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As ameaças à imprensa americana em tempos de Trump

Ole Tangen Jr as
12 de março de 2019

Estudos apontam que confiança na mídia no país caiu de 54%, em 2003, para apenas 41% em 2017, e que 64% dos americanos se informam sobretudo por meio das redes sociais. Para Trump, jornalistas são inimigos do povo.

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Donald Trump responde a pergunta do correspondente da CNN Jim Acosta
Trump responde a pergunta do correspondente da CNN Jim Acosta, que foi banido da Casa BrancaFoto: picture-alliance/Zumapress/R. Sachs

O presidente Donald Trump estava há apenas cinco meses no cargo quando a DW concedeu o seu prêmio Freedom of Speech de 2017 à Associação dos Correspondentes da Casa Branca (WHCA). Já então as tensões entre o governo e os jornalistas que tinham a tarefa de reportar sobre ele eram crescentes.

"A Associação dos Correspondentes da Casa Branca é uma garantia de supervisão daqueles que estão no poder", afirmou na época o diretor-geral da DW, Peter Limbourg, antes de entregar o prêmio ao então presidente da WHCA, Jeff Mason. "Temos total confiança na democracia nos Estados Unidos. Isso pressupõe que contamos com uma imprensa forte."

Mason, ao receber o prêmio, disse que ele e os demais correspondentes lutavam todos os dias pelos direitos de repórteres que acompanham líderes que tomam decisões que afetam o mundo inteiro, apesar da retórica negativa que vem do presidente dos EUA.

"Liberdade de imprensa nos Estados Unidos não é algo garantido, apesar da proteção prevista na Constituição. Temos de permanecer vigilantes para assegurar que essas liberdades persistam, não importa quem esteja no poder em Washington", acrescentou.

Passados dois dos quatro anos de mandato de Trump, a situação se deteriorou. O jornalista da CNN Jim Acosta foi banido da Casa Branca por ter feito uma série de questões desagradáveis para o presidente, que respondeu chamando Acosta de uma "pessoa grosseira, terrível". A CNN processou a Casa Branca, e Acosta pôde retornar e continuar seu trabalho, mas a obstrução do trabalho de jornalistas não parou.

O atual presidente da WHCA, Olivier Knox, mantém uma postura desafiadora perante as críticas de Trump à imprensa. O presidente chama repórteres de "inimigos do povo".

"Como os revolucionários americanos sabiam, liberdade de expressão e de imprensa são garantias de liberdade para as pessoas. Temos de nos manter eternamente vigilantes contra as ameaças a uma imprensa vibrante, livre e independente e mesmo adversária."

A retórica do presidente e de seus apoiadores contrária à mídia parece estar funcionando. De acordo com um relatório recente do instituto Gallup e da Fundação Knight, a confiança na mídia no país caiu de 54%, em 2003, para apenas 41% em 2017.

"Em meio às mudanças no cenário da comunicação, a confiança na mídia nos Estados Unidos está se erodindo, fazendo com que seja mais difícil para as empresas de notícias cumprir suas responsabilidades democráticas de informar o público e fazer com que líderes do governo prestem contas de suas ações", afirma o relatório.

Para o especialista em mídia Bob Garfield, que apresenta o programa de rádio On the media, a retórica hostil e a queda na confiança são preocupantes. Uma ameaça ainda maior para a imprensa americana vem da falta de um modelo de financiamento viável, acrescenta.

"O modelo de negócios da maioria da mídia, e certamente do jornalismo, entrou em colapso com a revolução digital. E eu passei boa parte dos últimos 15 anos em busca de soluções", diz Garfield. "Infelizmente tenho que dizer que não há soluções. Não há um passe de mágica."

Vários estudos reforçam suas preocupações. Um relatório de 2018 da Universidade da Carolina do Norte afirma que os desertos midiáticos – comunidades sem um jornal local – estão crescendo nos Estados Unidos. O estudo concluiu que cerca de 1.800 jornais locais fecharam desde 2004, e muitos mais perderam a capacidade de acompanhar os governos locais. O problema é especialmente acentuado em comunidades rurais.

"Na maioria dos estados virtualmente não há mais repórteres para acompanhar os governos, e faltam jornalistas nos tribunais dos condados", diz Garfield. Como consequência, a tarefa jornalística de fazer com que governo e empresas privadas prestem contas do que fazem é praticamente impossível de ser executada em muitas comunidades.

Numa pequena cidade da Califórnia, funcionários da prefeitura desviaram milhares de dólares em dinheiro de impostos para uso pessoal. Isso ocorreu ao longo de anos, em parte por causa de uma falta de supervisão, e só foi descoberto por acaso por um repórter. "Se ainda tivéssemos a infraestrutura de reportagem local que tivemos por séculos, isso não teria ocorrido", afirma.

A liberdade de expressão, ao lado da liberdade de imprensa, está presente desde 1791 na Constituição dos Estados Unidos como a primeira das dez emendas que compõem a Carta dos Direitos. Segundo o diretor do Knight First Amendment Institute, da Universidade de Columbia, os Estados Unidos têm uma ampla compreensão de que discurso é protegido pela primeira emenda.

"A teoria por trás disso não é que todo discurso é bom e alguns são terríveis, mas que as cortes se recusaram a dar ao governo o poder de criminalizar ou de punir discurso", diz. "Imagine colocar nas mãos do atual governo a autoridade para decidir quais ideias podem ser difundidas e quais devem ser suprimidas."

Jaffer acrescenta que a maioria das decisões referentes à liberdade de expressão foi proferida nos anos 1960 e 1970. Porém, o advento das tecnologias digitais e da mídia social, bem como uma concentração das plataformas usadas pelos americanos para se comunicar, impôs novos desafios a esse direito inalienável dos americanos.

Um estudo recente do Pew Research Center sobre os hábitos de consumo de notícias dos americanos descobriu que 64% deles se informam sobretudo por meio das redes sociais – principalmente o Facebook –, o que torna difícil filtrar as notícias por grau de confiabilidade ou perceber se elas vêm de uma fonte parcial. Mais da metade dos entrevistados disse "esperar" que as notícias que encontram nas redes sociais sejam inexatas.

"O que podemos pensar sobre o papel que empresas de redes sociais estão desempenhando ao decidirem quais ideias são ouvidas e quais não são? Ou o que podemos pensar sobre a a relação entre vigilância e liberdade de expressão?", questiona Jaffer.

A tecnologia que criou novas oportunidades de comunicação ao longo dos últimos 15 anos pode conscientizar sobre injustiças e também ser usada por governos para reprimir dissidentes e identificar pessoas que estão chamando a atenção para as injustiças.

Jaffer e os demais defensores da liberdade de expressão querem assegurar que os aspectos positivos do novo cenário midiático sejam protegidos e que qualquer tentativa de limitar as liberdades seja confrontada.

"Aqui ninguém vai para a cadeia por criticar o governo, mas eu não vou tomar isso como algo garantido", diz Jaffer.

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