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Bolsonaro radicaliza conflito institucional mirando 2022

8 de setembro de 2021

Nas ruas, presidente intensificou ataques a ministros do Supremo e urnas eletrônicas. Partidos de centro-direita anunciam consultas sobre impeachment, e cientistas políticas projetam crise permanente até próximo pleito.

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Bolsonaro sauda apoiadores na Paulista após seu discurso
Em São Paulo, Bolsonaro saudou apoiadores na Paulista após seu discursoFoto: Amanda Perobelli/REUTERS

Jair Bolsonaro conseguiu parte do que queria neste feriado de 7 de setembro. Cerca de 125 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar de São Paulo, encheram diversos quarteirões da Avenida Paulista, o suficiente para registrar a "fotografia para o mundo" que ele buscava. 

Por outro lado, o presidente dizia esperar dois milhões de pessoas na avenida, e o ato em Brasília, que não teve estimativa de público divulgada pela Polícia Militar do Distrito Federal, juntou menos pessoas do que o esperado pelos bolsonaristas, que se prepararam por semanas para o evento. Houve também atos pró-governo nas demais capitais do país.

Em seus discursos nesta terça, Bolsonaro voltou a ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal e a questionar a segurança das urnas eletrônicas. Com isso, oxigenou a sua base de apoiadores fieis, que representa cerca de um quarto da população, e deu mais um passo na sua estratégia de desgastar instituições democráticas e preparar o terreno para questionar o resultado da eleição de 2022, na qual pesquisas projetam sua derrota.

O ataque mais duro foi contra o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos no Supremo que apuram a organização de atos antidemocráticos e a propagação de mentiras para desacreditar as urnas eletrônicas. Bolsonaro disse que não cumprirá eventuais decisões de Moraes que o atinjam e chamou o ministro de "canalha". Contra Luís Roberto Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente disse que ele estaria patrocinando uma "farsa" ao dizer que o processo eleitoral seria "seguro e confiável, porque não é".

Bolsonaro também voltou a dizer que as únicas opções para seu futuro político seriam ser morto, preso ou vencer, e enfatizou que "nunca" será preso. "Quero agradecer a Deus pela vida e pela missão. E dizer aqueles que querem me tornar inelegível: só Deus me tira de lá", afirmou.

No ato de Brasília, o presidente anunciou que reuniria nesta quarta o Conselho da República para "mostrar para onde nós todos deveremos ir". Trata-se de um órgão consultivo para ser ouvido em caso de decretação de estado de defesa ou de sítio – ambos precisam do aval do Congresso para entrarem em vigor. Mais tarde, porém, assessores do Palácio do Planalto informaram aos membros do conselho, que incluem os presidente da Câmara e do Senado, que não haveria reunião nesta quarta.

O temor de que haveria conflitos violentos e a invasão do prédio do Supremo nesta terça não se confirmou. Manifestantes que tentaram romper o último cordão de isolamento próximo à Praça dos Três Poderes foram dissuadidos com spray de pimenta. Tampouco houve presença ostensiva de policiais militares participando dos atos, nem grandes choques entre bolsonaristas e integrantes da oposição, que também organizaram protestos em diversas cidades no Grito dos Excluídos, tradicionalmente realizado no 7 de setembro.

Um novos ato contra o presidente será promovido na Avenida Paulista no próximo domingo, organizado por movimentos de direita e centro-direita que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff e hoje pedem a queda de Bolsonaro, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua.

Nesta terça, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convocou uma reunião da executiva nacional do partido para esta quarta, tendo em vista as "gravíssimas declarações do presidente da República", que discutirá o apoio da legenda a um processo de impeachment contra Bolsonaro. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, anunciou a criação de uma comissão para decidir a posição do seu partido sobre o pedido de impeachment do presidente. Segundo a CNN Brasil, o Solidariedade e o MDB também consultarão suas bancadas para avaliar a posição sobre o pedido de afastamento de Bolsonaro.

Baixa popularidade e acúmulo de crises

Os atos pró-governo foram realizados em um momento que o presidente atravessa sua pior avaliação entre a população. Segundo pesquisa realizada pelo PoderData em 30 de agosto a 1º de setembro, 27% dos brasileiros aprovam Bolsonaro, a pior marca desde que ele tomou posse. Outros 63% desaprovam o seu governo.

Apesar do momento ruim para o presidente, ele conta com o apoio de cerca de um quarto da população. Segundo o PoderData, 25% consideram o seu governo ótimo ou bom. Quando Dilma foi afastada do cargo de presidente, 13% consideravam seu governo ótimo ou bom, e Fernando Collor deixou o Palácio do Planalto com 9% de ótimo ou bom. Se as eleições fossem hoje, porém, Bolsonaro perderia para Lula no segundo turno, por 55% a 30%.

O presidente também está em uma escalada de confronto com o Poder Judiciário, que desde o início de agosto intensificou ações para colocar limites a tentativas do presidente e do seu entorno de descreditar instituições democráticas. O TSE autorizou a abertura de um inquérito administrativo, na esfera eleitoral, e Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito sobre atos antidemocráticos. O ministro também autorizou ações de busca e apreensão e prisões preventivas contra bolsonaristas acusados de atentar contra as instituições, a pedido da Procuradoria-Geral da República.

Na economia, os resultados tampouco são bons. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre recuou 0,1% em relação ao trimestre anterior. Em agosto, o Banco Central aumentou a taxa básica de juros, a Selic, pela quarta vez seguida, e prevê uma nova alta em setembro, para controlar a inflação, que está acima da meta. O desemprego está no seu patamar mais alto da série histórica, e o país enfrenta risco de apagões devido à crise hídrica, com reflexo no aumento do preço da energia.

O apoio do presidente entre os grandes empresários, fundamental para a sua vitória em 2018, também mostra fraturas. Um manifesto apoiado por cerca de 200 entidades de classe, como a Associação Brasileira de Agronegócio e a Federação Brasileira de Bancos, foi preparado em agosto para pedir a pacificação do clima institucional, mas não chegou a ser divulgado por decisão da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

No Congresso, Bolsonaro não encontra no momento oposição firme do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e que desfruta do controle sobre a destinação de parte das emendas orçamentárias. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tem buscado mostrar diferenças em relação a Bolsonaro e divulgou mensagem em suas redes sociais pedindo "absoluta defesa do Estado Democrático de Direito".

Bolsonaro fala em microfone
"[Quero] dizer aqueles que querem me tornar inelegível: só Deus me tira de lá", afirmou BolsonaroFoto: Sergio Lima/AFP/Getty Images

"Conflito institucional vai se radicalizar"

Magna Inácio, professora de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista na relação entre Legislativo e Executivo, afirma à DW Brasil que os atos desta terça mostraram um claro movimento de radicalização do governo no conflito institucional contra Judiciário e Congresso que, "se não for interrompido", irá se intensificar até o pleito de 2022. A estratégia, diz, tem o objetivo de questionar o resultado das urnas "em um contexto em que o presidente se mostra inviável eleitoralmente".

"Viveremos um estado de mobilização permanente, com a economia e políticas públicas paralisadas e a sociedade sofrendo as consequências de uma estratégia de radicalização [de Bolsonaro]", diz.

Ela identifica um desgaste crescente do presidente, inclusive entre setores econômicos importantes e partidos de centro-direita. "Chega um ponto que é difícil os partidos não se manifestarem. Bolsonaro está dizendo, com todas as letras, não não interessa mais o jogo institucional com Congresso e Judiciário", afirma. "Não se trata só de retórica."

Inácio destaca que a postura anti-institucional de Bolsonaro tem potencial para desgastar inclusive sua relação com o Centrão, apesar de o grupo de partidos estar representado no governo e ter o controle de verbas para parlamentares, e que a fala de Bolsonaro de que não obedeceria a uma ordem judicial do Supremo "configura um claro crime de responsabilidade".

"18 meses de investidas"

A antropóloga Isabela Kalil, professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e coordenadora do Observatório da Extrema Direita (OED Brasil), afirma que a participação do presidente em eventos que questionam instituições democráticas vem ocorrendo há, pelo menos, 18 meses, e que em cada um desses atos ele vai "testando e ultrapassando um pouco os limites". 

"É um processo. Se Bolsonaro não tiver nenhum tipo de contenção e constrangimento institucional, isso não vai acabar agora. O cenário que se delineia é isso continuar até o período eleitoral", afirma.

Ela menciona que, entre os apoiadores do presidente, uma parte mais radicalizada da sua base estava considerando que Bolsonaro não estaria sendo "radical o suficiente", uma demanda que deve ser parcialmente atendida com as declarações desta terça. 

Chamou a atenção de Kalil a referência de Bolsonaro, no final do discurso em São Paulo, aos que querem o "tornar inelegível". "O ataque ao Supremo representa também um ataque à Justiça Eleitoral", diz.

O anúncio de Bruno Araújo, presidente do PSDB, sobre uma reunião para tratar do impeachment de Bolsonaro, foi um desdobramento relevante dos atos, diz Kalil, considerando que o partido e o PT são as duas legendas mais importantes em eleições para presidente. "Parece sinalizar que possamos ter uma mudança nessa oposição", afirma.

"Sociedade civil precisa mostrar força"

A cientista política Beatriz Rey, pesquisadora da universidade americana Johns Hopkins, avalia que o discurso de Bolsonaro, especialmente em São Paulo, foi um passo além dos ataques costumeiros do presidente a instituições democráticas e serviu para o presidente tentar "mostrar força" em um momento em que ele está "cada vez mais encurralado".

"Ele perdeu popularidade, vê pesquisas eleitorais indicando que ele não ganha contra Lula, temos crise sanitária, crise hídrica, crise econômica. Está sendo encurralado de diversas maneiras na sua forma de governar, mas também no aspecto pessoal [por conta dos inquéritos no STF e no TSE]", diz.

Rey afirma que, se as consultas de partidos de centro-direita às suas bases sobre o impeachment se materializar em pressão sobre o presidente da Câmara, "pode ser que ele [Bolsonaro] tenha subido demais o tom antidemocrático".

Ela projeta a continuidade de ameaças golpistas do presidente até as eleições, em um ambiente de permanente crise institucional, e diz ser importante a sociedade civil definir estratégias conjuntas de ação para o futuro próximo.

"Está tendo movimentação da oposição, que organizou manifestações. Há reação do Judiciário. Mas precisamos de mais manifestações contundentes, é a hora de sair em defesa da democracia, e a sociedade civil reagindo com força pode ajudar os outros poderes a deter essa aventura [de Bolsonaro]", diz.