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"Brasil viu também vitória de movimentos sociais"

Gabriel Bonis
2 de novembro de 2018

Pesquisadora da Universidade de Zurique diz que, apesar do avanço do conservadorismo, grupos marginalizados puderam quebrar barreira importante. São eles, afirma, que não deixarão Bolsonaro mudar imagem tão facilmente.

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Manifestante em ato pró-aborto no Rio de Janeiro
Manifestante em ato pró-aborto no Rio de JaneiroFoto: Reuters/R. Moraes

Nas eleições deste ano, o número de mulheres que conquistaram uma vaga no Senado seguiu no patamar de 2014: sete. Na Câmara dos Deputados, a presença feminina passou de 51 para 77, 15% do total. E apenas uma governadora, Fátima Bezerra (PT-RN), foi eleita.

Mesmo sendo mais da metade da população e do eleitorado, as mulheres seguem sub-representadas na política brasileira. Segundo dados do Banco Mundial, a média global de mulheres no parlamento é 23,6%. Na Argentina, por exemplo, é de 39%, e na Bolívia, de 53%. O Brasil está atrás até mesmo dos Emirados Árabes Unidos (22,5%).

"As maiores mudanças institucionais para impulsionar candidaturas de mulheres ocorreram por decisão judiciais. Os partidos resistiram a decisões do TSE e do STJ em relação à reserva de 30% do fundo de campanha para as candidaturas femininas. Esse dinheiro não foi distribuído como deveria", explica Malu Gatto, pesquisadora pós-doutoral no Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Zurique, na Suíça.

Apesar disso, uma quantidade significativa de mulheres feministas chegou ao Congresso, como Sâmia Bonfim e Talíria Petrone. Erica Malunguinho foi a primeira mulher transgênero negra a se eleger deputada estadual em São Paulo. "Foi uma eleição de polarização. Apesar de o conservadorismo ter obtido a maioria das vagas, tivemos uma vitória grande de movimentos sociais e grupos que não fazem parte da política."

Para Gatto, que estuda representação política no Brasil, a gestão de Jair Bolsonaro deve afetar setores da sociedade de forma diferente. "Uma das coisas que ouvi muito nestas eleições foi que não importava se Bolsonaro era homofóbico, misógino ou racista porque as pautas mais importantes eram saúde, educação e segurança pública. Mas essas políticas passam por recortes raciais, de gênero e de orientação sexual."

DW Brasil: O presidente eleito Jair Bolsonaro recebeu atenção negativa no exterior. O que ele deve fazer para melhorar sua imagem global?

Mallu Gatto: Percebe-se que Bolsonaro está tentando mudar sua imagem para a de alguém não extremista. Ele tem buscado o apoio de grupos marginalizados contra os quais vinha falando de uma maneira negativa e ameaçadora. A esposa dele deu uma entrevista apresentando-o como amoroso e tolerante. Por outro lado, os movimentos sociais estão percebendo isso e não vão deixá-lo mudar sua imagem facilmente. Eles não vão permitir que comentários de Bolsonaro sejam esquecidos em nível nacional, nem a sua história de intolerância. Ainda não é possível saber até que ponto o presidente eleito conseguirá remediar sua imagem no contexto global.

Bolsonaro apresentou-se como um candidato antissistema. Ele conseguirá governar desta forma?

Creio que veremos a política sendo feita de maneira similar à forma atual. Muita gente dizia que Bolsonaro não teria governabilidade, mas isso não é verdade. O PSL tem a segunda maior bancada na Câmara e o Congresso eleito é extremamente conservador. O presidente deve ter o apoio de grande parte da bancada BBB. Essa governabilidade vai seguir os padrões do presidencialismo de coalizão. A eleição dele representa um desejo antissistema, até mais do que um antipetismo. Mas ele não vai conseguir mudar radicalmente a forma de fazer política.

Quais as suas preocupações em relação ao futuro governo?

É importante avaliar como esse governo vai ter impactos desproporcionais para diferentes grupos da população. Uma das coisas que ouvi muito nestas eleições foi que não importava se Bolsonaro era homofóbico, misógino ou racista porque as pautas mais importantes eram saúde, educação e segurança pública. Mas sabemos que essas políticas passam por recortes raciais, de gênero e de orientação sexual. Temos que monitorar para que não haja retrocessos para grupos marginalizados. Em termos de segurança pública, sabemos que homens negros jovens são os que mais morrem no Brasil. Ao que tudo indica, as políticas públicas de segurança vão afetar a população negra de maneira muito mais forte. Ainda é difícil de estimar isso, mas grupos marginalizados, como negros, mulheres e LGBTs, estão assustados e com medo. Precisamos entender o porquê disso.

O que você espera da participação militar neste governo?

Não está claro ainda, mas a presença dos militares vai ser mais forte do que no passado. Já vemos algumas coisas que preocupam por conta da história recente de ditadura. Não creio que haverá uma volta da ditadura, mas ocorrerá a erosão das instituições democráticas. Haverá cada vez mais a pauta da Escola Sem Partido, autoritarismo dentro das universidades e uma restrição maior de liberdade de expressão de mídia. Isso deve ocorrer de forma institucionalizada ou ad hoc, por conta do não controle de atores. Não vai ser Bolsonaro que sairá à rua para ameaçar LGBTs e negros, mas as pessoas que acreditaram no discurso normalizado e autoritário talvez o façam pelas suas próprias mãos.

Como você vê a sub-representação feminina no Legislativo?

Neste ano houve uma renovação grande, que se deu a muito custo. Os políticos tradicionais fizeram de tudo para proteger o seu espaço de poder. E isso é uma questão histórica. Para as mulheres, como um grupo sub-representado, essa sempre foi uma pauta difícil de marcar no Congresso. Vê-se isso desde 1995, quando as primeiras cotas foram discutidas. As maiores mudanças institucionais para impulsionar candidaturas de mulheres ocorreram por decisão judiciais, não pelo Legislativo. Com as decisões do TSE e do STJ em relação à reserva de 30% do fundo partidário e de campanha para as candidaturas femininas, houve uma resistência enorme dos partidos. Esse dinheiro não foi distribuído da maneira que deveria. A intenção era que promovesse a representação das mulheres no Legislativo, mas isso não aconteceu. As mulheres, principalmente vindas de movimentos sociais e de partidos de esquerda, conseguiram chegar à Câmara dos Deputados. Haverá uma representação maior de mulheres feministas, que farão forte oposição em um Congresso mais conservador.

Erica Malunguinho foi a primeira mulher transgênero negra a se eleger deputada estadual em São Paulo. Fabiano Contarato, abertamente homossexual, conquistou uma vaga no Senado pelo Espírito Santo. Essas vitórias são uma resistência ao conservadorismo?

Sim. Elas são simbólicas e importantes para trazer a voz a grupos marginalizados. Mesmo algumas pessoas que não foram eleitas tiveram apoio substantivo. Duda Salabert, em Minas Gerais, foi bem votada. Ela fez uma campanha muito significativa como a primeira mulher travesti da América Latina a se candidatar ao Senado. Essa foi uma eleição de polarização. Apesar de o conservadorismo ter conquistado a maioria das vagas, houve uma vitória grande de movimentos sociais e de grupos que historicamente não fazem parte da política. Para eles, quebrar essa barreira é bem mais difícil. Então esses ganhos são muito importantes. Grande parte destas campanhas foi feita com pouquíssimos recursos, na rua e de forma coletiva.

Acredita que o governo Bolsonaro terá mulheres em posição de destaque?

Na gestão Temer existiu uma comoção internacional e doméstica tão grande com a ausência de mulheres que ele precisou se ajustar. Não creio que Bolsonaro vá colocar mulheres por uma pauta de inclusão, até porque ele já diminuiu essa questão da representatividade de gênero e raça. Ele vai colocar para não sofrer esse tipo de crítica.

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