador de vida selvagem da Universidade do Norte do Texas.
O impacto não tem a ver apenas com dieta e ataques. A bióloga alemã Elke Schüttler explica que "pela sua simples presença, esses cachorros podem afugentar espécies de aves. Assim, a simples presença deles desloca a fauna daquele local, que também acaba entrando em competição por alimento em outro lugar".
Schüttler, que é pesquisadora da Universidade de Magallanes e do Centro Internacional do Cabo Hornos (CHIC), lidera um projeto na Ilha Navarino, no Chile, que busca entender como eles se movem e como é a troca genética entre os cachorros de rua e os animais selvagens.
"Há impactos indiretos como doenças e transmissão de parasitas, além de questões comportamentais de dominância", acrescenta Jiménez.
A polêmica caça aos cachorros
No Chile, a Câmara dos Deputados acaba de rejeitar um projeto de lei que declararia os cães selvagens, isto é, todos aqueles que nascem ou vivem sem supervisão humana, como uma espécie exótica invasora, o que abriria as portas para a sua caça e extermínio. Esta medida, que tem sido utilizada em países como a Austrália, levanta polêmicas.
"Os cães também são animais que sofrem e sentem como nós e como espécies nativas, por isso não é ético tentar acabar com a vida de alguns para salvar outros", argumenta José Binfa Álvarez, chefe de advocacia da Fundação para Animais (APLA), Chile.
Para Jiménez, esse é um assunto complexo, que envolve muitas frentes: "Os defensores dos animais e veterinários estão preocupados com o bem-estar do animal, enquanto os ecologistas estão preocupados com o bem-estar das populações e dos ecossistemas, e quais são as consequências macro do problema. É um tema difícil, até porque matar cães mexe com a ideia de matar animais de estimação."
Pesquisadora mexicana em ciências animais, Eliza Ruiz Izaguirre afirma que, com base em estudos científicos, não é eficaz caçar cães. "Primeiro porque a maioria tem um vínculo com as pessoas, mesmo que pareçam selvagens de longe. Segundo, e mais importante: porque ao deixar um nicho ecológico vazio, ele será rapidamente preenchido por outros cães. Assim, a causa do problema não é atacada."
Mais pesquisa e responsabilidade
Para Binfa, é prioritário aplicar de maneira eficaz a lei e promover medidas como "a educação para a guarda responsável, o controle reprodutivo, o registro dos animais e, sem dúvida, a fiscalização."
"Reconhecemos que os ataques de cães são um problema, mas quando isso está associado a cães que circulam livremente, cujos tutores não exercem a propriedade responsável ou os abandonaram diretamente, devemos atacar a causa, ou seja, a irresponsabilidade humana", acrescenta o representante da APLA.
"Não existe uma medida única eficaz, mas em cada local devem ser tomadas várias medidas que sejam aceitas e apoiadas pela comunidade local. Controlar a população canina com a sua ajuda também pode ser eficiente", afirma Izaguirre. A pesquisadora estuda cães de aldeia na costa mexicana. Lá, para proteger os ninhos de tartarugas, ela recomenda fornecer aos cães alimentos suficientes, ricos em gordura e proteína, e prendê-los de noite, quando eles costumam sair para procurar ovos.
Izaguirre participa há muito tempo do Projeto Mazunte, uma colaboração entre veterinários, estudantes e voluntários dos Estados Unidos, que viajam para comunidades rurais na costa mexicana do Pacífico para realizar esterilizações. A iniciativa já conseguiu controlar as matilhas que antes dominavam as praias e comiam ovos e filhotes de tartarugas marinhas, e hoje há um aumento no número de desovas.
Continuar investigando o tema é fundamental para ter diagnósticos de acordo com realidades específicas e tomar medidas baseadas em evidências. Jiménez recomenda a criação de grupos de trabalho com todos os setores – cientistas, técnicos, ambientalistas, ativistas dos direitos dos animais, agricultores, pecuaristas, comunidades e organizações públicas – para estabelecer programas de investigação e controle. E para isso, o Estado deveria destinar mais recursos.
Educação e conscientização desde a infância, campanhas que aproximam o tema da comunidade, leis mais restritivas, multas mais altas e programas de esterilização em massa, como na Holanda, são ações que contribuem para evitar a presença de cães abadonados nas ruas.