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Liberdade de imprensaBrasil

Ato no Rio cobra resposta a desaparecimentos na Amazônia

12 de junho de 2022

Sogra do jornalista britânico Dom Phillips diz ter perdido a esperança de que ele seja encontrado com vida. Protesto foi convocado por familiares de Phillips e do indigenista Bruno Pereira, que seguem desaparecidos.

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Pessoas marchando com cartazes com os rostos de ambos em avenida
Ato foi convocado por amigos e familiares de Phillips e PereiraFoto: João Pedro Soares/DW

Dezenas de pessoas reuniram-se neste domingo (12/06) em um protesto na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para cobrar respostas ao desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O ato foi convocado por amigos e familiares de ambos. Uma das pessoas mais emocionadas era Maria Lúcia Sampaio, de 78 anos, sogra de Phillips. Visivelmente abatida, ela disse não ter mais esperanças de que seu genro e Pereira sejam encontrados com vida.

"Depois de quase uma semana, a gente tem que ser realista. Eles já não estão mais entre nós", afirmou Maria Lúcia, que classificou a mobilização deste domingo como um grito a favor da Amazônia.

"Que o mundo acorde e se una para salvar a Amazônia, que está agonizando e pedindo socorro. Que Dom e Bruno não tenham sacrificado suas vidas em vão. Que o exemplo deles seja o início de uma coisa muito maior. É no que estamos acreditando. Era a missão deles. Estamos aqui para homenagear os dois", afirmou. 

Colegas de Pereira na Funai também se fizeram presentes. Alexander Noronha, sociólogo alocado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, ressaltou que os servidores do órgão são alvo de ameaça permanente no exercício de suas funções.

"Nós precisamos denunciar que essa ação de extermínio não é um ato isolado, mas uma ação orquestrada. É do interesse desse governo desmontar o Estado para que os negócios privados prevaleçam sobre a coisa pública", disse.

Pessoas com cartazes em calçada no Rio de Janeiro
Phillips e Pereira foram vistos pela última vez no domingo passado, na região do rio ItaquaíFoto: João Pedro Soares/DW

O servidor da Funai defendeu que a autarquia e os demais órgãos de fiscalização etnoambiental sejam fortalecidos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto Chico Mendes (ICMBio).

"A região amazônica não deve ser protegida somente pelos povos indígenas. O Exército brasileiro e a Marinha são responsáveis pelo desaparecimento do Dom e do Bruno. A gente tem que parar de normalizar o assassinato de servidores públicos e de jornalistas", criticou.

Cenário hostil para a imprensa

O coro de Noronha foi engrossado pelo presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa. Ele afirmou que o cenário de hostilidade contra jornalistas no país se deve aos discursos do presidente Jair Bolsonaro contra o trabalho da imprensa. 

"Ele se refere de uma forma extremamente jocosa e desrespeitosa à imprensa e aos jornalistas em geral. Tendo um presidente da República com esse tipo de posição, evidentemente isso dá margem para violência, seja em relação a ativistas na Amazônia, seja em relação a jornalistas, mulheres e homens, agredidos a todo momento no país", disse.

O presidente da ABI afirmou temer uma escalada do cenário de violência contra jornalistas durante o período eleitoral. "As milícias do senhor Bolsonaro já estão armadas, e a ABI está muito preocupada com isso. Nós vamos usar todos os recursos possíveis para preservar o trabalho da imprensa durante o processo eleitoral. Há ainda uma preocupação hoje não só no Brasil, mas também em outros países, com relação aos ataques desse presidente desqualificado ao processo eleitoral", afirmou.

A atriz Lucélia Santos, ativista de causas ligadas à Amazônia há mais de três décadas, compareceu à manifestação para prestar solidariedade às famílias de Phillips e Pereira. Neste momento, ela encena uma peça em São Paulo sobre a vida do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado no Acre em 1988 por defender a floresta.

"Termino o espetáculo com um inventário de mortos que me foi cedido pela Anistia Internacional. Em nove anos, são mais de 300 representantes dos povos tradicionais assassinados, incluindo crianças. Temos uma Constituição que defende os territórios indígenas, e esse governo deixou claro que não respeita nada disso. É hora de uma grande virada", disse a atriz.

Atriz Lucélia Santos segurando cartaz
"Temos uma Constituição que defende os territórios indígenas, e esse governo deixou claro que não respeita nada disso", afirmou a atriz Lucélia SantosFoto: João Pedro Soares/DW

Lucélia irá disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo Rio de Janeiro nas eleições deste ano. Ela é pré-candidata pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Seu correligionário, o deputado federal Alessandro Molon, também esteve no ato e conversou longamente com os sogros de Phillips.

Para o deputado, o episódio mostra a gravidade do risco apresentado àqueles que lutam para defender o meio ambiente e os povos indígenas no Brasil. 

"Os servidores da Funai e os ambientalistas estão todos ameaçados. As atitudes do presidente da República, em alguma medida, criam um ambiente que permite esse tipo de atitude, de crime. Infelizmente, o Brasil está vivendo um momento trágico, e este é um dos mais trágicos exemplos disso", afirmou Molon. 

Buscas continuam no Vale do Javari

Na noite de sexta-feira, a Polícia Federal (PF) emitiu nota em que disse ter encontrado "material orgânico aparentemente humano" durante as buscas por ambos. Segundo a PF, os possíveis indícios foram encontrados durante a Operação Javari, na região do rio Itaquaí, último local onde a dupla foi vista.

Agora, o material será periciado pelo Instituto de Criminalística da PF. O órgão também vai analisar as amostras de sangue que estavam no barco de Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado". Ele foi preso temporariamente na última quinta-feira e é considerado suspeito de envolvimento no desaparecimento de Phillips e Pereira.

Também na sexta-feira, o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que o governo federal adote imediatamente "todas as providências necessárias" para a localização do jornalista britânico e do indigenista. 

Barroso determinou ainda que o governo garanta a segurança na região do desaparecimento da dupla e que apresente, em até cinco dias, um relatório com as providências executadas para o cumprimento da decisão.

No mesmo dia, Bolsonaro afirmou que o governo conduz uma "busca incansável" pelos desaparecidos na Amazônia. A declaração foi emitida durante a 9ª Cúpula das Américas, em Los Angeles, após um aumento da pressão internacional sobre o caso.

Horas antes, o Alto Comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, pediu ao governo brasileiro que "redobre" os recursos e esforços disponibilizados nas operações de busca.

No sábado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma resolução que determina medidas cautelares a favor de Phillips e Pereira, e pede que o governo brasileiro "redobre seus esforços" para determinar a situação e o paradeiro ambos e informe sobre as ações adotadas para investigar o contexto do desaparecimento.

Atualmente licenciado, Pereira é um dos funcionários mais experientes da Funai que atua na região do Vale do Javari. Ele supervisionou o escritório regional da entidade e a coordenação de grupos indígenas isolados antes de sair em licença. Pereira é alvo constante de ameaças de pescadores e caçadores ilegais e geralmente carrega uma arma.

Philips é colaborador do jornal britânico The Guardian e de outras publicações internacionais como Washington Post e o New York Times. Ele mora no Brasil há 15 anos e está trabalhando em um livro sobre preservação da Amazônia, com apoio da Fundação Alicia Patterson.