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A minoria alemã da Itália e o legado do fascismo

Elizabeth Schumacher
6 de maio de 2017

O Tirol do Sul faz parte da Itália há um século, mas ainda existem tensões deixadas pela ditadura de Mussolini neste lugar idílico. Uma discussão sobre nomes fascistas pode ameaçar o multiculturalismo da região?

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Meran, Südtirol
Foto: DW/E. Schumacher

"O que está acontecendo, não estamos mais na Itália?", perguntou um homem, falando com ninguém em particular, quando o alto-falante do trem anunciou em alemão os nomes das próximas paradas.

Muitos estrangeiros ficam muitas vezes surpresos ao descobrir que há uma província no norte da Itália onde o alemão é a língua materna da maioria dos habitantes, e cada cidade, rio, colina e rua tem um nome diferente em cada língua.

É ainda mais surpreendente que o Tirol do Sul, uma faixa idílica de terra no coração dos Alpes, seja um local onde as feridas do fascismo ainda podem ser observadas mais de sete décadas após a morte de Benito Mussolini.

Parte da Áustria durante séculos, o Tirol do Sul e a província vizinha de Trentino passaram para a Itália como parte dos despojos da Primeira Guerra Mundial. Milhares de pessoas dessas regiões que falavam alemão e o ladino-dolomítico (uma língua românica) se tornaram cidadãos italianos de um dia para o outro sem o dar seu consentimento.

Discriminação sistemática

"Na década de 1920, Mussolini mandou o fanático fascista Ettore Tolomei italianizar o Tirol do Sul", disse Arno Kompatscher, o governador regional do Tirol do Sul, em entrevista à DW.

"Todos os lugares receberam um nome italiano. Falar alemão em locais públicos era proibido. Escolas secretas foram criadas porque as instituições que ensinavam alemão foram proibidas. Algumas pessoas foram até mesmo forçadas a mudar seus nomes para equivalentes italianos. Os alemães também não eram contratados para a maioria dos empregos."

Südtirol Landeshauptmann Arno Kompatscher
O governador Arno KompatscherFoto: picture-alliance/dpa/M. Grube

As décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial também foram marcadas por contínua discriminação. Houve também atos esporádicos de terrorismo nacionalista que custaram 21 vidas.

A maior parte dos problemas parece ter terminado em 1972, quando um acordo abrangente entre as lideranças locais e os governos italiano e austríaco resultou na concessão de autonomia ao Tirol do Sul dentro do Estado italiano. Mas algumas tensões ainda permanecem em relação aos monumentos fascistas na região e alguns dos nomes inventados e impostos pelo fascista Tolomei.

Agora, o partido da Liberdade do Tirol do Sul (STF, na sigla em alemão) quer que essas relíquias da ditadura de Mussolini também sejam reduzidas a pó.

Ressentimento

"A autonomia não é suficiente. Nós temos alguns direitos, sim, mas ainda existem muitos problemas. Por exemplo, alguns desses nomes inventados pelos fascistas que não têm base na história, não são falados por ninguém, incluindo italianos. Eles foram usados ​​por Tolomei para suprimir a identidade sul-tirolesa ", disse o porta-voz do STF, Cristian Kollmann, à DW.

Kollmann, no entanto, disse que alguns nomes italianos que são nomes amplamente utilizados pelos falantes de italiano, como o da capital Bolzano - chamada Bozen em alemão - não devem ser eliminados.

O governador Kompatscher concorda que não há nenhum problema em se livrar de alguns nomes italianos que nunca foram amplamente utilizados, e disse que aceitaria a decisão de uma comissão independente criada para analisar o assunto.

Mas há também um problema físico do legado do fascismo. São vários monumentos, como o Portão da Vitória em Bozen/Bolzano, que foi encomendado pelo próprio Mussolini e que ainda está de pé em uma importante via da capital.

Südtirol Siegesdenkmal in Bozen
O infame Portão da Vitória em Bozen/Bolzano,Foto: Imago/D. Schvarcz

De acordo com Kollman, esses monumentos "perturbam a coexistência pacífica. Você não vê mais monumentos encomendados por Hitler ainda em pé na Alemanha. "E esse em especial está sendo restaurado com o dinheiro dos nossos impostos. Os políticos italianos ainda não estão prontos para se separar do fascismo. É claro que eles se distanciaram da ideologia em si, mas ainda não fizeram isso em relação aos símbolos".

Decisão local

Já o governador Kompatscher defende a manutenção do monumento. "Fixamos placas explicativas e disponibilizamos o máximo de contexto possível no local. Devemos aprender com a história, e não fingir que isso não aconteceu".

Mas mesmo no improvável caso de que o portão e outros monumentos acabem sendo derrubados, o STF acha que isso ainda assim não seria suficiente. Kollmann afirma que os sul-tiroleses deveriam também realizar um referendo sobre a permanência da região na Itália, perguntando ainda sobre a possibilidade de devolução à Áustria após 100 anos de separação ou ainda a formação de um país independente. Isso tudo apesar das liberdades económicas e de autonomia que fizeram do Tirol do Sul uma das dez regiões mais produtivas da Europa.

"Nós nunca fomos consultados. Só queremos ser capazes de decidir por nós mesmos", disse Kollmann.

Südtirol Doppelsprachige Straßenschilder
Placas bilíngues no Tirol do SulFoto: Imago

Nomes usados como ferramenta política

No lado dos falantes de italiano da região, o morador Eugenio P. afirmou à DW que "os italianos se apegam a si mesmos e os alemães fazem o mesmo". "Também é preciso admitir que os italianos não se esforçam muito em aprender alemão, mesmo que seja obrigatório na escola."

Ele afirma, no entanto, não ver muito sentido em forcar uma aproximação dos dois grupos. "Não acredito em escolas bilíngues, e não mandaria meus filhos para uma delas. Você tem que simplesmente respeitar as duas culturas, separadamente. Do contrário, será uma conversa sobre assimilação e isso lembra o que aconteceu sob o fascismo", disse.

Eugenio também minimiza a discussão sobre os nomes fascistas. "A cada cinco anos, quando as eleições se aproximam, os políticos italianos e alemães aparecem de repente querendo se livrar dos nomes das línguas rivais. Fazem isso para agitar os eleitores", afirmou.

O governador Kompatscher afirmou que "ainda estamos tentando superar décadas de desconfiança". "Dê tempo aos diferentes grupos. Ainda vamos conseguir".

Um turista pode ser perdoado por não perceber esses ressentimentos persistentes. Apesar de tudo, o Tirol do Sul merece, em muitos aspectos, ser reconhecido como um exemplo de como o multiculturalismo pode funcionar quando o desejo político e popular tiver esse desejo.