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"Com Trump, Brasil terá que depositar as fichas na UE"

Fernando Caulyt
10 de novembro de 2016

Para Marcos Troyjo, Brasília terá mais dificuldades para usar o comércio como trampolim para o crescimento da economia e, por isso, deverá apostar em destinos asiáticos e no acordo dos sul-americanos com europeus.

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US-Präsidentschaftswahl 2016 - Sieg & Rede Donald Trump
Foto: Getty Images/S. Platt

A surpreendente vitória de Donald Trump pode ter consequências para o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos, e, consequentemente, para a recuperação da economia brasileira, analisa Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA.

"Assim, o Brasil terá de depositar ainda mais suas fichas nos destinos asiáticos para suas exportações e buscar agilizar o acordo Mercosul-União Europeia, que já se arrasta há 17 anos", explica o cientista político e economista. 

No campo diplomático, independentemente do resultado, não deve haver grandes mudanças. "O Brasil e a América Latina não figuram nas prioridades da diplomacia americana. Isso é verdade com Trump e também seria com Hillary." Leia a entrevista na íntegra:

DW Brasil: Como a vitória de Trump muda as relações diplomáticas dos EUA com o Brasil?

Marcos Troyjo: Não creio que haverá mudanças significativas. O Brasil e, a bem da verdade, a América Latina não figuram nas prioridades da diplomacia americana. Isso é verdade com Trump e também assim seria com Hillary. Esta, contudo, caso fosse eleita, sinalizaria ao menos a possibilidade de uma nova iniciativa para as Américas – pelo menos foi o que ela aventou em uma palestra que realizou há três ano num congresso privado de um banco em Nova York e que vazou na imprensa pelo Wikileaks. Ali estava a verdadeira Hillary.

E com Trump na Casa Branca?

Não entendo tampouco que Trump tenha uma "política hemisférica". Durante a campanha, o máximo que vocalizou foi a conhecida crítica a mexicanos, ao Nafta e ao Tratado Transpacífico (TTP), de que são signatários latino-americanos como Peru, Chile e o próprio México. Também não vejo atividades conjuntas de maior expressão em fóruns como ONU, Organização dos Estados Americanos (OEA) ou Organização Mundial do Comércio (OMC). Tudo o que se fizer terá de ser construído com bases muito iniciais e rudimentares. Pena, pois a atual tendência, dado o resultado das urnas na corrida à Casa Branca, é a de que EUA e Brasil – as duas maiores democracias do Ocidente e as duas maiores economias das Américas – continuem a se relacionar abaixo do potencial.

A vitória de Trump deverá minar os planos de Michel Temer para ter um ritmo maior de crescimento na economia?

E não diria minar, mas sem dúvida alguma fica mais difícil utilizar o comércio exterior como trampolim do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro se o maior mercado do mundo se encontra encoberto por uma densa névoa protecionista. Minha impressão é de que, confirmada a retórica protecionista de Trump, o Brasil terá de depositar ainda mais suas fichas nos destinos asiáticos para suas exportações e buscar agilizar o acordo Mercosul-União Europeia, que já se arrasta há 17 anos. 

De forma geral, as relações entre Brasil e EUA arrefeceram desde que Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez. Como será agora com Temer e Trump?

A conjuntura nos EUA não convida a maiores aproximações com o Brasil. A não ser que ocorra uma inflexão da linha de política externa apontada por Trump durante a campanha, os EUA estarão muito voltados a si próprios. Isso não é boa notícia para o Brasil, que precisa muito do vigor de suas próprias exportações para retomar o crescimento econômico. 

Como serão os efeitos sobre o TTIP e a aproximação americana com a União Europeia?

Se Trump perseverar no discurso de campanha, Trump denunciará o Nafta e rasgará o TTP, além de incitar a uma guerra comercial contra atuais parceiros como México ou China. Não veria, nesse cenário, qualquer chance para o prosseguimento das tratativas do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). Além disso, minha desconfiança, a julgar pelo que manifestou na ocasião do plebiscito do Brexit, é de que Trump despreza os burocratas de Bruxelas. 

Quais serão as consequências de um eventual retrocesso no diálogo com a China para os emergentes de forma geral, principalmente o Brasil?

Com Trump, as relações sino-americanas mergulham na incerteza. De tal escuridão pode resultar, entre outros pesadelos, uma guerra comercial. Mas é também plausível, dada a retórica antiglobalização de Trump, que os Estados Unidos se retirariam da Ásia. A China seria assim "abandonada" como principal núcleo de poder na região.

Em temas comerciais, o candidato republicano fala grosso com Pequim. Quando o assunto é geopolítica, é mais duro com Tóquio ou Seul. Trump deseja refazer as contas dos gastos de defesa que os Estados Unidos mantêm com Japão e Coreia do Sul – hoje "aliados estratégicos". Eles teriam de pagar pela "proteção" americana. Isso soa como música para Pequim, que deseja se estabelecer como ator geopolítico inquestionável na Ásia. O isolacionismo de Trump cai como luva para uma China que não dissimula pretensões globais.

A eliminação de vistos para brasileiros ficar ainda mais longe com Trump na Casa Branca?

Comparados a outras nacionalidades, os brasileiros ilegais nos EUA representam um contingente relativamente pequeno. Na nova administração, eles serão objeto de escrutínio ainda mais minucioso e severo. Quanto à diminuição da burocracia na concessão de vistos de turismo, negócios ou estudo, não vejo maiores impactos com a eleição de Trump.