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Brasil volta às urnas no pleito mais tenso em décadas

30 de outubro de 2022

Em duelo de projetos antagônicos, social-democrata Lula tenta conquistar terceiro mandato. Bolsonaro tenta virada inédita para manter extrema direita no poder e provoca temor sobre como vai agir em caso de derrota.

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Lula e Bolsonaro
Foto: Adriano Machado/REUTERS

A eleição presidencial mais tensa desde a redemocratização chega oficialmente ao fim neste domingo (30/10). Após meses de uma campanha marcada por episódios de violência, explosão de denúncias de assédio eleitoral e agressões, a conclusão do segundo turno, a depender do que apontam as pesquisas, arrisca abrir uma nova fase de tensão.

Na liderança das sondagens, está o ex-presidente social-democrata Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece com entre de  quatro a seis pontos de vantagem, a depender do instituto. Lula, que cumpriu dois bem-sucedidos mandatos entre 2003 e 2010, promete "pacificar" o Brasil após quase uma década de turbulência econômica e política.

Em segundo lugar, está o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, que busca a reeleição. Bolsonaro ainda aposta numa inédita virada neste domingo. Embora uma eventual nova vitória provoque apreensão em diversos setores da sociedade brasileira, seu comportamento diante de uma eventual derrota também levanta temores.

O presidente já sinalizou diversas vezes que não pretende reconhecer uma vitória de Lula. Ao longo do ano, ele ainda insinuou que pode estimular uma ofensiva semelhante àquela lançada pelo seu ídolo, o ex-presidente americano Donald Trump, que em janeiro de 2021 instigou a invasão da sede do Congresso americano por uma turba de apoiadores radicais – tudo com o objetivo de tentar impedir a oficialização da sua derrota e a vitória do democrata Joe Biden.

O pleito foi marcado por uma particularidade: é a primeira vez que um presidente e um ex-presidente disputam diretamente uma eleição. Mas essas duas figuras Lula e Bolsonaro chegaram ao fim do segundo turno representando dois projetos que não poderiam ser mais antagônicos.

De um lado, Lula apostou sistematicamente na nostalgia, falando de um Brasil que as disputas podiam até ser acirradas, mas que nunca eram tão violentas. Mantendo sua antiga popularidade entre as camadas mais pobres, o ex-presidente costurou ainda uma "frente ampla" de centro. Sua vitória não apenas marcaria uma nova vitória para a esquerda na América do Sul, mas também culminaria numa reação bem-sucedida do centro político brasileiro contra o avanço da extrema direita, como ocorreu nos EUA e na França nos últimos dois anos, pelo menos no comando do Executivo.

Do outro lado, Bolsonaro liderou uma campanha focada em mobilizar permanentemente sua base radical e em pintar os adversários como a personificação do "mal".

Mesmo em desvantagem, o presidente fez poucos gestos para tentar se normalizar. Sua vitória marcaria não apenas uma inédita virada em eleições presidenciais, mas explicitaria que a extrema direita também foi capaz de fincar raízes no Planalto, abrindo a possibilidade para novas ofensivas contra o Judiciário e outros setores do Estado que ainda não estão sob a influência total do bolsonarismo. O presidente já deu sinais de que pretende, por exemplo, promover mudanças no Supremo Tribunal Federal (STF).

Pesquisa da Genial/Quaest divulgada nesta semana apontou que 62% dos eleitores de Bolsonaro afirmam que vão se recusar a aceitar uma eventual vitória de Lula. O percentual ficou 22 pontos acima do que registrado quando a mesma pergunta foi realizada em setembro.

Ainda que Lula apareça na liderança das pesquisas, a contagem de votos no segundo turno deve ser acirrada. Há dúvidas sobre qual deve ser o percentual da abstenção, que costuma ser maior no segundo turno. Nas últimas semanas, as pesquisas mostraram um grau de estabilidade raramente visto em disputas presidenciais, evidenciando um país praticamente dividido em campos cristalizados.

O primeiro turno já havia terminado com uma distância de pouco mais de seis milhões entre os dois principais candidatos – a menor diferença já registrada entre primeiro e segundo colocados na primeira fase de uma disputa presidencial.

Campanha de Bolsonaro chega ao fim do 2° turno na defensiva

Bolsonaro passou para o segundo turno como o primeiro presidente em busca da reeleição a terminar na segunda colocação.

No entanto, o resultado não deixou de ser visto como uma pequena vitória para o bolsonarismo, já que a votação do presidente foi bem superior a captada pelos institutos na véspera da primeira rodada, provocando um baque na campanha do PT, que tinha esperança de vencer a eleição já em 2 de outubro.

Na reta final do primeiro turno, o presidente recorreu ao mesmo arsenal que ajudou na sua vitória em 2018, fazendo amplo uso de medidas eleitoreiras e fake news e tentando pintar a disputa como uma "luta do bem contra o mal".

Além de receber uma votação maior que a esperada, o presidente ainda emplacou dezenas de aliados na Câmara, Senado e em governos estaduais, repetindo a "onda de direita" que marcou as eleições de 2018.

No entanto, a campanha de Bolsonaro no segundo turno logo começou a ser castigada por uma série de fatos negativos e permaneceu em modo defensivo. Adversários do Planalto resgataram vídeos ou fotos do presidente e passaram a associá-lo a práticas de canibalismo e satanismo, tentando quebrar o monopólio da extrema direita em táticas de ataque nas redes sociais.

Bolsonaro também produziu no segundo turno material que provocou repúdio. Em uma entrevista para um podcast, ele afirmou que havia "pintado um clima" entre ele e um grupo de adolescentes venezuelanas de 14 e 15 anos durante a visita a um abrigo em 2021. Ele também disse falsamente que as meninas seriam prostitutas.

Não demorou para Bolsonaro ser associado à pedofilia. Numa demonstração que sua campanha sentiu a má repercussão, Bolsonaro gravou um vídeo com um superficial pedido de desculpas, no qual ainda tentou se pintar como vítima da "esquerda".

Em 12 de outubro, em busca do voto católico – que pende mais para Lula, segundo pesquisas –, Bolsonaro foi a Aparecida do Norte. Mas em vez de produzir imagens positivas junto a esse eleitorado, a visita foi marcada por tumultos provocados por bolsonaristas, que chegaram a hostilizar jornalistas de uma rede católica.

O mesmo ocorreu em relação ao eleitorado do Nordeste e os menos favorecidos, considerados vitais para garantir uma virada na disputa. Logo após o primeiro turno, Bolsonaro relacionou o bom desempenho de Lula no Nordeste aos números de analfabetismo na região. Em um debate, associou os moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, a narcotraficantes.

Na reta final, novos fatos negativos. O ex-deputado Roberto Jefferson, cacique do PTB e aliado de Bolsonaro, disparou mais de 50 tiros de fuzil contra agentes da Polícia Federal, além de atirar granadas. Jefferson foi preso após oito horas de cerco. Inicialmente, o bolsonarismo tentou pintar o ex-deputado como um "mártir" frente a supostos abusos do STF, mas diante da gravidade do ataque, o presidente passou a tentar se distanciar do seu violento aliado.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, também deu sua contribuição para atrapalhar a campanha bolsonarista, ao defender mudanças na correção do salário mínimo, que repercutiram negativamente. Novamente, numa tentativa de estacar a sangria, Bolsonaro tentou criar um fato positivo durante o último debate, ao anunciar que pretende reajustar o salário mínimo para R$ 1.400 em 2023, acima da inflação. Mas o anúncio soou vazio, já que o Orçamento enviado pelo governo não prevê tal valor e Bolsonaro também não explicou como pretende financiar o novo valor.

Com tantos fatos negativos, a campanha de Bolsonaro tentou um golpe de propaganda para tomar as rédeas do noticiário e mobilizar sua base: uma suposta auditoria que comprovaria que o presidente vinha sendo prejudicado na veiculação de inserções de campanha em rádios do Nordeste, reduto eleitoral de Lula.

A "denúncia" foi apresentada de maneira bombástica pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria. Mas a falta de provas na auditoria e erros crassos na análise dos dados no apontamento de responsabilidade pela fiscalização logo fragilizaram o que vinha sendo anunciado como uma "bala de prata" da campanha bolsonarista. O próprio ministro Faria acabou recuando.

Na véspera da eleição, um novo episódio negativo envolvendo o bolsonarismo: a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) foi filmada sacando uma arma e perseguindo e acuando um homem em uma rua da região central de São Paulo.

Apesar do acúmulo de episódios de desgaste, as pesquisas mostraram que Bolsonaro não perdeu pontos durante a campanha do segundo turno. A disputa de 2022 mostrou a persistência do bolsonarismo e que o presidente ainda conta com uma parcela significativa de apoiadores ferrenhos, especialmente entre o eleitorado evangélico e setores mais ricos.

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro acumulou desgastes nos últimos quatro anos e durante a campanha, mas manteve eleitorado fielFoto: Adriano Machado/REUTERS

A frente ampla de Lula

A campanha de episódios negativos de Bolsonaro não poderia ter contrastado mais com a estratégia de Lula. Enquanto a bolsonarista Zambelli perseguia armada um homem nas ruas de São Paulo, o candidato do PT comandava o último comício da sua campanha, na avenida Paulista, ao lado do ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica.

No segundo turno, Lula continuou a apostar em mensagens de nostalgia pelo seu antigo governo, mas também mandou recados no âmbito da sua estratégia de "frente ampla", afirmando que, caso seja eleito, sua nova administração "não será só petista".

No segundo turno, Lula continuou a ampliar seu leque de apoios, arregimentando para sua campanha a terceira colocada na disputa presidencial do primeiro turno, a senadora Simone Tebet (MDB), além de conquistar o apoio do PDT de Ciro Gomes (o candidato derrotado não se engajou na campanha petista). Lula ainda recebeu declarações de apoio dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney.

Em contraste com 2018, quando seu substituto Fernando Haddad penou para conquistar apoios, Lula conseguiu arregimentar até mesmo antigos críticos ou adversários do PT, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa (relator do julgamento do Mensalão) e o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Internacionalmente, Lula recebeu manifestações de apoio dos primeiros-ministros da Espanha e Portugal e de publicações como o jornal New York Times e a revista científica Nature.

Lula
Lula tenta conquistar um terceiro mandato. Presidente montou uma verdadeira frente ampla de forças de centro para tentar derrotar a extrema direitaFoto: Roberto Casimiro/Fotoarena/IMAGO

Nos debates, Lula também tentou se concentrar em abordar problemas sociais, como fome e desemprego. Mas a campanha do petista também partiu para a ofensiva no segundo turno, algumas vezes adotando estratégias que costumavam ser monopólio da extrema direita, como a exploração da pauta de costumes, seja com vídeos desastrosos do próprio Bolsonaro ou usando boatos ou até notícias falsas. O deputado André Janones (Avante-MG) foi o principal protagonista da estratégia, inundando as redes sociais com acusações contra Bolsonaro.

Lula também tentou diminuir a sua rejeição em segmentos da sociedade em grande parte capturados pelo bolsonarismo, como os evangélicos. Em 19 de outubro, o ex-presidente publicou uma carta em que afirmou ser contra o aborto e que acredita "que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos" – numa clara tentativa de combater a teoria conspiratória bolsonarista que associa o PT à promoção de uma suposta "ideologia de gênero".

Lula ainda concentrou agendas no Sudeste, que concentra 42% do eleitorado do país, e onde Bolsonaro terminou com vantagem no primeiro turno.

Ciente de que, caso ganhe, ele será o presidente mais velho a tomar posse na história do Brasil, Lula, de 77 anos, disse que pretende ainda cumprir apenas um mandato.