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A vez dos emergentes

18 de maio de 2011

Diante da possível substituição de Dominique Strauss-Kahn na chefia do Fundo Monetário Internacional, países emergentes ofereceriam os melhores candidatos, afirma o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

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Celso AmorimFoto: APImages

Em conversa com a Deutsche Welle, Celso Amorim defende que o FMI deveria ser chefiado por líderes de países emergentes. O diplomata, ex-ministro brasileiro das Relações Exteriores, é categórico ao afirmar que a instituição precisa de ideias novas, mentalidade nova e, "por que não, de um brasileiro" no seu comando.

Amorim ressalta que as soluções tradicionais europeias não funcionam mais, e critica a posição de Angela Merkel, que defende um europeu no cargo. Para o diplomata, além de estar atento às questões de crescimento e finanças, o novo diretor-gerente do FMI terá que olhar para as questões sociais, que foram responsáveis, entre outras, pelas recentes explosões no mundo árabe.

Deutsche Welle: Qual sua opinião sobre esse acordo de cavalheiros vigente entre Estados Unidos e Europa, de que a direção do FMI deve permanecer em mãos europeias e a do Banco Mundial com os norte-americanos?

Celso Amorim: Acho que isso é o reflexo de uma época totalmente superada na nossa história. Isso aí poderia fazer algum sentido quando a governança global era assegurada pelo G7, quando o único país de fora da Europa – além dos Estados Unidos – era o Japão, e que, por sua vez, aceitava mais ou menos essa divisão.

Hoje em dia isso não tem mais sentido. Temos os quatro Bric originais, sem a África do Sul, que estão entre os dez maiores cotistas do FMI, vários deles estão entre as dez maiores economias do mundo, seguramente o Brasil é um deles. Lemos notícias que eles são os motores do crescimento do mundo, da economia. Temos a nossa moeda fortíssima, até mais forte do que desejaríamos...

Obviamente a China tem uma posição fortíssima no mercado internacional, então acho que é mais do que natural que houvesse um diretor do FMI que pudesse dar, inclusive, uma feição nova à organização. Que pudesse atacar essa questão do equilíbrio monetário, que é muito importante hoje em dia, porque diz respeito ao comércio. Veja bem, as negociações da Rodada Doha estão paralisadas, e não vão andar enquanto não houver uma solução para esse problema monetário.

O FMI tem que se transformar num instrumento de ajuda aos países em desenvolvimento para enfrentar a crise, e que saiba também policiar os países desenvolvidos, coisa que o FMI nunca fez, e a maior crise que tivemos recentemente veio, justamente, dos países desenvolvidos.

Acho que é mais que natural que venha alguém de um país em desenvolvimento. Eu não tenho nenhum preconceito a favor ou contra nenhum deles. Mas acho, por exemplo, que se fosse a China seria forte demais.

Então, nesse contexto, o próximo chefe do FMI deveria vir de um país emergente?Talvez do Brasil?

Por que não um brasileiro? Não precisa ser só um brasileiro, pode ser um indiano, ou algum outro. É muito importante também que seja uma pessoa que esteja entrosada com, digamos, essas mudanças que ocorreram. Não adianta pegar um latino-americano com pensamento da época do consenso de Washington. Aí é melhor até que não seja!

O senhor arriscaria algum nome?

Acho muito difícil fazer isso porque nem sei se há pessoas que querem ou não assumir essa posição... Há, de fato, muitos brasileiros competentes. Nós mesmos temos um lá, que é o Paulo Nogueira Batista Júnior, que poderia ser um nome.

Pode ser que haja indiano, ou alguém de outra nacionalidade. Acho importante que seja alguém que tenha essa percepção do mundo emergente e a percepção dessas mudanças que estão ocorrendo no mundo, o que é fundamental.

Angela Merkel defende que o próximo chefe seja um europeu porque alguns países da zona do euro enfrentam problemas graves e que, portanto, precisam da ajuda do FMI.

Se fosse assim, nós teríamos que ter tido um diretor da América Latina durante toda a década de 1970, 1980 e 1990, se fôssemos seguir esse raciocínio. Ou um asiático na década de 1990. Esse é um raciocínio que, sinceramente, com todo respeito à senhora Merkel, não tem nenhum fundamento.

Nós tivemos todo um período de crise na América Latina, de crise asiática, nem por isso reivindicamos, naquela época, um diretor-gerente latino-americano. Acho, na verdade, o contrário, que temos que seguir quem aponta soluções. E pelo que tenho sentido, as soluções tradicionais europeias, inclusive para os problemas europeus, não têm funcionado.

Volto a dizer, não sou economista, não vou julgar os detalhes, mas o que se vê, acompanhando a própria imprensa especializada, é a Grécia em muito má situação, temores que Portugal, mesmo com o empréstimo, vá passar por uma recessão nos próximos três anos... Enfim, não vejo que a Europa esteja trazendo grandes soluções, para falar a verdade.

Acho que a Europa é fundamental no contexto, isso é óbvio. Mas talvez a gente precise de ideias novas. E também não podemos pensar num FMI que esteja voltado apenas para os problemas europeus porque o mundo continuará a ter problemas. O mundo continuará a ter problemas de alinhamento monetário, como hoje acontece com o real em função de uma política monetária norte-americana muito frouxa, entre outras coisas.

Então é preciso alguém que tenha capacidade de olhar para esses problemas, e falar sobre eles verdadeiramente e corajosamente, porque isso também é necessário. E é perfeitamente possível encontrar um brasileiro, ou indiano, ou um chinês, e eu não estou querendo excluir ninguém a princípio, que tenha esse perfil.

Diante de toda essa crise, gerada por um escândalo privado, o senhor acredita numa mudança de rumo, de fato, no FMI?

Não podemos nos precipitar e fazer julgamento sobre as pessoas, o caso ainda será julgado. Naturalmente, a situação política já se criou e acho muito difícil que Strauss-Kahn volte ao comando, com base no que leio nos jornais.

Isso não afeta em nada a instituição. O Banco Mundial teve um problema parecido e nem por isso entrou em crise. Acho que, tanto o FMI quanto o Banco Mundial precisam de pessoas novas, com visão nova de mundo. Afinal, não vivemos mais o pós-Segunda Guerra, não vivemos mais a época do Muro de Berlim, e nem o pós-Muro de Berlim.

Vivemos numa época nova. Vivemos a era do G20. Há outros países do G20 que poderiam ser considerados, mas acho que um dos grandes emergentes seria a melhor solução.

Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer