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Alemanha aperta cerco contra ódio nas redes

31 de janeiro de 2022

Nova central encarregada de crimes na internet entra em atividade. Redes sociais passam a ser obrigadas denunciar conteúdo criminoso às autoridades. Mas especialistas temem que novo órgão se revele um tigre sem dentes.

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Telas de computador e de celular mostram página de mídia social
Na Alemanha, principais redes sociais são obrigadas a excluir comentários de ódio, mas nem sempre isso ocorreFoto: Gerard Julien/AFP/Getty Images

Normalmente, Regina Nagel é cuidadosa nas redes, publica e comenta pouco publicamente e restringe o número de amigos no Facebook. Mesmo assim, foi vítima de comentários de ódio em setembro de 2021. Ela trabalha para a Igreja Católica e participa de um grupo que lida com denúncias de abusos na instituição.

O autor do comentário de ódio, um católico de direita que aparece na internet com seu nome verdadeiro, expressa desprezo pelas mulheres no trabalho pastoral, insulta Nagel pessoalmente e, numa outra postagem, também se refere à aparência dela de maneira misógina.

"É deprimente, mas isso não me atingiu", diz Nagel. "Pelo menos não se tornou uma ameaça para mim, como acontece com alguns políticos." Duas amigas suas denunciaram os comentários ao Facebook, mas nada aconteceu até agora: os textos ofensivos ainda são visíveis para todos.

As redes sociais estão repletas de casos como esse. O tom online está cada vez mais rude, sobretudo durante a pandemia, mas mesmo antes. As mulheres são as principais afetadas, especialmente se têm projeção pública.

O consumo excessivo de redes sociais causa depressão?

Por esse motivo, na Alemanha, as principais redes sociais como Facebook e YouTube são obrigadas a excluir comentários de ódio. A partir desta terça-feira (01/02), a situação legal se tornará ainda mais rigorosa: as redes sociais com mais de 2 milhões de usuários não terão apenas que excluir conteúdo criminoso, mas também serão obrigadas a denunciar o conteúdo e os endereços IP ao Departamento Federal de Investigações Criminais (BKA).

O órgão está inaugurando sua nova central dedicada a denúncias de crimes na internet, com 200 policiais dedicados ao combate a crimes de ódio. No entanto, essa nova central pode se revelar um tigre sem dentes.

Ameaças de morte

As ofensas contra Regina Nagel não seriam afetadas. "Para insultos, por exemplo, isso não trará nenhuma melhoria: no momento, a lei está formulada de tal modo que, no caso de insultos, depende da vontade da vítima se ela quer ou não um processo criminal", explica Josephine Ballon, advogada da organização HateAid de apoio a vítimas de crimes de ódio online.

No caso de denúncias ao BKA, no entanto, são as redes sociais e não os usuários que decidem qual conteúdo é repassado. A prioridade é para casos de conteúdo criminal: os investigadores deverão ficar atentos ao discurso de ódio, como declarações antissemitas e racistas, ameaças de morte e compartilhamento de símbolos inconstitucionais.

"A ideia básica por trás disso, que se estabeleça tal obrigação de denúncia,se acelere tudo para obter mais processos criminais, é absolutamente bem-vinda", concorda Ballon.

Por que seguimos os influenciadores das redes sociais?

A nova repartição do BKA destina-se a centralizar o trabalho realizado pelo Ministério Público nos estados federais alemães. Sobretudo deve ter o poder de acessar rapidamente os endereços IP; algo importante, já que esses dados ficam armazenados apenas por alguns dias no país.

O problema é que tudo isso acontece sem suspeita inicial. A rede social deve decidir por si própria se há conteúdo criminoso e denunciá-lo ao BKA. O departamento estatal então decide se há base para uma investigação. Normalmente, porém, essa avaliação cabe ao Ministério Público, pois uma investigação é geralmente precedida de um exame por procuradores, que acionam a polícia. Até agora, é bastante incomum a autoridade policial decidir por conta própria se investiga ou não, como agora deve ocorrer no caso da nova central do BKA.

Esta é uma das razões por que Facebook e Google entraram com um recurso judicial, e não precisam encaminhar as denúncias ao BKA por enquanto.

Ballon, da HateAid, concorda que esse recurso tem sua razão de ser. "O BKA pode se tornar um coletor de dados, no sentido de que um número incrível de denúncias será realmente recebido pelo departamento, sem que um tribunal ou Ministério Público tenham analisado e decidido: isso é mesmo um crime ou não?"

Como as redes sociais nos influenciam?

Casos limítrofes

Segundo Ballon, isso pode ser perigoso, especialmente no que diz respeito a postagens ambíguas nas mídias sociais. Para ilustrar suas ressalvas, ela cita os símbolos anticonstitucionais. "É preciso distinguir: trata-se de uma suástica postada por sentimento extremista de direita, constituindo, assim, ofensa criminal, ou terá sido postada com fim educacional ou artístico? Nesse caso, seria permissível." A especialista teme que, na pior das hipóteses, artistas e ativistas acabem sendo penalizados.

Questionado pela DW, o BKA procurou dissipar essas apreensões, pois também uma das atribuições dos policiais seria também “verificar a responsabilidade criminal das denúncias recebidas″.

A criação de um banco de dados não está prevista, segundo o departamento. Denúncias "sem relevância criminal serão encerradas pelo Judiciário após o devido exame, e os dados anteriormente transmitidos ao BKA serão apagados imediatamente".

Mas esse processo pode levar até um ano, devido à massa de denúncias, observa o HateAid. Um ano em que o BKA pode estar detendo dados de cidadãos inocentes.