1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Bolsonaro agradece a Putin por apoiar soberania na Amazônia

16 de fevereiro de 2022

Em Moscou, presidente brasileiro chama Putin de "prezado amigo". Sem mencionar crise da Ucrânia, manifesta solidariedade aos "países que se empenham pela paz". E demonstra interesse em comprar reatores nucleares russos.

https://p.dw.com/p/477kV
Jair Bolsonaro e Vladimir Putin se cumprimentam
Encontro de Bolsonaro e Putin estava sendo planejado desde novembro de 2021Foto: Mikhail Klimentyev/Russian Presidential Press Office/TASS/imago images

O presidente Jair Bolsonaro agradeceu nesta quarta-feira (16/02) o presidente russo, Vladimir Putin, após reunião entre ambos em Moscou, pelo empenho em defender a soberania brasileira sobre a região da Floresta Amazônica.

"Quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da humanidade, eu quero agradecer a sua intervenção, que sempre esteve ao nosso lado em defesa da nossa soberania", afirmou o líder brasileiro.

A fala de Bolsonaro refere-se a um embate ocorrido em agosto de 2019 entre ele e o presidente francês, Emmanuel Macron. Diante do aumento dos registros de queimadas na Amazônia, Macron classificou os incêndios como uma "crise internacional" e pediu que os países do G7 discutissem o tema.

Bolsonaro então acusou seu homólogo francês de "instrumentalizar uma questão interna" do Brasil para "ganhos políticos", fazendo uso de uma "mentalidade colonialista descabida".

Em novembro daquele ano, o Brasil conseguiu incluir no texto final da declaração da 11ª Cúpula dos Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul – que a cooperação internacional sobre as florestas "deve respeitar a soberania nacional".

Sem referência à Ucrânia, com defesa da paz

A viagem de Bolsonaro estava planejada desde novembro de 2021, mas ocorreu em um momento de agudo confronto diplomático entre a Rússia e países do Ocidente, após Moscou ter mobilizado cerca de 130 mil militares na fronteira da Ucrânia.

Jair Bolsonaro gesticula
Presidente brasileiro disse ser "solidário" à Rússia, sem especificar o temaFoto: Mikhail Klimentyev/Russian Presidential Press Office/TASS/imago images

Momentos antes da reunião a portas fechadas, Bolsonaro disse, ao lado de Putin, ser solidário à Rússia, sem especificar se se referia ao conflito na Ucrânia.

Após a reunião, o líder brasileiro adotou um discurso em defesa da paz. Disse ser solidário "a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz". "Pregamos a paz e respeitamos todos aqueles que agem dessa maneira", afirmou o brasileiro.

Interesse em reatores russos

Bolsonaro afirmou também que pretende ampliar a cooperação entre os dois países, inclusive por meio da compra de reatores nucleares de baixa capacidade, conhecidos como reatores modulares pequenos (SMR, na sigla em inglês), produzidos pela estatal russa Rosatom. "Temos interesse nos pequenos reatores nucleares modulares", afirmou o presidente brasileiro.

Putin, por sua vez, afirmou que a Rosatom "está pronta para participar da construção de novas usinas no Brasil, inclusive usinas nucleares de baixa capacidade, tanto em terra como em versões flutuantes". Segundo o líder russo, a estatal detém "uma experiência única e uma tecnologia sem comparação em todo o mundo".

Fertilizantes e agronegócio

O líder brasileiro disse ainda que seu governo buscava garantir o fornecimento de fertilizantes produzidos na Rússia. O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes usados no seu agronegócio, e a Rússia é um dos maiores produtores do mundo.

"O Brasil é uma potência, em especial no agronegócio, existe muito interesse da nossa parte no comércio de fertilizantes, no que sou grato ao prezado amigo", afirmou.

O presidente brasileiro disse que há "amplas oportunidades" para ampliar as parcerias entre os dois países nas áreas de exploração de gás, petróleo e derivados, exploração em águas profundas e hidrogênio.

Bolsonaro e Putin sentados em sala com dois assessores
Por ter feito exames de PCRs aplicados pela autoridade de saúde russa, Bolsonaro foi autorizado a ficar próximo de Putin Foto: Mikhail Klimentyev/Russian Presidential Press Office/TASS/imago images

Ele afirmou que, no encontro com Putin, notou o "interesse russo em plantas habilitadas brasileiras para a aquisição de produtos de origem animal". A importação de carne bovina e suína brasileira pela Rússia sofre restrições sanitárias desde 2017, que começaram a ser superadas em novembro passado.

Putin, por sua vez, disse que a reunião havia sido "substancial e construtiva", e ressaltou a aprovação de uma declaração conjunta entre os dois países "que reflete os principais pontos para o aprofundamento da cooperação russa-brasileira". "O Brasil é o principal parceiro comercial da Rússia na América Latina e no Caribe", afirmou.

A declaração conjunta reafirma o compromisso dos dois países com a não proliferação de armas nucleares e o apoio à Organização para a Proibição de Armas Químicas, entre outros pontos.

Proximidade física

Durante a reunião, Bolsonaro e Putin sentaram-se próximos, acompanhados de tradutores. A pouca distância entre os dois líderes destoou de reuniões recentes de Putin com o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, e com presidente da França, Emmanuel Macron, que foram colocados na cabeceira de uma longa mesa branca, do lado oposto ao do líder russo.

Ao contrário de Scholz e Macron, Bolsonaro aceitou que os exames de PCR para verificar se ele não estava infectado pela covid-19 fossem realizados pelas autoridades de saúde russas, o que permitiu a maior proximidade com Putin. Os líderes alemão e francês optaram por realizar o exame com médicos de seus próprios países. Segundo agências de notícias internacionais, o governo francês não queria fornecer aos russos uma amostra do DNA de seu presidente.

Reunião entre ministros

Antes do encontro entre Bolsonaro e Putin, reuniram-se também em Moscou os ministros da Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, e da Rússia, Serguei Lavrov, e os ministros da Defesa do Brasil, Walter Braga Netto, e da Rússia, Serguei Choigu, em um formato conhecido como "2+2".

Na reunião, Lavrov tratou da tensão sobre a Ucrânia e fez críticas aos Estados Unidos, que segundo o russo teriam a intenção "de dividir o mundo em duas partes, países democráticos e não democráticos". O russo afirmou que a Casa Branca tenta substituir o direito internacional "pelas suas próprias regras", e disse que a expansão da Otan em direção ao leste cria "ameaças diretas à Rússia".

O chanceler russo reforçou ainda o apoio de Moscou à pretensão brasileira de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que já havia sido expressado em 2014. "Estamos interessados no papel independente da América Latina e do Caribe no cenário internacional, e vemos o papel central do Brasil no desenvolvimento dessa importante região do mundo", afirmou Lavrov.

França não se manifestou sobre a crise envolvendo a Ucrânia. Ele disse que o Brasil e a Rússia trataram de cooperação técnico-militar e anunciou que o Gabinete de Segurança Institucional brasileiro firmou um acordo com o órgão homólogo russo sobre proteção de dados, que facilitaria a troca de informações entre os dois países de acordo com a lei brasileira de proteção de dados.

Já Walter Braga Netto disse que a cooperação técnico-militar com a Rússia se tornaria uma das questões mais importantes nas relações bilaterais. "Estamos interessados na utilização da tecnologia e experiência russa em tecnologias militares e no intercâmbio dessas tecnologias para reforçar as suas capacidades de defesa", afirmou o ministro da Defesa brasileiro.

Momento conturbado

Os Estados Unidos chegaram a pressionar Bolsonaro para cancelar a viagem à Rússia, em função do simbolismo que a visita do presidente brasileiro poderia ter em um momento de embate entre o Ocidente e a Rússia em torno da Ucrânia, mas o brasileiro manteve a visita.

O cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou à DW que o objetivo do brasileiro era mostrar prestígio ao ser fotografado, em ano eleitoral, ao lado de um importante líder estrangeiro, que representa valores conservadores e anti-democráticos semelhantes aos do próprio Bolsonaro.

Nesta quarta, Bolsonaro viaja para Budapeste, onde também se encontrará com outro líder conservador e iliberal, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.

bl/lf (EFE, Lusa, ots)