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Brasileiros vão ter que se acostumar ao real mais fraco

6 de dezembro de 2019

A moeda passa por forte desvalorização. Os brasileiros deveriam se preparar, porque a situação não é passageira. Ela é sinal de uma mudança radical na economia – similar à de 25 anos atrás, com o Plano Real.

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Loja em São Paulo: economia brasileira passa por momento de guinada
Loja em São Paulo: economia brasileira passa por momento de guinadaFoto: picture-alliance/C. Faga

Semana passada, Ciudad del Este. Shopping centers como o Monalisa ou o Paris estão vazios. Até o típico engarrafamento matinal na Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai, já se dissolveu no início da tarde. Assim, tão pouco antes do Natal, a cidade no triângulo fronteiriço costuma estar lotada. Os brasileiros costumavam comprar tanto que tinham que se empurrar através das multidões, como num bazar asiático.

A razão para o marasmo? "O dólar forte!", reclamam os vendedores e lojistas em uníssono. Primeiro, dizem, a internet arruinou o comércio, e agora o dólar está acima de 4 reais – nenhum brasileiro vai ao Paraguai para fazer compras. "Em breve os primeiros shoppings fecharão", prevê um taxista.

O prognóstico é realista. O governo do Brasil está deliberadamente permitindo que o real se enfraqueça. Esta nova política cambial é parte integrante das políticas monetária, fiscal e econômica do ministro Paulo Guedes. Ele disse claramente que os brasileiros deveriam se preparar para um real mais fraco por um longo período. Desde o início do ano, o dólar subiu 15% em relação ao real.

Trata-se de uma mudança revolucionária para a economia brasileira, e o alcance e consequências ainda não foram devidamente notados. A economia brasileira está recebendo atualmente um novo fundamento, comparável, em seu radicalismo, ao Plano Real de 25 anos atrás. Desde a reforma econômica de 1994, o Brasil vinha tendo quase sempre um real sobrevalorizado. Isso agora vai mudar.

Isso é possível porque as taxas de juros estão mais baixas do que nunca: com uma taxa Selic em breve na casa dos 4,5% e a inflação de cerca de 3,5%, os mercados financeiros do Brasil são extraordinariamente estáveis. O Banco Central não precisa aumentar absurdamente as taxas de juro para conter uma inflação notoriamente elevada. Durante décadas, as autoridades monetárias mantiveram a inflação sob controle com taxas de juros de dois dígitos. Com os juros elevados, o Banco Central retirou dinheiro da circulação, e a desvalorização abrandou.

A inflação, por outro lado, é particularmente baixa porque a economia brasileira ainda está estagnada depois de uma severa recessão. A capacidade industrial é subutilizada, e o desemprego é elevado. Aumentos gerais dos salários e dos preços são, por conseguinte, difíceis de se aplicar. As exceções a essa regra, como o aumento dos preços da carne bovina devido à elevada procura na China, não mudam nada nesse cenário.

As baixas taxas de juros são uma das razões de um real mais fraco: os fundos estrangeiros não estão mais trocando dólares por reais para investir em títulos brasileiros. Não há mais altas taxas de juros. Então eles retiram seu capital, demandam menos real, e o valor da moeda brasileira cai.

Ao mesmo tempo, o fluxo de dólares cai. Por um lado, os leilões dos campos petrolíferos foram decepcionantes. Os megainvestimentos esperados e os influxos de dólares não se concretizaram. Do outro lado, o Brasil está ganhando menos com suas exportações de produtos agrícolas e matérias-primas para a indústria devido ao crescimento mais fraco da economia chinesa. Em geral, os investidores do mercado financeiro estão evitando o Brasil e toda a América do Sul por causa do baixo crescimento e das tensões políticas.

Para o governo, a desvalorização do real é útil: por um lado, as exportações do Brasil se tornarão mais competitivas; por outro, as importações estão se tornando mais caras, o que funciona como proteção para a indústria doméstica e o setor de serviços. A desejada abertura da economia, tal como planeada por Guedes e sua equipe, pode se tornar politicamente mais fácil de ser alcançada. Com uma participação no comércio exterior de 25% do PIB, o Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo.

A acusação de Trump de que o Brasil está ganhando vantagens no comércio com sua desvalorização é, portanto, parcialmente correta. Que o governo do Brasil está manipulando o câmbio, como Trump acusa, é errado. O ministro da Economia e o Banco Central do Brasil só estão deixando o real oscilar em um novo patamar.

Os brasileiros terão que se acostumar com a nova taxa de câmbio. O jornalista Claudio Dantas, do site O Antagonista, perguntou outro dia a Guedes o que ele aconselharia ao brasileiro que quer passar o Natal em Miami ou fazer compras por lá. Ele respondeu de forma seca: "Fique no Brasil!"

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

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