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A troica empurrou Portugal para os braços dos chineses?

Jochen Faget as
12 de março de 2019

Enquanto a UE cobrava reformas por sua ajuda a Lisboa durante a crise, a China não pedia nada em troca. Hoje o governo de Portugal levanta a voz para defender a política de investimentos dos chineses na Europa.

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Os presidentes da China, Xi Jinping, e de Portugal, Rebelo de Sousa
Os presidentes da China, Xi Jinping, e de Portugal, Rebelo de SousaFoto: Reuters/P. Nunes

O primeiro-ministro de Portugal, o socialista António Costa, deve ter irritado os outros líderes europeus com sua nova defesa dos investimentos chineses na Europa e seu alerta contra o protecionismo no bloco.

Logo depois de a presidência rotativa da União Europeia (UE), ocupada pela Romênia, ter anunciado que o bloco vai elevar a supervisão sobre os investimentos externos – ou seja, os chineses –, Costa defendeu a política de aquisições da China, que tanto incomoda os europeus.

Para Costa, supervisionar é bom, mas isso não pode levar a medidas protecionistas. "Nossa experiência com investimentos chineses é muito positiva. Os chineses respeitam totalmente nossas leis e as regras do mercado", afirmou o líder português ao jornal londrino Financial Times.

Desde a crise financeira de 2010 no país, empresas chinesas compraram pesadamente em Portugal: a antiga estatal de energia Redes Energéticas Nacionais (REN), a seguradora Fidelidade, a maior do país, o maior grupo hospitalar e 27% do banco Millennium BCP. Críticos falam em liquidação.

Os chineses controlam ainda várias pequenas fornecedoras de energia em Portugal. Eles detêm também 23% e tentaram comprar o controle da maior empresa de eletricidade, a Energias de Portugal (EDP). Mas a incorporação não foi bem-sucedida – em parte porque os EUA expressaram restrições. A EDP também atua no mercado americano.

E assim há cada vez mais questionamentos sobre se Portugal ainda está do lado da UE quando se trata de interesses chineses. "António Costa não é o cavalo de Troia dos chineses na UE – ele é o cavalo de batalha", afirma o economista João Duque, do Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), uma escola superior de economia de Lisboa.

Já há anos o primeiro-ministro português vêm a público para defender os chineses. O presidente da China, Xi Jinping, recentemente retribuiu com uma visita a Portugal. As relações entre os dois países, que existem há 500 anos, nunca foram melhores.

A China ajudou muito Portugal durante a crise, por exemplo comprando títulos da dívida pública portuguesa que ninguém queria comprar. É verdade que os europeus também ajudaram Portugal, mas para isso o país teve que cumprir as exigências de reformas e cortes de gastos feitas pela "troica", como ficou conhecida a tríade formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI.

"A troica empurrou Portugal para os braços dos chineses", reclama a eurodeputada portuguesa Ana Gomes. Ela diz que, na época, ela e outros colegas alertaram para as consequências, mas a UE reiteradamente contra-argumentou com o livre funcionamento das forças do mercado. "Agora chegou a conta", constata Gomes, que, assim como Costa, é do Partido Socialista.

Mas Gomes não concorda com a linha adotada pelo colega de partido. Ela argumenta que a China desrespeita os direitos humanos e persegue objetivos políticos com seus investimentos europeus, pois muitas empresas são controladas pelo Estado. Estas empresas devem ser mantidas longe de indústrias-chave na Europa, e isso não tem nada que ver com protecionismo, afirma. "Discordo veementemente do primeiro-ministro Costa quando ele defende a China publicamente. E até aqui a UE não fez nada contra as ações da China."

O empresário Ilídio Serôdio, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-China, vê com naturalidade que as grandes corporações chinesas queiram ampliar seu espaço no mercado mundial. Para Serôdio, investimentos em países pequenos, como Portugal e Grécia, garantiram a elas uma grande influência na União Europeia, mas, ao mesmo tempo, trouxeram vantagens para esses países. "Portugal só tem a ganhar com uma boa relação com a China", afirma.

Mas também ele tem objeções quando esses investimentos atingem setores estratégicos. A China tenta há anos colocar um pé na ilha dos Açores e até mesmo comprou um porto que fica ao lado de uma base aérea utilizada pelos Estados Unidos. "Os chineses querem uma base própria no Atlântico, mas isso não deverá se concretizar", diz Serôdio. Os Estados Unidos se opõem a isso de forma até mais ferrenha do que Portugal, de forma similar ao que ocorre com a empresa Huawei no sistema 5G.

"Os chineses vão, sem dúvida alguma, continuar investindo nos pequenos países europeus para elevar sua influência", diz Serôdio. Segundo ele, Costa está ciente disso, mas, ao menos por enquanto, não vê qualquer perigo nesse comportamento. "Nosso chefe de governo está muito otimista", observa Serôdio.

Duque, ao contrário, vê perigo. Ele avalia que Portugal está tão dependente da China – que não apenas comprou em larga escala os títulos da dívida portuguesa como também garantiu sua posição de poder com a aquisição de empresas – que não tem mais outra opção. "Portugal não tem como se posicionar contra a política expansionista chinesa", afirma.

Duque também culpa a União Europeia pela situação em que Portugal se encontra. "Primeiro, a UE empurra Portugal para uma liquidação sem precedentes e depois reclama das consequências." E, para ele, as consequências podem se tornar ainda piores.

Se a conjuntura internacional continuar arrefecendo, e Portugal novamente enfrentar dificuldades, a China poderá voltar a assumir o papel de salvadora e garantir ainda mais influência. "Talvez a intervenção pública do primeiro-ministro português seja a contrapartida para novos investimentos, que poderão vir a ser necessários no futuro", avalia Duque.

Para ele, a União Europeia tem motivos de sobra para ver com olhos críticos as relações estreitas entre Portugal e China, mesmo se for culpada por essa situação.

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