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"Caminhoneiros expressam sentimento de revolta da população"

30 de maio de 2018

Em entrevista, analista afirma que greve ecoa descontentamento com o governo atual e com a classe política em geral. Apelo por intervenção militar reflete falta de respostas a demandas da sociedade, diz.

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Caminhoneiros em greve na Dutra
Caminhoneiros em greve na DutraFoto: picture-alliance/ZUMAPRESS/Agencia O Globo/A. Scorza

Antes de conversar com a DW Brasil sobre a greve dos caminhoneiros, o cientista político Maurício Santoro comentou a dificuldade de analisar cenários no atual contexto brasileiro: "É uma surpresa atrás da outra, um nível de intensidade nas crises políticas que tem sido muito impressionante."

O doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) aponta haver a impressão de que a greve expressa um sentimento de revolta da população com os políticos em geral. "A população tem sentido que os caminhoneiros a representam em vários aspectos", diz.

Além disso, Santoro lembra que o apelo por uma intervenção militar no país, observado entre parte dos grevistas, é crescente no país desde as manifestações de junho de 2013. Ele acredita que o governo Temer dificilmente poderá resistir a mais uma semana de instabilidade como a observada nos últimos dias.

DW Brasil: Como você avalia o apoio da população ao movimento?

Maurício Santoro: É, realmente, surpreendente, por se tratar de uma greve que traz muitos transtornos cotidianos para as pessoas. Mas há um sentimento muito generalizado de que os caminhoneiros estão expressando um sentimento de raiva, revolta da população, não só contra o governo, mas os políticos em geral. E que, de algum modo, eles tinham que ser punidos. Por conta disso, a população tem sentido que os caminhoneiros a representam em vários aspectos.

DW Brasil: Embora o governo tenha cedido às reivindicações, sustentou a tese de locaute em um primeiro momento. Qual é a sua avaliação?

Maurício Santoro: Foi um movimento bastante diversificado. Começou com uma greve dos caminhoneiros autônomos em reação ao preço dos combustíveis, o custo do frete e a dificuldade de repassar esses preços ao consumidor em um momento de recessão. Depois, houve, com certeza, a participação das transportadoras, dos patrões, mas que caíram fora do movimento quando houve a primeira rodada de negociações com o governo.

A gente vê, também, que é um movimento muito fragmentado. Há, talvez, 11 organizações sindicais participando, muitos caminhoneiros não sindicalizados, e isso está dificultando a negociação com o governo. A cada momento em que há um acordo, tem um grupo dizendo que a proposta não é suficiente.

DW Brasil: O fracasso da tentativa inicial de acordo revela um enfraquecimento dos sindicatos ou, até, uma crise mais ampla, das instituições de representação tradicionais?

Maurício Santoro: Com certeza. Inclusive, tem uma ala dos caminhoneiros dizendo que não há acordo pelo fato de o governo ser o que é. Trata-se de uma agenda que vai além da reivindicação mais imediata. Junho de 2013 não acabou. Cinco anos depois, todas aquelas demandas [mobilidade urbana, políticas públicas para saúde, educação, infraestrutura, reformas política, entre outras] em evidência. Permanece, também, a dificuldade do sistema político em responder a elas. O problema vai além do que foi a resposta do governo Dilma ou do governo Temer. Eu não consigo pensar em qualquer político brasileiro que possa bater no peito e dizer que é o herdeiro das manifestações de 2013, o porta-voz daquelas demandas.

Há uma figura como o [Jair] Bolsonaro, que foi quem mais se beneficiou do clima político-ideológico do país desde então. Não porque os manifestantes estivessem de acordo com o que ele faz, mas porque conseguiu vender a ideia de que é o cara "contra tudo o que está aí". Ele passa uma certa imagem de rebeldia, de ser contra o sistema, apesar de ser um político veterano, há quase 30 anos no poder. Isso colou em parte expressiva do eleitorado, inclusive entre os mais jovens.

DW Brasil: Qual dos pré-candidatos à presidência tem mais chances de capitalizar a paralisação?

Maurício Santoro: Eu senti nos candidatos um apoio quase unânime à ideia de que é preciso mudar a política de preços da Petrobras. Ou seja, o preço tem que sofrer algum tipo de restrição por ação governamental. Só ficaram fora alguns candidatos liberais. Eles estão mais cautelosos em um apoio mais irrestrito aos caminhoneiros, porque têm medo do que isso representa. Passar um cheque em branco para um grupo de interesses difusos, com essa capacidade de parar o país, pode ser um tiro no pé.

A exceção foi o Bolsonaro, que embarcou em um apoio muito apaixonado. Mas mesmo ele começou a recuar de segunda para terça-feira. A meu ver, os amigos militares dele devem ter dado um puxão de orelha e dito para tomar cuidado com o que está dizendo, pois pode incitar o movimento para atos que podem se tornar violentos. Ele não mudaria tão radicalmente a opinião se a orientação não viesse de um lugar que ele respeita muito.

DW Brasil: Qual é a força do apelo por uma intervenção militar entre os grevistas?

Maurício Santoro: Pelos relatos que acompanho, há, de fato, uma base dos caminhoneiros muito empenhada na demanda por um golpe militar. Não sei dizer se são a maioria, mas, com certeza, é um grupo importante entre os caminhoneiros que está se manifestando. Não é algo surpreendente. Desde junho de 2013, toda grande manifestação brasileira tem incluído uma ala de intervencionistas. Em muitos casos, nós, analistas políticos, temos subestimado como essa ideia tem, hoje, uma representação popular.

Nesses cinco anos, essa bandeira vem se tornando mais presente e relevante. É algo que vem dessa fragilidade dos políticos moderados no Brasil em apresentar algum tipo de resposta para essas cobranças e demandas que estão surgindo na sociedade. Tem a ver com a incapacidade dos grandes partidos em apresentar uma agenda de reformas. São anos de insatisfação e revolta que estão cozinhando e se tornando cada vez mais intensos, tendo explodido, agora, nas estradas do país.

DW Brasil: É uma pauta espontânea ou pode revelar infiltração política no movimento?

Maurício Santoro: Acho que é espontâneo, mas está convivendo com os oportunistas que aproveitam esse momento para tentar ampliar sua influência junto aos caminhoneiros e ganhar um pouco mais de força na disputa pré-eleitoral. Essa demanda pela intervenção é, realmente, algo que existe entre muitos caminhoneiros hoje.

DW Brasil: Há alguma possibilidade de setores das Forças Armadas encamparem essa demanda?

Maurício Santoro: Não, e digo isso com muita tranquilidade, porque dou aulas e palestras em escolas militares. Entre os militares, há, de um lado, uma rejeição a esse tipo de pedido por parte da sociedade. Eles não querem se envolver nesse tipo de questão. De outro, um mal estar muito grande com o governo Temer. Eles não gostaram de ter sido convocados pelo governo para desbaratar a greve e furar os bloqueios.

Vejo neles um sentimento muito difundido na sociedade brasileira, de que o sistema político, como um todo, está corrompido, incluindo o STF. Há uma tendência de os militares ficarem mais indignados com a corrupção que vem da esquerda. É um viés ideológico, da maneira como eles foram formados, nesse cenário após a ditadura. Mas eles veem a corrupção espalhada pela sociedade.

DW Brasil: As chances de Temer não terminar o mandato são reais?

Maurício Santoro: Esse risco está colocado para o Temer desde que assumiu a presidência. É derivado das controvérsias em torno do impeachment, do mau momento econômico do país. Essa possibilidade ganhou mais força quando, no ano passado, foram divulgados os áudios do Joesley, dono da JBS, implicando o presidente, diretamente, em escândalos de corrupção. Já houve duas denúncias do Ministério Público Federal contra ele e poderia haver uma terceira.

O modo como essa greve bateu com força na economia do país, paralisando o abastecimento e o fornecimento de combustíveis, interrompendo aulas em várias cidades brasileiras, reforçou essa fragilidade do governo Temer. Se tiver uma continuidade da greve por mais uma semana, digamos, o que acontece com o governo? Seria muito difícil Temer sobreviver a mais uma semana de instabilidade no nível dos últimos dias.

DW Brasil: Como isso poderia acontecer?

Maurício Santoro: O mais provável seria uma mobilização pelo Congresso que levasse ao impeachment, ou seja, à substituição do Temer pelo Rodrigo Maia, em razão de uma piora na situação. Se a gente tiver mais uma ou duas semanas do caos que foi o Brasil nos últimos dias, é difícil acreditar que o governo conseguisse sobreviver.

Tem, também, este fator militar, que não deve ser desconsiderado. O apoio que muitas pessoas estão demonstrando à possibilidade de um golpe militar e o medo dos políticos de que isso possa acontecer poderiam levar a uma pressão muito grande por um impeachment ou uma renúncia do Temer.

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