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Como a África paga pelas emissões dos outros

Tim Schauenberg
30 de outubro de 2021

África desempenha um papel menor nas causas das mudanças climáticas, mas carrega o fardo das consequências de um planeta mais quente. Para o continente, o resultado da COP26 é vital.

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Plantação na Somália: quando a nuvem de gafanhotos chega, fica difícil salvar a colheita
Plantação na Somália: quando a nuvem de gafanhotos chega, fica difícil salvar a colheitaFoto: Reuters/F. Omar

Desde pragas de gafanhotos no leste e secas mortais no sul, até tempestades tropicais e enchentes que forçaram mais de um milhão de pessoas a deixar suas casas somente na Somália: a África vive a realidade devastadora das mudanças climáticas.

"Trata-se de vida e morte", diz David Mfitumukiza, cientista do Centro de Pesquisa e Inovações sobre Mudanças Climáticas da Universidade de Makere, em Kampala, Uganda. 

"Estamos passando por perdas e danos contínuos e outros impactos associados a secas e inundações, e não estamos falando de coisas que estão no ar, estou falando de alimentos", complementa.

De acordo com um relatório recentemente publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre o estado do clima africano, a seca matou mais de 700 mil  pessoas em toda a África desde 1970.

Hoje, mais de 400 milhões de pessoas em todo o continente vivem na pobreza - e com a aceleração das mudanças climáticas, afirma o estudo, este número tende a aumentar.

Desde 2000, os custos de eventos climáticos extremos, como secas, inundações, tempestades e incêndios, foram de pelo menos 38 bilhões de dólares, impactando indivíduos, comunidades e economias inteiras.

Empobrecimento

As previsões são de que, se nada mudar, o mundo caminha para um aumento da temperatura de cerca de três graus até o final do século. Com base nesta estimativa, cientistas da Universidade de Melbourne, Austrália, sugerem que muitos países africanos poderiam testemunhar um declínio em seu PIB a longo prazo, o que é um indicador do padrão de vida de um país, depois de 2067. Até 17% ao ano na Costa do Marfim, por exemplo, quase 9% em Moçambique ou 7% no Quênia. As perdas médias em todo o continente estão projetadas para entre 2% e 5%.

Per capita, uma pessoa vivendo na África contribui 12 vezes menos para as mudanças climáticas do que um cidadão americano, sete vezes menos do que um europeu, e quatro vezes menos do que alguém na Ásia. Como as emissões de gases de efeito estufa da maioria dos países africanos são marginais em comparação com as das nações industrializadas, seu foco é a adaptação à mudança climática. 

Reflorestamento, economia de água e iniciativas agrícolas foram lançados em todo o continente, mas de acordo com a ONU, muitos projetos estão progredindo lentamente. Em parte, devido à falta de financiamento.

Kwame Ababio, do Programa de Desenvolvimento da União Africana (NEPAD), diz que os países africanos já estão investindo pelo menos 2% de seu PIB para enfrentar a mudança climática. "Não é como se não estivéssemos fazendo nada no continente", comenta.  

À espera de ajuda externa

As nações ricas também têm a obrigação de contribuir. Como parte do Acordo de Paris, eles se comprometeram a pagar 100 bilhões de dólares para o Fundo Climático Verde anualmente até 2020 para ajudar países em desenvolvimento a se adaptarem às mudanças climáticas.

Porém, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a partir de 2019, o último ano para o qual há dados disponíveis, os países contribuintes haviam doado menos de US$ 80 bilhões. 

"As economias desenvolvidas têm a responsabilidade de financiar a justa transição para uma economia de baixo carbono e uma sociedade resistente ao clima", diz Albi Modise, porta-voz do departamento ambiental da África do Sul.

Sudão do Sul: mudanças climáticas intensificaram secas na região
Sudão do Sul: mudanças climáticas intensificaram secas na regiãoFoto: Stefanie Glinski/Welthungerhilfe

Os três maiores poluidores, China, EUA e União Europeia, são responsáveis por mais de 40% das emissões globais de gases de efeito estufa, o que é 16 vezes o volume liberado pelos 100 menores emissores, lista que, por sua vez, inclui muitos países africanos.

De acordo com a OMM, são necessários pelo menos 30 bilhões de dólares anuais para reduzir efetivamente os danos futuros decorrentes de eventos climáticos extremos na África subsaariana.

Em um relatório de 2019, o Banco Africano de Desenvolvimento observou que em todas as regiões da África, o custo resultante dos danos relacionados às mudanças climáticas excede muitas vezes os custos de adaptação.

Medidas de adaptação incluem a instalação de barreiras contra enchentes, implementação de agricultura eficiente em termos de água, cultivo de culturas mais resistentes ao calor para evitar maiores perdas de safras em tempos de seca.

E a transição para uma economia verde africana poderia criar até 60 milhões de empregos no continente até 2030, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho.

Neste sábado (31/10), começa a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow: a primeira após uma pausa de dois anos devido à pandemia. Especialistas, negociadores e ativistas pressionam para que, nesta edição, países anunciem metas mais ousadas de corte de emissão de gases de efeito estufa.

A atual meta, fixada no Acordo de Paris de 2015, é um compromisso não vinculativo alcançado entre os países para que, até o fim deste século, a temperatura média do planeta não aumente mais que 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais.