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Caetano Veloso e Gilberto Gil em turnê histórica

Júlia Vilhena26 de junho de 2015

Os dois amigos e parceiros de longa data completam este ano, em sincronia, 73 anos de idade e 50 de carreira. Eles comemoram com a turnê Dois Amigos – um Século de Música, que começa na Europa e segue para o Brasil.

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Foto: Getty Images/AFP/C. Simon

Depois de mais de 20 anos sem pegar a estrada juntos, Gilberto Gil e Caetano Veloso deram início nesta quinta-feira (25/06) à turnê Dois Amigos – um Século de Música, na abertura do festival Viva Brasil, em Amsterdã. De lá eles seguem para outros dez países da Europa. Nos próximos dias, o show intimista de voz e violão marca presença em festivais de destaque, como o português EDP Cool Jazz e o prestigiado Festival de Jazz de Montreux, na Suíça.

A turnê traz apenas 22 canções do vasto repertório acumulado por Caetano e Gil em 50 anos de carreira. Entre as canções lendárias estão Back in Bahia, Sampa, Terra e Expresso 2222. Para o ensaísta, músico e professor de literatura da USP José Miguel Wisnik, a turnê é uma autobiografia musical.

"O roteiro do show seguirá certamente um desenho de como eles enxergam a própria trajetória. Essa é a minha expectativa: ver como e Caetano e Gil irão revisitar o repertório, fazendo uma releitura dos próprios passos", diz Wisnik.

Outro grande conhecedor da música popular brasileira, e uma das maiores referências do jornalismo musical no Brasil, Tárik de Souza aposta que o reencontro da dupla e o convívio ao longo da turnê também motivarão o aparecimento de novas canções, "quem sabe, com o poderio das de Tropicália 2; Haiti e Desde que o samba é samba", comentou o crítico em entrevista à DW Brasil.

A partir de agosto, o público brasileiro também terá a chance de prestigiar esse aguardado reencontro. Esta semana, Gilberto Gil divulgou as datas dos shows no Brasil. A turnê terá início em São Paulo nos dias 21 e 22 de agosto. Depois passará por Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e termina em Salvador, no dia 28 de novembro.

Juntos desde o começo

Os dois mestres da música brasileira se conheceram em 1963, quando eram estudantes universitários em Salvador. Caetano era estudante de filosofia, e Gil cursava administração. Caetano sempre diz que aprendeu violão observando Gil dedilhar e que foi graças ao amigo que assumiu a profissão de músico.

Em seu livro Verdade Tropical, Caetano relata o dia em que sua mãe, dona Canô, o chamou para ver Gil na televisão: "Era evidentemente um grande acontecimento a aparição dessa pessoa, e minha mãe festejava comigo a descoberta." Logo os dois começaram a compor e tocar juntos e, em 1964, apresentam o espetáculo Nós, por exemplo, ao lado de Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé na inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador. No ano seguinte, meio século atrás, os parceiros baianos fizeram as primeiras gravações de seus trabalhos solos.

Brasilien Musik Gilberto Gil und Caetano Veloso
Foto: picture-alliance/dpa/F. Dana

Sobre a parceria de Gil e Caetano, Wisnik ressalta que as trocas entre os dois músicos sempre foram muito fecundas. "Gilberto Gil é um extraordinário instrumentista, que revolucionou o violão na música brasileira. Neste sentido, Caetano diz que o Gil foi sua referência musical, de domínio da música. Ao mesmo tempo que Caetano é um melodista super intuitivo e um poeta extraordinário. O pensamento vivo e ágil do Caetano se parece com o violão de Gil. Digamos que o Caetano faz com a cabeça o que o Gil faz com o violão", conclui Wisnik.

Em 1976, Gil, Caetano, Maria Bethânia e Gal Costa formaram o grupo Doces Bárbaros e rodaram o Brasil comemorando os dez anos de suas carreiras. A turnê deu origem a um álbum e a um documentário.

Em 1993, Gil e Caetano se apresentaram juntos no projeto Tropicália Duo, em comemoração aos 30 anos de parceria. Vinte e um anos se passaram e hoje a dupla celebra a parceria nos palcos novamente.

Nos últimos anos, os dois fizeram incursões em outros campos. Depois de assumir o Ministério da Cultura por cinco anos, durante o mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, Gil lançou ano passado o disco Gilbertos Samba, interpretando músicas de João Gilberto.

Caetano Veloso também não cansa de se reinventar. Em 2006, lançou o álbum , experimentando com nova banda, o gênero do rock. Com a adição do samba, lançou Zii e Zie em 2009, e fechou a parceria em 2012, com o premiado disco Abraçaço.

Nos tempos da Tropicália

Gil e Caetano estão entre os maiores representantes do Tropicalismo, movimento cultural que despontou no Brasil no final da década de 1960, envolvendo diversas manifestações artísticas. Com Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé, eles mesclaram os ritmos tradicionais brasileiros com influências do pop-rock internacional e surpreenderam as plateias dos Festivais de Música Popular Brasileira pela originalidade de suas músicas.

Em entrevista à DW Brasil, Wisnik diz que a Tropicália foi um movimento de música ligado a um movimento social e que, portanto, ele o enxerga como um acontecimento de outra natureza. "De certo modo, a Tropicália foi o último dos movimentos no Brasil e nele estava contido muitas das coisas que aconteceram posteriormente na música brasileira. Eu vejo no Brasil hoje uma simultaneidade grande de manifestações diversas, para as quais a Tropicália, inclusive, apontou", completa Wisnik.

Em 1967, Caetano Veloso emplacou Alegria, Alegria, e Gilberto Gil e Os Mutantes, Domingo no Parque no Festival da Record. No ano seguinte, eles lançam com Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé e Os Mutantes o álbum Tropicália ou Panis et Circencis, o manifesto do movimento, considerado o 2º melhor álbum da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil. No IV Festival de Música Popular Brasileira, Divino Maravilhoso, composição de Gil e Caetano, alcançou o terceiro lugar, com a interpretação de Gal Costa. A música deu nome ao programa musical que Gil e Caetano comandaram na TV Tupi naquele ano.

No dia 13 de outubro de 1968, o jornal Correio da Manhã publicou um texto de Augusto de Campos, intitulado É proibido proibir os baianos. As palavras viscerais de um dos criadores da Poesia Concreta sintetizam bem o movimento: "Os compositores e intérpretes da Tropicália (...) voltam a pôr em xeque e em choque toda a tradição musical brasileira, bossa-nova inclusive, em confronto com os novos dados do contexto universal. Superbomgosto e supermaugosto, o fino e o grosso, a vanguarda e a jovem guarda, berimbau e Beatles, bossa e bolero são inventariados e reinventados (...). Em vez de fazer a revolução musical na epiderme temática, Gil, Caetano e seus companheiros, estão fazendo uma revolução mais profunda, que atinge a própria linguagem da música popular."

Logo depois da efervescência nos palcos, Gilberto Gil e Caetano Veloso foram presos pela ditadura militar brasileira. Ao serem libertados, meses depois, realizaram um show emocionante no Teatro Castro Alves e partiram com suas famílias para o exílio em Londres. O disco do concerto só viria a ser lançado em 1972.