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Análise: A retórica "trumpesca" antimídia e seus adeptos

2 de junho de 2020

Enquanto Trump demoniza a mídia, Bolsonaro manda repórteres calarem a boca. Com sua retórica, presidentes alimentam a divisão social e a violência. Jornalistas estão cada vez mais sob fogo – também em países europeus.

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Sede da CNN foi atacada em Atlanta, nos EUA, em 30 de maio
Sede da CNN foi atacada em Atlanta, nos EUA, em 30 de maioFoto: Getty Images/E. Nouvelage

A liberdade de imprensa vem sendo restringida mundo afora, também em democracias do Ocidente, onde, diferentemente do que ocorre em regimes autoritários, os governos raramente sujam as próprias mãos. Nos Estados Unidos de Donald Trump ou no Brasil de Jair Bolsonaro, evitam-se ordens de mordaça ou a censura estatal. Em vez disso, os presidentes alimentam a divisão social e a violência com sua retórica antimídia e a disseminação de fake news.

Nos EUA, as restrições ficaram evidentes mais uma vez na cobertura dos recentes protestos contra o assassinato do afro-americano George Floyd nos EUA: um correspondente da CNN foi preso em frente às câmeras; dois funcionários da agência de notícias Reuters e um correspondente de jornal sueco foram feridos por balas de borracha. O repórter da DW Stefan Simons caiu na linha de fogo da polícia.

"Trump demoniza a mídia e montou uma imagem clara do inimigo", disse Christian Mihr, diretor da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na Alemanha, em entrevista à DW. "Documentamos um total de 68 ataques contra jornalistas nos Estados Unidos nos últimos dias."

Além desses, foram registrados 26 ataques contra representantes da imprensa pela plataforma online US Press Freedom Tracker, o que significa que houve 94 de violência do tipo somente nos Estados Unidos desde o início do ano.

Para Mihr, esse desenvolvimento era previsível. "A mídia é vista como parte de um suposto sistema. Essa percepção é promovida deliberadamente por presidentes populistas, como Trump e Bolsonaro", afirmou o diretor da RSF, explicando que tais líderes querem mostrar que podem governar de forma "antissistêmica".

"Cala a boca!"

No Brasil, os principais órgãos de mídia do país anunciaram na semana passada a suspensão da cobertura dos pronunciamentos diários do presidente da República em frente ao Palácio da Alvorada, devido à falta de segurança. As emissoras de televisão Globo e Bandeirantes, o jornal Folha de S. Paulo e o portal de notícias Metrópoles disseram que não iriam mais enviar jornalistas para a residência oficial do presidente.

Segundo a mídia, o motivo é a hostilidade contínua por parte de apoiadores do presidente brasileiro. Quando estes ameaçaram invadir a área de imprensa, as forças de segurança do presidente Bolsonaro não teriam intervindo para proteger os jornalistas, explicaram os representantes de imprensa.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília pedem fechamento do STF, em 9 de maio
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília pedem fechamento do STF, em 9 de maioFoto: Reuters/U. Marcelino

Bolsonaro vem insultando jornalistas em intervalos regulares. Quando os jornalistas perguntaram, no início de maio, sobre a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, ele gritou: "Cala a boca!" No final de março, quando um defensor de Bolsonaro acusou que a imprensa "colocava o povo contra o presidente", o mandatário acenou concordando.

Para o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel, Bolsonaro e seu grupo político estimulam a agressividade contra repórteres, e a liberdade de imprensa nunca esteve sob tanto risco no Brasil desde a redemocratização.

Erosão da liberdade de imprensa na Europa

Os ataques a jornalistas e empresas de mídia estão aumentando também na Europa. Isso foi constatado no Relatório de Liberdade de Imprensa do Conselho da Europa 2020. Segundo o documento, foi reportado um total de 142 ataques graves contra jornalistas, em 32 dos 47 países-membros do Conselho em 2019.

Em seu Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2020, a ONG Repórteres Sem Fronteiras alertou para crescentes ameaças à mídia na Bulgária, Romênia, Hungria, Polônia, Grécia, Croácia, Malta e Reino Unido.

"No Reino Unido, as autoridades restringem regularmente a liberdade de imprensa, muitas vezes aludindo à segurança nacional", disse o relatório da RSF. Em 2018, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos avaliou a espionagem em massa de jornalistas no país europeu como uma violação do direito fundamental à liberdade de expressão e imprensa.

"A forma como a mídia é desacreditada e os jornalistas são difamados de forma generalizada no Reino Unido faz lembrar Trump em muitas declarações", disse Mihr, diretor da RSF, apontando que jornalistas foram excluídos das coletivas de imprensa e a retórica do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, seria "quase 'trumpesca'."

Corinne Vella, irmã da jornalista investigativa Daphne Caruana Galizia, assassinada em Malta em 2017, resumiu os ataques à mídia em países democráticos numa frase: "Os jornalistas não correm o maior risco se reportarem de zonas de guerra, mas se revelarem a corrupção em seu país de origem."

Quando jornalistas de um país da UE não se sentem mais seguros, isso representa um risco de segurança para toda a Europa, declarou Corinne Vella em novembro de 2019 em Berlim, no congresso Coreact da iniciativa Mafia? Nein Danke! (Máfia? Não, obrigado).

O diretor da RSF, Mihr, disse temer que Trump possa tirar proveito eleitoral do medo de tumultos. É por isso que o presidente dos EUA e os principais políticos republicanos também relutam em condenar a violência policial. Mihr: "Parece cínico, mas a violência de curto prazo pode ser benéfica para Trump."

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