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A milícia política do prefeito do Rio

2 de setembro de 2020

Denúncia de que grupo era pago com dinheiro público para intimidar a imprensa na porta de hospitais da cidade é mais um escândalo para Marcelo Crivella, que agora pode enfrentar novo processo de impeachment.

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Marcelo Crivella
Marcelo Crivella: escândalo acelerou processo de impeachment contra o prefeitoFoto: picture-alliance/ZUMAPRESS/F. Teixeira

Com o governador afastado por denúncias de corrupção envolvendo hospitais de campanha durante a pandemia, o Rio de Janeiro tem um novo escândalo político na saúde. O prefeito da capital, Marcelo Crivella (Republicanos), vem mobilizando um grupo de funcionários da prefeitura para fazer plantão na porta de hospitais municipais com o objetivo de atrapalhar jornalistas e impedir denúncias de problemas nas saúde, segundo mostrou uma reportagem.

Anterior à pandemia, o esquema é organizado em grupos de aplicativos de mensagens. O principal se chama "Guardiões do Crivella", nome pelo qual ficou conhecida a ação do prefeito. Nesta quinta-feira (03/09), a Câmara dos Vereadores do Rio vai votar a abertura de um processo de impeachment contra Crivella.

As denúncias sobre a "blitz" montada pelo prefeito nos hospitais foram veiculadas inicialmente pela TV Globo nesta segunda-feira. Repórteres da emissora perceberam a ação organizada do grupo após terem sido atrapalhados sucessivas vezes durante entrevistas em diferentes unidades de saúde.

Após investigar a atuação dos "Guardiões do Crivella", os jornalistas descobriram que o grupo obedece a uma rígida escala de serviço e é pago com dinheiro público. Trata-se de servidores municipais que ganham salário em torno de R$ 4 mil com o objetivo exclusivo de causar tumulto em hospitais e inviabilizar denúncias.

Segundo a reportagem, membros do primeiros escalão do governo municipal fazem parte do grupo, incluindo o próprio Crivella, e a secretária municipal de Saúde, Beatriz Busch.

"Fala isso não, compadre"

Quando já sabia da existência do grupo, a equipe de reportagem da TV Globo esteve na porta do Hospital Salgado Filho, onde faria entrevista com um homem que tinha perdido um dedo. Ao perceber a movimentação, o servidor José Robério Vicente Adeliano, que ganha salário bruto de R$ 3.229, partiu para cima do paciente recém-atendido e interrompeu a entrevista.

"Fala isso não, compadre", disse o servidor. O paciente exibiu a mão com um grande curativo e questionou: "Como? Perdi um dedo e não posso falar?" Então, o servidor insistiu: "Fala isso não, meu irmão." O repórter então indagou: "O senhor pode deixar ele falar da saúde?" Eis que o guardião respondeu: "Está indo muito bem, meu querido. O prefeito está trabalhando correto e bem."

Testemunhas ouvidas pela reportagem afirmam que a cúpula do governo está em um dos grupos – inclusive o prefeito Marcelo Crivella. A coordenação das ações fica à cargo de Marcos Paulo de Oliveira Luciano, o ML, assessor especial do prefeito, com salário superior a R$ 10 mil.

Apontado como articulador do esquema, o assessor especial do prefeito tem envolvimento em outro escândalo da gestão Crivella. Em 2018, veio a público uma fala gravada do prefeito em reunião com pastores evangélicos, na qual apontou como os fiéis poderiam fazer cirurgias sem passar pela fila do sistema municipal de saúde.

Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho do fundador Edir Macedo, Crivella indicou Marcos Paulo, que também é pastor, como interlocutor da prefeitura para conceder os "benefícios", que incluíam a resolução de problemas dos templos com o pagamento de IPTU. 

As acusações de favorecimento levaram Crivella a ser alvo do primeiro processo de impeachment aberto contra um prefeito do Rio desde a redemocratização. Ele se livrou do afastamento com a vitória por 35 votos a 13 na Câmara dos Vereadores.

Novo impeachment aceito

Após as denúncias ganharem repercussão, o presidente da Câmara dos Vereadores do Rio, Jorge Felipe (DEM), acolheu pedido feito pela oposição e, depois de ouvir a procuradoria e a mesa diretora da casa, convocou para esta quinta-feira a votação da admissibilidade da abertura do processo de impeachment contra o prefeito.

Para que isso aconteça, é necessário que 26 dos 50 vereadores estejam presentes na sessão e haja maioria simples de votos. Os parlamentares poderão participar presencial ou virtualmente. O pedido de impeachment foi protocolado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na manhã desta terça-feira. Líder do partido na Câmara, o vereador Tarcísio Motta questiona o uso indevido do dinheiro público pelo prefeito e os servidores.

"São capangas pagos com dinheiro público para defender o prefeito e sua política. Isso é desvio de finalidade. Trata-se de um ato completamente incompatível com o que se exige do cargo. Crivella não deve terminar seu mandato, a cidade não merece um prefeito como este", afirma o vereador.

Crivella não nega atuação

O prefeito publicou um vídeo nas redes sociais durante a madrugada desta quarta-feira para se defender das denúncias. Sem negar a existência e atuação dos "guardiões" em nenhum momento, Crivella alegou que a ação do grupo junto à imprensa teria o objetivo de evitar que as pessoas corram risco de vida.

Ele diz ter entregue ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 6 de janeiro deste ano, uma denúncia de "gravíssimos fatos praticados no fim do ano passado pelas Organizações Globo", que, em suas palavras, "atuam como verdadeiro partido político de oposição".

As queixas se referem a reportagens veiculadas pela emissora sobre a suspensão de atendimentos em hospitais da cidade, contestada pelo prefeito. "Desde então, cidadãos comparecem às portas de unidades de saúde para esclarecer e orientar os usuários, evitando, assim, que alguém seja manipulado pelas falsas informações da Globo e corra o risco de morte", afirma Crivella no vídeo.

Ministério Público investiga o caso

Além da votação para abertura de pedido de impeachment na Câmara dos Vereadores, há outras duas frentes de investigação contra o prefeito. O Ministério Público do Rio e a Polícia Civil apuram se houve participação de Crivella em crimes como associação criminosa, constrangimento ilegal, atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública e advocacia administrativa.

As penas podem chegar a nove anos de prisão. Nesta terça-feira, policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) realizaram a Operação Freedom, para cumprir nove mandados de busca e apreensão contra servidores que integram os "Guardiões do Crivella". Do grupo, três pessoas já foram ouvidas na própria terça-feira. Os outros serão convocados a prestar depoimento ao longo desta semana.

Paralelamente, a Procuradoria Regional Eleitoral pediu que sua Promotoria apure se o prefeito cometeu crime eleitoral. Ele é pré-candidato à reeleição no pleito municipal deste ano. Ao longo de 2020, Crivella se aproximou de Bolsonaro e conta com seu apoio informal.