1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

As mentiras de Putin sobre ataques russos na Ucrânia

Kathrin Wesolowski | Marcus Lütticke
3 de julho de 2022

Pesquisas de jornalistas e ONGs expõem informações falsas de Moscou, que alega não atacar alvos civis na Ucrânia. Especialistas apontam seguidas violações do direito internacional pelas forças russas.

https://p.dw.com/p/4Da5J
Mulher de bengala e lenço na cabeça em paisagem arrasada por bombardeios
Milhares de cidadãos ucranianos são vítimas dos bombardeios russosFoto: Alexander Reka/dpa/picture alliance

Um míssil atinge um shopping center em Kremenchuk – pessoas são mortas, feridas, o prédio é destruído. Milhares de ucranianos foram mortos na guerra de agressão da Rússia até agora. Todos os dias são reveladas novas imagens da destruição e sofrimento do povo na Ucrânia. No entanto, o governo russo, liderado por Vladimir Putin, continua afirmando: "O exército russo não está atacando a infraestrutura civil".

Mas jornalistas, organizações não governamentais e organizações políticas estão provando o contrário. "Vemos um padrão claro de violações do direito internacional humanitário aqui, que na verdade deveria proteger os civis", diz Wolfgang Benedek, que investigou violações do direito internacional na Ucrânia em nome da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

De acordo Benedek – que chefia a comissão de especialistas em violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos no território da Ucrânia –, a Rússia não leva em consideração o direito internacional humanitário ou não o faz suficientemente. O fato de a Rússia não estar atacando nenhuma infraestrutura civil é, segundo ele, uma "mentira descarada".

Casos concretos comprovam ataques russos a alvos civis

A Organização das Nações Unidas (ONU) documentou 4.731 mortes de civis e 5.900 feridos civis na Ucrânia desde 24 de fevereiro (até 27 de junho) – mas espera que os números sejam ainda maiores.

A organização internacional de jornalismo investigativo Bellingcat também documentou detalhadamente em um mapa os ataques à infraestrutura civil desde o início da guerra de agressão na Ucrânia. "Vimos um grande número de infraestruturas civis destruídas e civis feridos e mortos", afirma à DW Nick Water, diretor de justiça e responsabilidade da Bellingcat.

Uma das principais razões pelas quais a Bellingcat está lançando o mapa é fornecer informações robustas para responsabilizar os responsáveis no futuro.

No entanto, existem casos específicos em que organizações e jornalistas fornecem evidências de que a Rússia é responsável pelos ataques às infraestruturas civis. A DW selecionou seis exemplos que já foram bem documentados e pesquisados.

Explosão de um prédio
Câmara de segurança registrou momento em que míssil atinge shopping center em KremenchukFoto: CCTV/Instagram @zelenskiy_official/REUTERS

Ataque a um shopping center em Kremenchuk

Mísseis russos atingiram um shopping center com mais de mil visitantes na cidade de Kremenchuk em 27 de junho, segundo fontes ucranianas. Pelo menos 11 pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas.

O Ministério do Exterior da Rússia confirmou o ataque, mas afirmou em seu site que foram bombardeados "um hangar com armas e munições que chegaram dos EUA e da Europa", alegando que a munição estocada foi responsável pelo incêndio que atingiu o centro comercial vizinho, o qual estaria inoperante no momento do ataque. Mas a Rússia não forneceu nenhuma evidência para a alegação.

Vídeo de câmara de vigilância (arquivado aqui) divulgado pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, mostra o ataque. É possível ver como o míssil atinge diretamente o prédio do shopping center – não, como a Rússia afirma, primeiro um galpão fabril cuja explosão atinge o shopping center.

A inteligência britânica escreveu no Twitter que existe a possibilidade de que o shopping center tenha sido atingido acidentalmente e que o ataque aéreo alvejasse outro prédio nas proximidades.

Pesquisa da Bellingcat mostra que fábricas próximas também foram atacadas – mas o shopping também foi atingido.

Manchas de sangue e bagagens no chão após ataque a estação em Kramatorsk
Manchas de sangue e bagagens no chão após ataque a estação em KramatorskFoto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel via AP/picture alliance

Ataque à estação ferroviária de Kramatorsk

Na manhã de 8 de abril, ocorreu um ataque com míssil à estação de trem de Kramatorsk, no leste da Ucrânia. Cerca de 4 mil pessoas estavam no lugar no momento, segundo o prefeito da cidade, Olexandr Honcharenko.

Repórteres do jornal americano The Washington Post chegaram à estação cerca de 15 minutos após o ataque. Eles relataram pelo menos 20 mortos, incluindo crianças.

De acordo com o governador da região, Pavlo Kyrylenko, pelo menos 50 pessoas morreram e cerca de 100 ficaram feridas.

Um míssil Tochka-U foi encontrado em frente ao prédio da estação. A Rússia nega usar mísseis desse tipo. No entanto, pesquisas da Bellingcat sugerem que os mísseis Tochka-U foram de fato usados por unidades russas na Ucrânia.

A Anistia Internacional também informa que esse tipo de míssil foi usado pela Rússia na Ucrânia. O Ministério da Defesa britânico acredita ser possível que o ataque fosse destinado a um alvo militar e tenha caído na estação devido ao controle impreciso da arma.

Massacre em Bucha

As fotos de Bucha, uma cidade perto de Kiev, deram a volta ao mundo no início de abril. Centenas de corpos se espalharam pelas ruas depois que soldados russos deixaram a cidade no final de março. Os moradores foram mortos por soldados russos e, em alguns casos, torturados, segundo o lado ucraniano.

O Ministério do Exterior russo escreveu no Twitter que tudo aquilo era mentira. "Todas as fotos e vídeos publicados pelo regime de Kiev em Bucha são apenas mais uma provocação."

Mas isso não é verdade, como a equipe de checagem de fatos da DW revelou em março. Uma reportagem do New York Times mostra que imagens de satélite da empresa americana Maxar mostram que os corpos estão na rua Yablunska, em Bucha, desde 19 de março e, em alguns casos, desde 11 de março.

As imagens contradizem claramente o relato russo, segundo o qual os corpos só apareceram depois que as tropas russas se retiraram, em 30 de março.

A revista alemã Spiegel descobriu mais evidências de que foram os soldados russos que assassinaram os civis em Bucha. Como a publicação noticiou, o serviço secreto alemão BND interceptou e gravou o tráfego de rádio dos supostos assassinos de Bucha. Soldados russos trocaram informações via rádio sobre a matança de civis. De acordo com a análise do BND, a ação brutal não é um caso isolado, mas faz parte da estratégia do exército de Putin.

Em entrevista à DW, o prefeito de Bucha, Anatoliy Fedoruk, também descreve a implacável repressão russa à população civil. De acordo com ele, cerca de 90% dos civis mortos tinham ferimentos a bala. A Rússia continua a negar qualquer responsabilidade pelas atrocidades de Bucha.

Homem diante de sacos plásticos negros com corpos no chão
Investigador de equipe internacional diante dos corpos em BuchaFoto: Carol Guzy/Zuma Press/dpa/picture alliance

Ataque a teatro em Mariupol

O teatro da cidade de Mariupol foi atingido e destruído por pelo menos uma bomba na manhã de 16 de março. Uma investigação da agência de notícias AP calcula que pelo menos 600 pessoas foram mortas no ataque. Em seu relatório, a Anistia Internacional cita um número menor de mortes, mas identifica o ataque a bomba como um "crime de guerra russo".

Numerosos civis haviam buscado refúgio no teatro da cidade, severamente bombardeada na época.

A comissão de peritos da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

(OSCE) chegou à conclusão de que "a extensa destruição (...) do teatro de Mariupol, que era assinalado em ambos os lados com a inscrição 'crianças' e no qual morreram centenas de pessoas que buscavam proteção, pode muito bem ser atribuído ao bombardeio russo".

Após avaliação das fontes disponíveis, não há indícios de que a destruição tenha sido causada pelo regimento ucraniano Azov, como alegado pelo lado russo.

Ataque a maternidade em Mariupol

No início de março, vários meios de comunicação informaram que a Rússia havia bombardeado uma maternidade em Mariupol. Em entrevista à BBC no dia seguinte ao ataque, o prefeito Sergei Orlov relatou pelo menos três mortos, incluindo uma criança, e pelo menos 17 feridos, principalmente mulheres grávidas e médicos.

A Rússia negou o ataque, entre outras coisas, a Embaixada da Rússia no Reino Unido escreveu no Twitter que o hospital não estava mais em operação e estava sendo usado para fins militares. Isto é falso. O tuíte já foi apagado, mas ainda pode ser visto após um arquivamento.

Há evidências do ataque à maternidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) disse que verificou e documentou o ataque ao hospital e confirmou que estava o lugar operacional durante o ataque aéreo.

Jornalistas da agência de notícias Associated Press (AP) também documentaram em imagens as consequências do ataque imediatamente depois que ele ocorreu. Entre outras coisas, é possível ver mulheres grávidas feridas sendo carregadas em sofás para fora do hospital destruído. Fotos das consequências do bombardeio também foram publicadas, por exemplo, pela AP e pela agência alemã DPA.

Homens carregam uma grávida numa maca
Ataque a maternidade em Mariupol foi documentado por diversos jornalistasFoto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance

Bomba de fragmentação atinge jardim de infância

Apenas um dia após o início da invasão russa da Ucrânia, um jardim de infância na cidade de Okhtyrka foi atingido por bombas de fragmentação. Três pessoas, incluindo uma criança, teriam sido mortas no ataque.

Uma investigação da organização de direitos humanos Anistia Internacional relata o impacto de um foguete Uragan de 220 mm perto do jardim de infância. Uma filmagem de drone mostra o prédio após o ataque.

Uma análise de fontes públicas realizada pela Bellingcat a respeito do ataque conclui que as tropas russas estavam dentro e ao redor de Okhtyrka no momento do ataque e que é altamente provável que essas tropas tenham sido a fonte do ataque.