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EconomiaJapão

Ascensão e queda da política econômica do premiê Abe

Andreas Rostek-Buetti
28 de agosto de 2020

Nenhum chefe de governo japonês ocupou o cargo durante tanto tempo quanto Shinzo Abe. O mandato, que começou promissor para a economia nacional, termina de forma inglória, com doença e fracasso de sua política econômica.

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Homem observa curva descendente da bolsa de valores japondesa
Foto: picture-alliance/XinHua/D. Xiaoyi

O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, anunciou nesta sexta-feira (28/08) sua renúncia ao cargo, alegando razões de saúde relacionadas ao recrudescimento de uma antiga doença intestinal. Por duas vezes, em poucas semanas, ele tivera que ser hospitalizado para exames médicos, e já em julho a imprensa noticiava que o político de 65 anos cuspira sangue.

Ele é o chefe de governo há mais tempo no cargo na história do país, porém o longo mandato ameaça agora terminar da pior forma possível, com a saúde abalada e um balanço de sua política econômica – a quase proverbial "Abenomics" – que não deverá entrar para os anais como grande sucesso.

Tanto os seguidores quanto os adversários políticos de Abe se apressam em frisar que não querem seu cargo. Mesmo seu secretário de gabinete, Yoshihide Suga, há sete anos a seu lado, disse à agência de notícias Reuters nunca ter pensado em assumir a posição de chefia de governo, que Abe ocupava desde 2012, após já tê-la exercido de 2006 a 2007.

O mais tardar desde que a pandemia de covid-19 atingiu duramente o Japão, os ânimos no país batem recordes negativos, e com eles vão piorando os dados econômicos. Há muito se foram os tempos mais otimistas da Abenomics, dissolveram-se no ar as conquistas dos primeiros anos de mandato: de abril a junho, o desempenho econômico japonês caiu 7,8% em relação ao trimestre anterior.

Como definiu recentemente o economista alemão Gunther Schnabl, a Abenomics é "uma história de dinheiro barato" que se tornou um "longo mal para o Japão". Na revista Cicero, Schnabl castigou a estratégia de Abe como "haraquiri de política econômica".

Ex-primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe
Shinzo Abe ocupou por um total de nove anos a chefia de governo do JapãoFoto: Reuters/F. Robichon

Início brilhante

Se essa avaliação procede, então antes do suícidio ritual veio o sucesso. Em seus primeiros anos, Shinzo Abe conseguiu tirar o Japão da recessão e proporcionar ao país a mais longa fase de crescimento em anos. A bolsa de valores prosperou; no geral, as empresas obtiveram grandes lucros e voltaram a investir no próprio país – também impelidas pela incerteza diante do protecionismo dos Estados Unidos.

Com sua política do dinheiro barato, injeções conjunturais financiadas por endividamento público e a promessa de reformas estruturais, Abe despertou – não só no próprio país – a esperança do fim dos anos de deflação e estagnação.

O ponto de partida dessa fase, nos anos 1980, fora um enorme superávit da balança comercial em relação aos EUA. Em meados da década, as principais potências econômicas mundiais acertaram uma valorização do iene, e, de fato, dentro de dois anos a moeda subiu 50%. Consequentemente, as mercadorias japonesas ficaram mais caras no mercado mundial, o que resultou em grave recessão no país.

Já a essa altura, o governo tentou enfrentar a crise com reduções de juros, o que gerou uma bolha de especulação, seguida de mais uma crise e mais programas conjunturais estatais. Um dos sinais de advertência para a economia nacional, no princípio do mandato de Abe, foi a deflação, ou seja, a perigosa tendência de queda de preços, com o potencial de paralisar a vida econômica.

Segundo uma análise do jornal FAZ, o premiê se propôs então a "tentar debelar a deflação através de uma política monetária e fiscal expansiva". "O cerne da Abenomics sempre foi a política econômica se fazer às custas da política monetária", resumiu o periódico alemão.

Portanto a longa fase de crescimento teve um alto preço: a dívida pública japonesa, que em 1990 era de 64% do Produto Interno Bruto (PIB), chegou a 240%. O balanço do Banco Central do Japão, que arcou com a maior parte dos custos, era de 10% do PIB em 1990 e chegou recentemente a 120%. O Banco Central detém cerca da metade de todos os títulos de dívida pública em aberto do país.

Crescimento a preço alto

A baixa taxa de desemprego parece dar razão a Abe: nos últimos anos ela ficou em apenas 2,3%, e mesmo em tempos de pandemia não passou de 2,8%. Entretanto, segundo seus críticos, ao mesmo tempo a Abenomics é responsável por os lucros estarem sendo distribuídos desigualmente: um terço dos assalariados não tem emprego fixo, e desde 1998 os salários reais caem 0,5% ao ano.

Isso afeta sobretudo os que se iniciam na vida profissional, as mulheres, os trabalhadores de baixa qualificação e os idosos. O número dos profissionalmente ativos subiu de 44 milhões, em 1990, para 57 milhões: japonesas e japoneses precisam trabalhar mais tempo para subsistir. Segundo o economista Schnabl, trata-se de uma "insidiosa perda de prosperidade", que a população, no entanto, aceita com paciência.

O fim da longa fase de crescimento do Japão e, por consequência, o fracasso de fato da Abenomics se anunciaram com o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), no fim de 2019. No país voltado para o consumo, o governo tentou fortalecer as finanças estatais elevando a taxação de 8% para 10% em outubro. Como o consumo despencou, contudo, a medida fracassou, assim como a tentativa de fomentar o otimismo através dos Jogos Olímpicos no país. E tudo isso muito antes da crise do coronavírus.

O governo Abe tentou mais uma vez sustar o colapso da economia nacional com um gigantesco programa conjuntural, mas agora a situação inicial era excessivamente ruim, também devido à guerra comercial entre a China e os EUA. Segundo os estatísticos de Tóquio, a terceira economia do mundo encolheu, no mínimo, 27,8% entre abril e junho, na projeção do resultado do trimestre para o ano inteiro, enquanto o consumo privado caiu 8,2%.

Na avaliação da revista The Economist, com sua política financeira e de endividamento o Japão testa os limites de uma política econômica, e não há um fim à vista, ou seja: a Abenomics continuará, mesmo sem Abe. Isso, embora, na opinião de Mireya Solis, especialista em Japão da Brookings Institution, "uma liderança forte ter sido decisiva para o progresso do programa de reforma".

Após a renúncia de Abe, "muito dependerá de quem será seu sucessor, e se o novo chefe de governo japonês estará capacitado a gerar um apoio público forte para uma nova agenda de reforma", prossegue Solis. Certo está que o anúncio da renúncia desencadeou turbulências imediatas na Bolsa de Tóquio, na sexta-feira, com o índice Nikkei caindo 1,4%.