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O homem e o bicho

Carlos Albuquerque27 de março de 2007

Em tempos de Knut e mudanças climáticas, uma exposição em Colônia tenta mostrar como a imagem que o homem desenvolveu do animal se modificou através dos séculos.

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Frans Snyders, 'Dois leões jovens pulando', 1620–30Foto: Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud

Exibição de animais: Como nasceu nossa imagem dos bichos é o nome da mostra que o Museu Wallraf Richartz e a Fundação Corboud de Colônia realizam entre 16/03 e 05/08 deste ano. Com mais de 120 obras de Delacroix, Manet, Van Gogh e Franz Marc, entre outros, a exposição mostra a evolução do animal para o homem – de fonte de alimentação e animal de produção a ser com alma e membro da família.

Como nasceu nossa imagem do animal? Qual a participação da arte? O que sabíamos e o que sabemos sobre os animais e como isso se espelha na nossa relação com eles? Em tempos de ursinho Knut e de mudanças climáticas, a exposição em Colônia tenta explicar, através da arte, a evolução da imagem do animal no imaginário humano.

De animal a ser animado

A exposição começa com peças do final do século 16, quando pesquisadores europeus conheceram um novo mundo animal através de suas viagens exploradoras, levando para casa uma grande quantidade de bichos exóticos. Artistas e cientistas ficaram fascinados com as novas criaturas, examinando-as ou somente retratando-as.

Ausstellung Tierschau Wallraf-Richartz Museum Köln
Ludger tom Ring, o Jovem, cerca 1560: colecionadores mostravam sua ríquezaFoto: Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud

Suas imagens eram utilizadas de forma descritiva, por exemplo, para mostrar a riqueza de um colecionador ou a explicação científica de animais e fósseis. Uma tendência que se modificou a partir de meados do século 18, como mostra a parte da exposição intitulada Violência e amor.

Através de uma série de desenhos da época, que denunciavam o maltrato aos animais, a exposição mostra que foi a partir daí que o animal evoluiu como ser com alma e membro da família.

É interessante observar que este fato coincide historicamente com a crise da razão do final do Iluminismo. Um paralelo pode, aí, ser feito com a retratação dos índios pelos artistas da época: de canibais, nos primeiros tempos das descobertas, justificando assim sua dominação, para seres ingênuos e puros do século 19. Assim como os animais, eles são "bons" por estarem fora da razão.

Mudança de gosto

Ausstellung Tierschau Wallraf-Richartz Museum Köln
Eugène Delacroix, 'Tigre brincando', cerca 1830Foto: Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud

Com a Revolução Francesa, a menagerie dos nobres franceses foi aberta ao público, nascendo assim, em Paris, o primeiro zoológico do mundo em 1792. Animais exóticos não eram mais mostrados empalhados como troféus ao povo, que queria agora vê-los em ação.

A mudança de gosto e o rompimento com os clássicos fazem dos bichos o principal motivo de alguns artistas românticos, que irão a partir daí influenciar a imagem que temos até hoje.

O quadro Tigre brincando, do mestre francês Eugène Delacroix de 1830, uma das cenas de animais mais intimas e sentimentais da história da arte, mostra que foram os românticos que levaram a representação das emoções dos animais para os salões.

A revolução da evolução

Ausstellung Tierschau Wallraf-Richartz Museum Köln
Wilhelm Trübner, 'César no Rubicão', cerca 1880Foto: Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud

A partir de meados do século 19, espalhou-se rapidamente a Teoria da Evolução de Darwin, que convenceu a cada vez mais pessoas da igualdade de valor entre o homem e o bicho. O tigre então não é mais retratado de forma má quando come sua presa, ele apenas está com fome. Homens e animais ficam ainda mais perto. Numa pintura de Wilhelm Trübner de 1880, retratando seu cachorro César, este possui uma expressão individual.

Ao se deparar com um prato cheio de lingüiças, o cão recai em um profundo dilema, como indica o próprio nome do quadro César no Rubicão, fazendo alusão à travessia do rio que separava Roma da Gália Cisalpina por Júlio César. A expressão é utilizada até hoje para designar alguém que faz algo irrevogável.

Nietzsche e a modernidade

Ausstellung Tierschau Wallraf-Richartz Museum Köln
Franz Marc, 'Três gatos', 1913Foto: Wallraf-Richartz-Museum & Fondation Corboud

No decorrer do século 19 até nossos dias, a exposição mostra como o interesse dos artistas pelos animais se dividiu. Uma corrente dedicou-se a sua observação e reprodução, como nos filmes de David Attenborough. Outros utilizam o animal como motivo espiritual e seus trabalhos tornaram-se abstratos. Artistas como o pintor alemão Franz Marc reduziram gatos, raposas, vacas, cabras e cavalos a formas, cores, planos e linhas.

Se aceitarmos que "o homem é uma corda atada entre o animal e o super-homem – uma corda sobre um abismo", como afirmava Friedrich Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, a exposição de Colônia pode nos ajudar a entender o fascínio que o ursinho Knut vem provocando em todo o mundo.

Talvez não sejamos nós que estamos fazendo com que um filhote de urso polar se torne um ser humano, mas é ele que nos remete a nossa animalidade – em tempos de mudanças climáticas que fazem com que o homem perceba cada vez mais sua condição telúrica.