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Cidades em festa: a "californização" das cidades européias

Carlos Albuquerque5 de julho de 2006

Maratonas, paradas do amor, visitas do papa, dias do orgulho gay, celebrações da Copa, carnavais das culturas: a cidade européia tornou-se palco de manifestações fugazes. O que acontece, quando a festa se torna regra?

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Rituais de celebração assumem sinais de obsessãoFoto: AP

Maratonas. Hoje, elas são mais de 200, só na Alemanha. Praticamente, não existe dia em que vias não estejam fechadas ou o trânsito não seja interditado, para que a população, ou parte dela, invada as ruas de pequenas, médias ou grandes cidades para celebrar alguma coisa.

Dia do Orgulho Gay, Parada do Amor, Carnaval da Cultura, sem falar da visita do Papa ou das atuais celebrações do Copa do Mundo – a cidade européia tornou-se espaço de passagem para a encenação de eventos de curta duração.

A substituição do flâneur pelo passante, a encenação de festivais e grandes eventos esportivos – um fenômeno que já recebeu até denominação: "a californização das cidades européias".

Corpos Urbanos

Besucher der CeBIT in Hannover mit Handy im Hintergrund
A transformação do 'flâneur' em passanteFoto: AP

Em seu ensaio Corpos Urbanos, publicado em 2002, Claus Dreyer, professor da Faculdade de Arquitetura de Detmold, explicita a relação entre corpo e arquitetura e explica que o "ritmo de vida" de uma época se deixa constatar tanto nos movimentos e gestos das pessoas, como nos edifícios e na organização espacial das cidades que elas habitam.

A figura do flâneur, o burguês que passeava sem pressa e preocupação, imortalizado por Baudelaire e, anos mais tarde, pelo filósofo alemão Walter Benjamin, correspondia às galerias e aos bulevares da Paris do início do século passado.

Para Dreyer, a figura do flanador foi substituída, no início do século 21, pela do passante, imortalizado por sua vez na obra do dramaturgo Botho Strauss (Pares, passantes, 1981). Ele atravessa – rápido, desorientado e indiferente – saguões, passagens subterrâneas e ruas de compras, cuja mesmice de vitrines e móveis não o convidam a permanecer e a se comunicar.

A californização das cidades européias

Berlin Marathon Siegessäule
Ruas européias tornam-se palco de celebraçãoFoto: dpa - Report

A este desinteresse pela cidade, corresponde um crescente culto do corpo nas ruas européias, representado especialmente em eventos como a Love Parade, o Christopher Street Day, o Carnaval das Culturas, centenas de maratonas, festivais, perfomances e shows.

Estes usam a cidade como palco para encenações de curta duração e de uma realidade fugaz, escreve Dreyer. Neste contexto, fala-se de uma "californização" das cidades européias, que se apresenta na encenação de todas estas atividades no espaço da cidade, para que os corpos, tanto o físico quanto o urbano, sejam novamente animados.

Poderia ser, constata Dreyer, que esta "californização" seja uma forma de reação a uma chamada "descorporificação das cidades", ligada às crescentes digitalização e virtualização dos corpos urbanos, expressadas, por exemplo, em filmes como Matrix.

Nova religiosidade? Novo patriotismo?

Constatações como a do professor de Detmold podem ajudar a esclarecer questionamentos que vêm ocupando a mídia e especialistas cada vez que eventos religiosos, esportivos ou de outro caráter fazem com que milhares de europeus invadam as ruas de suas cidades.

WM Bilder des Tages Fußball, WM 2006, Deutschland, Schweden, 24.06.2006
Levantar bandeiras na Copa: novo patriotismo?Foto: AP

Foi assim com a visita do papa à Alemanha, no ano passado, e com as celebrações das vitórias da seleção alemã no Campeonato Mundial de 2006. Prontamente, falou-se de uma nova religiosidade e, recentemente, de um novo patriotismo. Parece que os milhares de jovens que estavam nas ruas a gritar "Bento, Bento" são os mesmos que, hoje, levantam suas bandeiras a clamar "Alemanha, Alemanha".

Claus Dreyer não é o único, entre os filósofos e teóricos da cultura, que constatou que a festa – de metáfora encarnada de uma vida comunitária, sem a qual nenhuma sociedade se torna real – tomou, no mundo hodierno, sinais de obsessão.

Assim também pensa Dietmar Kamper, filósofo berlinense falecido em 2001, para quem quanto mais uma sociedade exige rituais de celebração, mais apressadamente acelera sua dissolução.