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Estado de DireitoAlemanha

Alemanha quer combater extrema direita no serviço público

19 de fevereiro de 2023

Projeto de lei prevê acelerar afastamento de funcionários públicos adeptos de ideologias radicais. Resistência é grande: teme-se estigmatização generalizada, ou mesmo que o resultado sejam processos ainda mais longos.

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Mãos de homem sendo liberado de algemas por oficial de Justiça
Ex-soldado Franco A. cumpre pena de prisão por tramar atentado terroristaFoto: Arne Dedert/dpa/picture alliance

Sim, há extremistas de direita nas Forças Armadas, Polícia e Judiciárioda Alemanha. E, mesmo constituindo uma minoria relativamente pequena, eles têm o potencial de minar a confiança no Estado de direito no país. Partindo desse princípio, a ministra do Interior, Nancy Faeser, do Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, apresentou um projeto de reforma da legislação disciplinar, a fim de facilitar que tais elementos sejam afastados do serviço público.

Atualmente, medidas disciplinares com esse fim demoram, em média, quatro anos, período durante o qual os acusados continuam recebendo seu salário integral.

"Não vamos permitir que nosso Estado constitucional democrático seja sabotado de dentro por extremistas", declarou a ministra na quarta-feira (15/02), acrescentando que a integridade da estrutura estatal ser prejudicada representa um perigo especialmente grande para o Estado de direito e a democracia.

Extremismo não pode permanecer impune

A iniciativa é motivada por casos como o do ex-soldado da Bundeswehr Franco A., radical de direita detido em 2017 e recentemente condenado à prisão por tramar um atentado terrorista enquanto se passava por refugiado sírio.

Neste meio tempo houve outras conspirações para derrubar o Estado alemão, por exemplo por parte dos "Reichsbürger", "cidadãos do Reich" que não reconhecem a República Federal da Alemanha e suas estruturas democráticas, e pleiteiam o retorno às fronteiras nacionais vigentes em 1937, durante o regime nazista.

O serviço de informações interno alemão, Departamento de Proteção da Constituição (BfV), também declarou o juiz Jens Maier, membro da populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), adepto da ideologia de direita radical.

Em 2021, o Tribunal Estadual de Leipzig decretou suspensão condicional de pena para Philipp S., soldado do Comando de Forças Especiais (KSK) com fortes conexões radicais de direita, que roubara armas e munição da Bundeswehr (Exército alemão), inclusive explosivos e um fuzil de assalto AK-47.

Esses e outros casos envolveram cidadãos que haviam jurado defender a Constituição e o Estado democrático de direito. Como definiu Faeser: "Quem rejeita do Estado não pode trabalhar para ele. Por isso, todo caso de extremismo deve ter consequências claras."

Sala de tribunal, com réu calvo de costas e oficiais e repórteres portando máscaras sanitárias
Philipp S., ex-soldado roubou armas do Exército alemão para fins presumivelmente extremistasFoto: Jens Schlueter/AFP

Longos processos administrativos à vista?

Caso o Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão) aprove o projeto, as autoridades poderão remover do cargo por ato administrativo quem quer que tente minar a Constituição – até agora, para tal é necessário iniciar uma ação judicial. No entanto, diversos peritos expressam pouca fé na reforma planejada.

"Parece duvidoso que se consiga alcançar a meta da proposta, de acelerar os processos disciplinares", declarou a Aliança dos Juízes Administrativos Alemães. A Associação Alemã de Servidores Públicos (DBB), que conta cerca de 1,3 milhão de membros, tem opinião semelhante.

Para o Sindicado da Polícia, longe de alcançar o efeito desejado, de acelerar procedimentos, a perspectiva de que superiores tenham poder de aplicar medidas disciplinares "espalha medo" entre a classe.

A Federação dos Sindicatos Alemães (DGB) diz temer que a reforma "estigmatize" todo o funcionalismo público. E até crê que venha ser um tiro pela culatra, pois os atingidos poderão fazer uso de seu direito constitucional e apelar judicialmente contra o afastamento do serviço.

Estado alemão já adotou medida há 15 anos

Tendo reconhecido esse aspecto, Faeser assegura que os tribunais administrativos seguirão podendo rever as decisões – o que, por sua vez, tem o potencial de resultar em processos prolongados.

A ministra ressalva que o projeto não visa lançar suspeita generalizada sobre todos os funcionário, mas sim acelerar a ação legal contra presumíveis inimigos da Constituição, sendo mantidos os padrões legais vigentes. Sua intenção seria também proteger "a vasta maioria de servidoras e servidores que se comportam corretamente".

Os funcionários públicos da Alemanha se comprometem a sustentar a ordem democrática do país e a se empenhar por sua preservação, não só durante o expediente, mas em sua conduta como um todo. Quem se dedica ao ativismo político deve fazê-lo com moderação e comedimento.

A iniciativa de Nancy Faeser tem o apoio do secretário do Interior de Baden-Württemberg, Thomas Strobl: desde 2008, a legislação desse estado do sudoeste da Alemanha permite a demissão sumária de funcionários públicos extremistas. O projeto de lei da ministra é explicitamente calcado nesses regulamentos, que, segundo o político democrata-cristão, "têm se provado eficazes há mais de dez anos".

Nos próximos dias o Bundestag debaterá a proposta da ministra do Interior. O SPD, partido a que ela pertence e que lidera a coalizão governamental em Berlim, já anunciou que acolherá a proposta.

 

Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.