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Apareceu o lado humorístico de Ricardo Salles

Thomas Milz
Thomas Milz
16 de fevereiro de 2022

Bolsonaro ganhará o Nobel da Paz? Defensores do presidente debocham da "velha mídia" por confundir uma brincadeira do ex-ministro do Meio Ambiente com fake news. Mas muitos bolsonaristas tampouco entenderam nada.

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Ricardo Salles
"Agora sim dá para entender o pouco êxito que Salles teve como ministro: sua verdadeira vocação era ser piadista!"Foto: Agência Brasil

Era uma piada, óbvio. "Parabéns, Presidente!", publicou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles em sua conta no Twitter nesta terça-feira (15/02). Bolsonaro ganhará o Prêmio Nobel da Paz de 2022 por ter resolvido o problema entre a Rússia e a Ucrânia, eis a boa notícia que Salles trouxe.

Numa outra publicação, ele postou um vídeo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, dizendo que Bolsonaro o convenceu a não invadir a Ucrânia. "Entrevista exclusiva concedida à CNNMemes…", escreveu Salles, fazendo um ótimo trocadilho com o nome da emissora CNN Brasil.

Para contextualizar: Putin tinha declarado, na terça-feira, que retiraria uma parte das suas tropas da fronteira com a Ucrânia. Enquanto isso, Bolsonaro ainda estava em voo em direção à Rússia, onde desembarcaria apenas horas depois. O encontro dos dois presidentes ocorre nesta quarta. Por coincidência, no mesmo dia da possível invasão da Ucrânia por tropas russas - ao menos segundo informações dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

A sacada de Salles foi muito boa, uma amostra da imensa capacidade dele de criar memes. Sempre invejei essa capacidade dos brasileiros de achar uma boa sacada para tudo. Também mostra o grande humorista que é Ricardo Salles. Agora sim dá para entender o pouco êxito que ele teve como ministro: sua verdadeira vocação é ser piadista!

Agora, vamos combinar: detectar ironia e brincadeira e distingui-las de fake news ou da própria "realidade", não é uma tarefa fácil.

Aparentemente, para muitos veículos da imprensa brasileira, a publicação de Salles aparentava não ser uma brincadeira. Levaram tudo ao pé da letra e se esforçaram para explicar que Bolsonaro nem tinha chegado à Rússia e, portanto, não tinha como ter feito aquela magia que supostamente trouxe a paz. Assim, olhavam a publicação de Salles como uma "mentira" para confundir todo mundo, e portanto, uma maldade de Salles.

Outros veículos destacaram que Salles "virou piada" com seu vídeo fake e a montagem fake da revista Time anunciando o Prêmio Nobel para seu ex-chefe. A emissora CNN Brasil deixou claro: "A CNN não noticiou que o presidente Bolsonaro evitou guerra."

Entenderam TUDO errado!

Mais tarde, os comentaristas da Rádio Jovem Pan ficaram rindo da brincadeira de Salles e da confusão criada na mídia ignorante. Rodrigo Constantino, o "Tucker Carlson brasileiro", achou a reação dos jornais divertida, mas senti também uma certa melancolia quando ele constatou que a "velha mídia" morreu. Advertiu ainda sobre o "perigo das narrativas da mídia militante" que odeia Bolsonaro. Aviso importante nestes tempos de fakes e memes.

"Vá e impeça a guerra, Jair"

Mas, afinal, era ou não era uma brincadeira atribuir a retirada das tropas russas à presença de Bolsonaro? Ao visitar o Twitter presidencial, a questão fica ainda mais confusa.

Pois pode parecer que o próprio Bolsonaro tentou criar esse nexo entre sua visita e a retirada das tropas russas, postando no seu Twitter uma imagem da CNN Brasil anunciando o "retorno de algumas tropas" acompanhada da mensagem: "Já estamos no espaço aéreo russo. Bom dia a todos."

Eu, pessoalmente, acho que o presidente simplesmente embarcou na brincadeira de Salles. Afinal de contas, o presidente é conhecidamente um brincalhão.

Mas ele esqueceu de avisar isso aos seguidores mais ferrenhos. O feed embaixo da postagem presidencial está repleto de imagens que mostram Bolsonaro ao lado de Jesus Cristo com frases como "Vá e impeça a guerra, Jair". Outro seguidor comemora: "Ele cessa a guerra apenas com a possibilidade da sua presença! Esse é o Messias enviado por Deus."

"Atenção, contém ironia!"

Sugiro colocar, futuramente, um aviso ao lado dos tuítes: "Atenção, contém ironia!" Tal aviso teria evitado o atual mal-entendido como, também, muitos outros no passado. Teria mudado a história brasileira dos últimos anos. Só nos tuítes presidenciais se encontram muitas brincadeiras que foram levadas a sério, danificando a imagem do presidente. À toa! Lembra do tuíte de Bolsonaro sobre o golden shower? E as brincadeiras sobre uma suposta ameaça comunista?

Ou meu tuíte favorito de Bolsonaro de todos os tempos: "ATENÇÃO PAIS: Vejam o conteúdo do kit-gay acaba de chegar nas escolas privadas p/ a criançada." Muita gente não entendeu que era uma brincadeira, levou a sério e votou em Bolsonaro, por engano.

Sugiro o mesmo aviso de "ironia" nos tuítes de Ricardo Salles para não criar novos mal-entendidos. Como esse: no último domingo, dia 13, Salles tuitou: "Filiei-me ao PL." O PL de Valdemar Costa Neto, figura envolvida nos escândalos do mensalão e do petrolão, condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva? E ex-aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Hahaha, você não me engana, Ricardo Salles. Você nunca se filiaria a um partido desses, óbvio. Gostei da sacada!

P.S.: Apague logo esse tuíte, Ricardo, antes de o presidente Bolsonaro voltar da Rússia e descobrir que você se filiou ao PL. Ele não iria gostar!

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Thomas Milz Jornalista e fotógrafo
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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.