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Berlim já era! Mas quem se importa?

Lavinia Pitu / Marco Sanchez19 de março de 2014

A imprensa internacional escreve que Berlim perdeu o seu charme. Os verdadeiros berlinenses estão pouco se importando com essa história.

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Foto: DW/A. Kirchhoff

Desde a queda do Muro, Berlim é aclamada como uma das cidades mais legais do planeta, com uma intensa e agitada vida noturna e clubes onde tudo pode acontecer. Uma cidade onde a única regra é a diversão acompanhada de cerveja boa e barata. A capital não só da Alemanha, mas também do sexo, das drogas e da música eletrônica. Mas tudo isso é passado, a julgar pelo que diz a imprensa internacional.

A notícia de que Berlim já era foi como uma faca no coração de alguns berlinenses, que nunca duvidaram viver na melhor cidade do mundo. E agora essa cidade maravilhosa e tão amada simplesmente deixou de ser in? Para os mais radicais, quem diz isso só pode estar ficando louco.

Tudo começou com uma resenha sobre o Berghain – também conhecido como o melhor clube do mundo – na revista Rolling Stone. Localizado num sombrio prédio industrial na antiga Berlim Oriental, o templo underground do techno já foi descrito como uma experiência "quase religiosa", mas, com o boom pós-Reunificação, rapidamente passou de uma dica de descolados locais para atração turística.

Apesar de os seguranças na porta do clube continuarem tão rígidos quanto a arquitetura do prédio – mesmo depois de horas na fila, muitas pessoas são barradas – os chamados easyjet setters (baladeiros que vêm para Berlim só para o fim de semana) deram um novo significado à filosofia de "fazer parte" criada pelo clube e acabaram influenciando a imagem da própria cidade. Se o Berghain não é mais o que costumava ser, o mesmo vale para Berlim.

Club Berghain in Berlin
Tudo começou com uma resenha do icônico clube BerghainFoto: picture-alliance/dpa

Depois do artigo da Rolling Stone, o New York Times e os jornais alemães Tagesspiegel e Süddeutsche Zeitung, além de diversas plataformas de mídias sociais, também entraram na história. E todos chegaram à mesma conclusão: Berlim está fora de moda. E agora?

O New York Times cita um artista de 25 anos de Nova York que compara o Berghain com o bairro nova-iorquino do Brooklyn, dizendo que ambos eram espaços criativos e alternativos que se transformaram em locais de classe média alta.

Mas como a meca dos descolados perdeu seu charme assim, do dia para a noite? Para a maioria dos berlinenses, há duas possibilidades: ou a culpa é deles mesmos, ou se trata de uma conspiração internacional.

Revolução contra evolução

Teoria número um: a da própria culpa. Quem olha torto para os alemães de outras regiões que se mudaram aos bandos para Berlim e levaram consigo muitos dos estereótipos alemães, "infectando" o espírito alternativo da cidade? E quem reclama dos turistas de todo o mundo, que deixam bilhões de euros na cidade e impulsionam assim a rápida modernização de Berlim? E quem reclama que as ruas dos bairros alternativos estão ficando chiques demais?

Resposta: os próprios berlinenses. Eles reclamaram tão alto que o mundo inteiro ouviu – e agora o mundo inteiro está repetindo o que ouviu. E isso não acontece pela primeira vez: quando os berlinenses espalharam pelo mundo que a cidade deles é a mais cool de todas, as pessoas também prestaram atenção e repetiram isso pelo mundo. O que se esperava desta vez? Que ninguém prestasse atenção?

Berlin East Side Gallery
Jovens turistas invadem a cidade nos fins de semanaFoto: picture-alliance/dpa

Além disso, qual o problema nessa evolução? É verdade que os preços dos aluguéis estão subindo, que velhos bares estão sendo substituídos por caras boutiques, que muitos clubes estão fechando as portas e que restaurantes caros e chiques estão proliferando pela cidade. De um modo geral, o clima de anarquia dos anos pós-queda do Muro está um pouco mais brando.

Mas, e daí? Esse dinamismo também pode ser interessante. Cidades como Nova York, Paris e Londres já passaram por isso há muito tempo, só que os descolados berlinenses não gostam dessa comparação, já que querem ser alternativos e diferenciados.

Teoria número dois: a conspiração. Diversas pesquisas indicaram que Berlim vai ser sempre um bom lugar para se viver: a melhor relação custo-benefício para os turistas, a cidade mais verde da Europa, o design mais inovador, os clubes mais descolados e muita diversão por pouco dinheiro.

O mundo todo prestou atenção quando David Bowie disse que foi em Berlim que ele experimentou a liberdade como em nenhum outro lugar. Naquele momento ele se tornou o herói não só de quem vive em Berlim, mas também de quem ama a cidade e suas possibilidades. Berlim, a personificação da liberdade.

Depois de anos ouvindo esse discurso autocelebratório e repetitivo, o mundo provavelmente ficou de saco cheio. O resultado é uma conspiração das outras grandes cidades para depreciar a ultra-sexy Berlim e seus descolados moradores e reconquistar assim as atenções do planeta.

Christiane F. Wir Kinder Vom Bahnhof Zoo David Bowie
Bowie disse que em Berlim conheceu a liberdadeFoto: picture alliance / United Archives/IFTN

Uma terceira teoria

Seguindo a lógica da primeira teoria, o mundo faria um grande favor para os berlinenses se apontasse seus holofotes para outra cidade e parasse de comprar passagens de avião baratas para passar o fim de semana na capital alemã.

Mas a verdade é que muitos dos moradores de Berlim, que entendem o significado de alternativo e não compraram esse estilo de vida junto com sua garrafa de clube mate (até alguns meses atrás a bebida oficial dos descolados berlinenses), não dão a mínima se os turistas enchem ou não a cidade ou se os jornalistas acham que ela está se tornando chata. Para essa gente, Berlim é muito mais do que os seus brechós e guarda muitos mistérios inexplorados.

Tudo isso leva a uma terceira teoria: talvez alguns dos berlinenses radicais estejam por trás dessas reportagens falando mal da sua cidade. Assim eles conseguem afastar um número razoável de pessoas e podem continuar bebendo sua cerveja barata nos seus velhos bares nas suas esquinas cobertas de grafite. Pode até ser, mas nada disso vai funcionar: quem realmente conhece Berlim sabe que essa cidade nunca vai ser chata.