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TerrorismoTurquia

As fontes de armas do "Estado Islâmico"

13 de dezembro de 2020

Estudo de instituto britânico revela como a organização terrorista construiu sistematicamente uma rede de fornecedores e técnicos para montar um extenso arsenal bélico.

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Dezenas de latões em paisagem arenosa
Armazém do EI no Iraque em 2017: baldes com pasta de alumínio usada para propulsão de foguetesFoto: Conflict Armamemt Research

Uma pequena loja de telefonia que compra seis toneladas de pasta de alumínio; um negociante de esterco interessado em 78 toneladas de um aditivo alimentar; uma empresa sediada no Reino Unido que encomenda um software dos EUA, cuja fatura é liquidada por uma locadora de automóveis de luxo turca.

Foram ações como essas que a organização jihadista "Estado Islâmico" (EI) usou para montar parte do seu arsenal durante anos. A principal razão pela qual os movimentos passaram despercebidos foi que muito poucos observadores tinham alguma ideia do dinamismo, determinação e sofisticação com que a organização jihadista começou a trabalhar durante a fase inicial da sua ascensão.

O EI construiu sistematicamente uma rede de fornecedores e técnicos para montar com um extenso arsenal de armas. Isso foi revelado por um estudo publicado recentemente pelo instituto de pesquisa londrino Conflict Armament Research. Com este arsenal, o EI expandiu continuamente suas áreas de domínio no Iraque e na Síria, especialmente a partir de 2014, antes de ser gradualmente destruído por uma aliança internacional de Estados nos anos seguintes.


Canos de explosivo perfilados em quarto
Depósito de explosivos do EI no IraqueFoto: Conflict Armamemt Research

Fronteira turco-síria como base

De acordo com o estudo, a área da fronteira turco-síria era central para o abastecimento. Usando na maior parte das vezes identidades falsas, os membros do EI contactavam empresas da região e encomendavam os componentes necessários para armas ou explosivos. As empresas recebiam os pedidos – e, como os autores do estudo enfatizam repetidamente, sem saber com que tipo de cliente estavam realmente lidando.

"O EI manteve deliberadamente uma região como local de retiro no qual os negócios relevantes também poderiam ser organizados", diz Peter Neumann, professor de estudos de segurança no King's College London. Essa estratégia corresponde inteiramente à que consta em livros de revolucionários como Mao Tse Tung e Che Guevara.

Identidades ocultas

O fato de o EI ter conseguido manter sua rede de compras por vários anos deve-se principalmente à sofisticação de seus intermediários. Eles sempre escondiam sua identidade. A comunicação com a empresa contratada ocorria exclusivamente por meio de contas falsas de e-mail, sites de terceiros e software de áudio.

Os pagamentos eram efetuados principalmente por meio de transferência de dinheiro, realizada por provedores estabelecidos internacionalmente. As transferências eram feitas em parte de regiões do mundo diferentes daquelas em que o pedido foi feito. Os pesquisadores do Conflict Armament Research conseguiram seguir rastros do tipo até a Ásia.

O estudo mostra que grande parte das armas e equipamentos militares vem de fontes completamente diferentes das que se suspeitava, segundo afirma Peter Neumann em entrevista à DW. "No início, presumia-se que a maioria das armas vinha da região do Golfo. Mas partes das armas eram, na verdade, montadas por eles mesmos", diz Neumann. Outra fonte agora revelada são os  estoques deixados para trás pelos exércitos iraquiano e sírio, dos quais o EI se apossou.

Bombas e granadas
Material bélico de militares iraquianos encontrados com combatentes do EI em 2017Foto: Conflict Armamemt Research

"Bandeiras vermelhas"

A pesquisa foi trabalhosa e demorada, de acordo com o relatório da Conflict Armament Research. A tarefa foi investigar as indicações individuais de possível aquisição ilegal de armas e, em seguida, verificar se eram verídicas.

Os pesquisadores eram guiados por uma série de pistas possíveis. Se estas se acumulassem, a probabilidade de se tratar de uma aquisição ilegal aumentava. Os indicadores mais importantes – as chamadas "red flags" (bandeiras vermelhas) – incluíam: o aparecimento de um cliente até então desconhecido cuja empresa também está localizada em uma região sensível – como a área da fronteira turco-síria; pedidos que pouco ou nada têm a ver com o a área de negócios da empresa; pagamento da fatura não pelo cliente, mas por um terceiro; métodos de transferência eletrônica que ocultam a identidade da pessoa que faz a transferência e rotas incomuns para a entrega do material.

Interior de prédio com tubos sobre uma mesa
Oficina de armamentos do EI no Iraque: em parte, armas eram montadas pelos próprios terroristasFoto: Conflict Armamemt Research

O fato de o EI ter mantido sua rede de compras em solo turco por vários anos não é surpreendente, segundo Peter Neumann. "Na época em que o EI foi criado, Ancara ficou tão surpresa com seu dinamismo quanto outros países. Mas como o EI não atacava alvos turcos, o governo deixou os jihadistas em paz.

A Turquia não via o EI como seu inimigo na época. Além disso, este lutava contra os curdos, inimigos do governo de Ancara. Essa também foi uma razão para deixar o EI em paz. Essa posição só mudou por volta de 2015, quando o EI se tornou cada vez mais agressivo e poderoso.

Rede demolida

Hoje, a rede está em grande parte demolida. "O EI continua tentando obter armas, mas informações do governo iraquiano mostram que a organização só possui armas leves e nenhuma arma média ou pesada", afirma o pesquisador de terrorismo Jassim Mohamad, operador do site "europarabtc.com. "Presume-se que o EI perdeu sua rede e seus recursos financeiros em todo o mundo", diz Mohamad, em entrevista à DW.

"A coalizão internacional para combater o EI, bem como as ações tomadas por muitos governos para combater o terrorismo, resultaram em fluxos financeiros estritamente controlados", frisa Mohamad. Os padrões de movimento de potenciais jihadistas também são monitorados de perto. "Isso levou a um declínio nas operações do EI em todo o mundo."

Ainda existem algumas redes, segundo Mohamad. Mas no Iraque elas se limitam a estruturas criminosas que o Estado está determinado a combater. "O EI muito provavelmente não tem mais tecnologia avançada, incluindo armas químicas ou biológicas. Porque isso requer uma infraestrutura e um ambiente estáveis, que não existem."

Kersten Knipp
Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.