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As acusações contra o presidente da Fundação Palmares

12 de outubro de 2021

Antes de ser afastado de gestão de pessoal da fundação, Sérgio Camargo foi acusado de promover "clima de terror" e "caçar" servidores rotulados como "esquerdistas", baseando-se até em características como penteado.

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Perfil de Sérgio Camargo no Twitter
Perfil de Sérgio Camargo no TwitterFoto: Twitter

O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, afastado da gestão de pessoas da entidade por decisão da Justiça de Trabalho nesta segunda-feira (11/10), é acusado de ter criado um "clima de terror psicológico" no órgão ao buscar uma "dominação ideológica" por meio da identificação e demissão de funcionários que ele considerava serem "esquerdistas".

O Ministério Público do Trabalho, motivado por denúncia de entidades do movimento negro, conduziu um inquérito civil público para coletar provas e ouvir diversos ex-funcionários da fundação. O órgão tem como missão promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Os depoimentos mostraram, segundo o Ministério Público, que Camargo identificava o que ele chamava de "esquerdistas" inclusive por traços como a forma de usar o cabelo, motivava seus subordinados a o informarem se localizassem "esquerdistas" e promovia desligamentos sem considerar qualificação, comprometimento ou competência dos funcionários.

Em agosto deste ano, o Ministério Público promoveu uma ação civil pública que o acusava de promover assédio moral institucional por meio de perseguição político-ideológica e preconceito racial e religioso e pedia que ele fosse afastado do cargo.

A Justiça manteve Camargo na presidência da fundação, mas o proibiu de nomear, transferir, demitir, afastar ou contratar servidores, e de discriminar funcionários por critérios ideológicos, partidários ou raciais. Essa função deverá ser assumida pelo diretor do departamento de fomento e promoção da cultura afrobrasileira do órgão. Camargo também foi proibido de se manifestar para assediar, ofender ou ameaçar funcionários e ex-funcionários da fundação.

O que diz o Ministério Público

Segundo a Promotoria, Camargo "jamais escondeu sua postura racista, sua agressividade em relação ao movimento negro e seu completo desprezo pela história de luta" e tinha entre seus principais objetivos identificar e tentar demitir pessoas que ele considerava "esquerdistas", seja em funções concursadas, de confiança ou terceirizadas.

A perseguição promovida por Camargo teria criado um "clima de terror psicológico" dentro da fundação, prejudicando a prestação do serviço público do órgão e provocando o desligamento inclusive de servidores concursados, devido à degradação do ambiente de trabalho, que teria levado alguns funcionários a apresentarem problemas psicológicos.

Segundo a ação, o presidente da instituição passava "mais tempo nas redes sociais 'caçando funcionários 'esquerdistas'', do que trabalhando" e buscando uma "dominação ideológica" de conotação discriminatória.

O que dizem os depoimentos

Para sustentar a ação civil pública, o Ministério Público coletou depoimentos de diversas pessoas que trabalharam na fundação e relataram o método de Camargo. Apenas o primeiro nome dos depoentes foi indicado na decisão judicial.

Ebenezer, que foi diretor do departamento de fomento à cultura afrobrasileira de abril de 2020 a março de 2021, disse que nas primeiras reuniões do colegiado Camargo já se referiu à necessidade de localizar os "esquerdistas" e que o presidente da fundação em pessoa "monitorava as redes dos funcionários".

Em uma oportunidade, segundo o depoente, Camargo disse que uma funcionária terceirizada, de nome Daiane, que trabalhava na assessoria de comunicação, tinha um "cabelo típico de esquerdista" e deveria ser desligada.

Daiene, por sua vez, relatou ter trabalhado na Fundação Palmares de maio de 2019 a dezembro de 2020, e que Camargo elaborou uma lista de pessoas que não poderiam ser recontratadas, entre os quais ela mesma e dois colegas "talvez pela aparência deles, que muito remete à imagem afro".

Há depoimentos de ex-funcionários relatando que o presidente da fundação também decidiu demitir uma pessoa chamada Lorena ao descobrir que ela era irmã de uma jornalista da Rede Globo. Lorena havia sido contratada em 2017 como empregada terceirizada, exercia apoio administrativo e foi desligada em janeiro de 2021. Ela relatou que havia um "clima de pânico" na fundação, que prejudicava o trabalho do órgão.

Raimundo, que foi coordenador nacional de informação e referência da cultura negra de abril de 2020 a março de 2021, disse que Camargo "pedia que, se achasse um esquerdista, era para avisar; que (...) tinha esta missão de limpar o órgão".

Alguns funcionários relataram também ter tido medo de vir a público pelo fato de Camargo usar suas redes sociais com frequência para atacar e desqualificar seus oponentes. Entre as mensagens postadas por ele apresentadas à Justiça pelo Ministério Público estão: "Assédio moral é o brioco de quem me acusa!", "O resultado da minha defecação tem mais valor do que redes de militantes raciais e traíras, todos com estatura moral de ratos de esgoto!" e "As acusações partiram de vitimistas e traíras".

O que dizem a Fundação Palmares e Camargo

Na sua defesa, a fundação sustentou que a Justiça do Trabalho não teria competência para julgar o caso e que não teve garantido seu direito à ampla defesa durante a coleta de provas e depoimentos no inquérito civil público.

A Fundação Palmares também afirmou que Camargo não promoveu assédio moral, mas apenas procurou indicar "pessoas alinhadas à proposta da missão da entidade" aos cargos comissionados e substituir funcionários que não tinham desempenho adequado nas atividades ou "lealdade à instituição".

Camargo também alegou que, como estava no exercício de uma função pública, seus atos manifestariam a vontade do estado e que, por esse motivo, ele não deveria figurar como alvo da ação civil pública.

Nesta terça, ele publicou mensagem em seu Twitter em que acusa "racistas pretos e seus tutores" de tentar derrubá-lo do cargo, mas que ele segue "firme" na presidência do órgão.

O que a Justiça decidiu

O juiz Gustavo Carvalho Chebab, da 21ª Vara do Trabalho de Brasília, afirmou que a prática do assédio "é capaz de desagregar o ambiente de trabalho, afetar a saúde e a vida no ambiente de trabalho" e que a liberdade do presidente da fundação para escolher pessoas para cargos de confiança "não é absoluta" e não pode violar os princípios e regras da administração pública.

"Nem o empregador nem o tomador de serviços podem, em nome da liberdade de contratação ou da confiança, violar os direitos fundamentais individuais e coletivos, agir em desvio de finalidade (e de legalidade) ou negar vigência aos princípios da Administração. A liberdade traz, em si, responsabilidades e seu abuso é coibido pela ordem jurídica", escreveu.

O Ministério Público havia solicitado o afastamento de Camargo da fundação, mas Chebab decidiu que o abuso do presidente da fundação estava "centrado na gestão de pessoas e na possível execração pública de indivíduos" e que, portanto, a decisão deveria se restringir à sua competência para gerenciar pessoas, mantendo assim o ato do presidente Jair Bolsonaro que nomeou Camargo para o cargo, em novembro de 2019.

A Justiça também determinou que a Fundação Palmares faça uma auditoria interna sobre os temas elencados na ação civil pública e envie um relatório em 30 dias à Vara e à Controladoria-Geral da União.

bl (ots)