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PolíticaCazaquistão

Revolta no Cazaquistão pode ser ameaça ou chance para Rússia

Roman Goncharenko | Emily Sherwin | Olga Sosnytska
7 de janeiro de 2022

Para especialistas, ao enviar tropas para o país vizinho abalado por levantes populares, Vladimir Putin quer garantir influência militar e econômica na maior e mais rica ex-república soviética da Ásia Central.

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O presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev (e.) e o presidente russo Vladimir Putin apertam as mãos durante encontro dos chefes de Estado e de governo da Comunidade de Países Independentes
Aperto de mãos com consequências: presidentes cazaque, Kassym-Jomart Tokayev (esq.) e russo Vladimir PutinFoto: Sputnik Kremlin/AP/dpa/picture alliance

Uma cifra expressa de maneira eloquente a importância do Cazaquistão para a Rússia: a fronteira terrestre entre as duas ex-repúblicas soviéticas é de 7.600 quilômetros, uma das mais extensas do mundo.

Mas não se trata apenas de extensão. As regiões vizinhas têm relevância militar desde os tempos da União Soviética. Como exemplo, citem-se a área de testes de mísseis Kapustin Yar, localizada parcialmente no Cazaquistão, ou os diversos arsenais de armas nos Montes Urais e atrás deles.

Do ponto de vista geopolítico, a Rússia vê o Cazaquistão – e toda a região – como uma espécie de quintal seu.

Quando Moscou enviou paraquedistas ao país nesta quinta-feira (06/01) para auxiliar o governo em Nur-Sultan a reprimir os protestos em curso, agiu também em interesse próprio. A mobilização, de fato, faz parte de uma assim chamada "missão de paz" da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), aliança militar de ex-repúblicas soviéticas dominada pela Rússia.

Porém, segundo o especialista russo em política Nikolai Petrov, a crescente instabilidade no Cazaquistão é uma "séria ameaça" para a própria Rússia, já que, devido a sua extensão, a fronteira entre os dois países "não é muito bem protegida".

Viagem espacial, petróleo e urânio

O significado do Cazaquistão para a Rússia é profundo e extenso. Trata-se da maior e mais rica ex-república soviética na Ásia Central, além de manter laços muito estreitos com Moscou. Juntamente com Belarus, ambos os países impulsionaram a fundação da União Econômica Eurasiática, seguindo o exemplo da União Europeia (UE) e concretizando um projeto de prestígio do presidente russo, Vladimir Putin.

Segundo dados oficiais, em 2020 os cazaques formaram o grupo mais numeroso de estudantes estrangeiros em faculdades russas, totalizando mais de 60 mil. Em consultas do renomado instituto de pesquisas de opinião Levada, sediado em Moscou, cerca de um terço dos russos descreveu o país como o segundo mais amigável, atrás apenas de Belarus. Em 2014, o Cazaquistão foi ultrapassado pela China e figura na terceira colocação do ranking desde então.

Em dezembro de 2021, o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, anunciou lucros recordes no comércio bilateral com o Cazaquistão, após encontro com seu homólogo cazaque Askar Mamin.

Do ponto de vista russo, a cooperação estratégica mais importante é no setor aeroespacial. O Cazaquistão herdou da União Soviética a base espacial de Baikonur, uma plataforma arrendada pela Rússia por 115 milhões de dólares (cerca de R$ 665 milhões) anuais. A Rússia já começou a operar seu próprio centro de lançamento no extremo leste do país, o cosmódromo de Vostochny, mas quer continuar utilizando o de Baikonur.

Assim como companhias americanas, algumas empresas russas de petróleo são ativas no Cazaquistão, rico em matérias-primas. A Rússia também tem participação na extração de urânio cazaque e espera em breve poder construir uma usina nuclear no país. Quando, recentemente, a demanda de eletricidade aumentou no Cazaquistão, este pediu ajuda de fornecimento de energia à Rússia.

No entanto, numa análise recente, um especialista do Conselho Russo para Assuntos Internacionais (RSMD), instituto de pesquisa acadêmico e diplomático sem fins lucrativos, chegou à conclusão de que a Rússia "não é um modelo atrativo" para o desenvolvimento social e econômico do Cazaquistão. A liderança política e a sociedade do país da Ásia Central teriam "outros exemplos" a seguir, da Europa à Turquia, passando por Cingapura.

Cazaquistão anexado, como a Crimeia?

Diferentemente de Belarus, o Cazaquistão não depende de empréstimos russos e, apesar das relações estreitas, se esforçou para manter uma certa distância de Moscou. A decisão de mudar o alfabeto cazaque cirílico para o latino, por exemplo, gerou duras críticas na Rússia.

Cerca de 3,5 milhões de russos étnicos vivem nas províncias do norte do Cazaquistão, que totaliza uma população de 19 milhões. Nos dois países, especula-se há anos se a Rússia poderia anexar esses territórios, a exemplo da península ucraniana da Crimeia.

Em 2019, o presidente Kassym-Jomart Tokayev desmentiu em entrevista à DW que houvesse esse tipo de temor. Sua relação com a Rússia, disse, "é de absoluta confiança e boa vizinhança".

Vestidos com uniformes verde-oliva, soldados russos se reúnem na região de Ivanovo antes de partida para o Cazaquistão. Paisagem ao fundo é de neve e árvores sem folhas.
Soldados russos se reúnem na região de Ivanovo antes de partida para o CazaquistãoFoto: Russian Defence Ministry/Tass/imago images

O potencial de tensões do assunto se manifestou claramente no fim de 2020 . O deputado da Duma (câmara baixa da Assembleia Federal Russa) Vyacheslav Nikonov definiu o território do Cazaquistão como "grande presente da Rússia". O ministério do Exterior cazaque protestou, Nikonov recuou e Tokayev chegou a escrever um artigo defendendo a independência do Cazaquistão.

Atualmente, é sobretudo nas redes sociais que mais uma vez se discutem as ações da Rússia no Cazaquistão. Uma das opiniões é que Putin poderia aproveitar essa chance do envio de tropas para estabelecer a presença russa no país vizinho. No momento, a Rússia não tem bases militares no Cazaquistão.

Temor de "revoluções coloridas"

De todas as formas, a revolta no Cazaquistão é um pesadelo para o presidente russo. O Kremlin chama esse tipo de agitação de "revoluções coloridas", a exemplo da Revolução Rosa da Geórgia e da Revolução Laranja da Ucrânia. Moscou acusa o Ocidente de estar por trás desses eventos.

O mais recente levante bem-sucedido foi em 2018 na Armênia, estreitamente ligada à Rússia. Em Belarus, Alexander Lukashenko, considerado "o último ditador da Europa", conseguiu se manter no poder em 2020 com violência.

"Todos os grandes vizinhos da Rússia foram abalados por agitações sociais", lembra o especialista em assuntos da Rússia Hans-Henning Schröder, que já atuou no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP). "Se eu estivesse no Kremlin, começaria a me perguntar se a Rússia não pode ser o próximo país."