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Bicentenário confirma potencial polêmico de Richard Wagner

Rick Fulker | Augusto Valente
14 de julho de 2013

Como em vida, poeta, ensaísta, dramaturgo, maestro, encenador e, sobretudo, compositor genial nascido em 1813 em Leipzig segue dividindo opiniões. Ele conseguiu impor sua arte a um mundo que não a desejava – felizmente.

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Foto: picture-alliance/dpa

Consta que ele é a pessoa sobre quem mais já se escreveu na história da humanidade – excetuados Jesus Cristo e Napoleão Bonaparte. No bicentenário de seu nascimento, o compositor alemão Richard Wagner continua polarizando as opiniões.

Para uns, ele é o genial criador do gesamtkunstwerk, a obra de arte total; Outros o rejeitam até hoje, com base em seus escritos antissemitas. Seja como for, atualmente suas óperas são mais encenadas do que nunca.

Entre a poesia e a música

Ele nasceu em 22 de maio de 1813 numa família de classe média em Leipzig, no leste da Alemanha. O pai, Friedrich Wagner, era escrivão da polícia; a mãe, Johanna Rosine (Pätz, em solteira), filha de um padeiro.

Mas o garoto batizado Wilhelm Richard Wagner interessou-se desde cedo pelo teatro. De início, seu intuito era tornar-se poeta. Porém a inclinação profissional mudou quando, aos 16 anos, assistiu a uma apresentação da ópera Fidelio, de Ludwig van Beethoven.

Agora Wagner queria ser compositor. Já em 1831, durante o estudo de música, planejou escrever sua primeira ópera. Em vez de, como era usual, basear-se num texto dado ou desenvolvido em conjunto com um escritor, escreveu ele mesmo o libreto – um procedimento criativo que manteria por toda a vida.

O sonho do gesamtkunstwerk

Christine Wilhelmine 'Minna' Planer
Atriz Minna Planer, a primeira esposaFoto: Hulton Archive/Getty Images

Aos 20 anos, Richard Wagner dirigia o teatro da cidade de Magdeburg. Lá apaixonou-se pela atriz Christine Wilhelmine (Minna) Planer, que desposou em 1836. A província russa de Riga (hoje a capital da Letônia) e Paris foram as próximas estações na trajetória do artista irrequieto, atormentado por dificuldades financeiras e pelos credores.

Apesar da pobreza em que o casal vivia na capital francesa, lá ele completou suas óperas de juventude Rienzi e O navio fantasma. Nessa época, Wagner passou a se interessar pelas tendências revolucionárias de esquerda.

Em 1842, mudou-se para Dresden, onde assumiu o posto de mestre de capela da corte saxônica. Sua revelação como compositor veio em outubro do mesmo ano, com a estreia de Rienzi.

Wagner trabalhava em várias obras ao mesmo tempo, acalentado pela visão de uma fusão inédita de poesia, música e ação cênica numa "obra de arte total". Sua meta era nada menos do que "a representação incondicional, imediata, da natureza humana em sua integralidade".

Numa entrevista recente à DW, sua bisneta, Katharina Wagner, comentou assim essa ambição: "As obras de Wagner tratam de elementos fundamentais da existência humana, e de sentimentos básicos como ciúme, poder, amor, ódio. São coisas que, é claro, sempre serão atuais, enquanto a humanidade existir".

Richard Wagner mit Ehefrau Cosima
Cosima, Richard Wagner, Franz Liszt e educador Heinrich von Stein, em quador de Wilhelm BeckmannFoto: picture-alliance/dpa

Deus ex machina

Em 1849 o compositor participou da Revolução de Maio em Dresden. Em consequência, passou a ser procurado pela polícia, tendo que abandonar a Alemanha. Só retornaria ao país natal 15 anos mais tarde: desesperado e em sérios apuros financeiros, declarou-se à beira do suicídio.

Foi aí que – como o deus ex machina das tragédias gregas, que garante um improvável final feliz – chegou-lhe uma carta do rei da Baviera, Ludwig 2º, então com 18 anos de idade. Entusiasta da obra de Wagner, o monarca idealista sustentaria o compositor até o final da vida.

Ao fim de muitos romances amorosos – tanto antes como depois da morte da esposa, Minna, em 1866 – Wagner passou a viver com Cosima von Bülow na suíça Tribschen, perto de Lucerna. Ela era filha de Franz Liszt e esposa do regente Hans von Bülow, amigo íntimo e mecenas do compositor. Richard e Cosima tiveram três filhos, antes que ela se divorciasse e ambos pudessem finalmente se casar.

Porém foi na cidadezinha bávara de Bayreuth que Wagner encontrou terreno fértil para realizar sua visão do gesamtkunstwerk. Longe do burburinho cultural das metrópoles, no teatro projetado pelo próprio artista, o público teria a chance de se concentrar inteiramente na interação wagneriana de música, trama e cenografia.

Esse sonho se concretizou em agosto de 1876, com a estreia da tetralogia operística O anel do nibelungo. E, apesar de o primeiro festival de Bayreuth ter sido um desastre financeiro e um fiasco artístico, em 1882 o visionário artista ainda teve a oportunidade de vivenciar a estreia de uma obra sua na "Colina Verde": a "peça cênica sacra" Parsifal.

Richard Wagner faleceria no ano seguinte, em Veneza.

Das Festspielhaus in Bayreuth
Teatro dos Festivais de Bayreuth, na "Colina Verde"Foto: DW/M.Weident

E hoje?

Por que Wagner ainda fascina tanto, hoje em dia? Ele conta entre os mais influentes compositores da história. Sua música, de romantismo exuberante, segue deixando os ouvintes arrepiados. A maioria reage ou com entusiasmo ou com rejeição: são bem poucos aqueles que ela deixa indiferentes.

Wagner queria revolucionar o teatro e a ópera, acabou se envolvendo pessoalmente numa revolução, para depois identificar-se com as correntes nacionalistas alemãs.

Ele era nacionalista? Nacional-socialista? O que dizem a respeito os seus numerosos ensaios, como se deve interpretá-los? Difícil dizer com certeza, pois para cada tese do artista encontra-se lá também a antítese.

Richard - Wagner - Denkmal Berlin Tiergarten
Monumento ao compositor, no parque Tiergarten de BerlimFoto: cc by-sa/Eisenacher

As contradições em torno da personagem e do homem parecem quase intransponíveis. Um exemplo é o seu antissemitismo: apesar de todos os escritos, declarações e atitudes inequívocas nesse sentido, ele não dispensava os judeus entre seus fãs, colaboradores artísticos e, sobretudo, mecenas.

E o que diz a sua música? Será que, como os ensaios, ela contém elementos antissemíticos? Também isso é tema de debates, até hoje mas, para o regente alemão Christian Thielemann, tais discussões são sem sentido.

"Não se pode politizar a música. Este sempre foi o grande mal entendido, em todos os tempos", comentou à DW. "A escolha de um andamento em Os mestres-cantores de Nurembergue não tem nada a ver com política: é algo que se precisa fazer em nome da peça. Se a pessoa o faz com segundas intenções, então é uma pena, ou então totalmente errado."

Por que causa Wagner se batia? No fim das contas, por uma única: ele próprio. Além de poeta, ensaísta, dramaturgo, maestro, encenador, compositor, é preciso incluir os conceitos de "networker" e "autopromotor" ao descrever esse multitalento. Ele impôs sua arte a um mundo que não a queria. E hoje somos gratos a ele por isso.