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A implosão de Ciro Gomes

5 de outubro de 2022

Na quarta tentativa de chegar à Presidência, Ciro obteve só 3% dos votos com campanha que fez acenos à extrema direita. Agora, no 2° turno, diz que vai seguir o PDT em apoio a Lula, mas evita explicitar endosso.

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Ciro Gomes morde os lábios
Liderando uma campanha que penou em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro, Ciro registrou votação pífia até mesmo no CearáFoto: Adriano Machado/REUTERS

O candidato derrotado à Presidência Ciro Gomes divulgou nesta terça-feira (04/10) um vídeo em que afirma que pretende seguir a decisão do seu partido, o PDT, que mais cedo anunciou apoio ao petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno contra Jair Bolsonaro.

Sem citar nominalmente Lula em qualquer momento, Ciro disse que "acompanha as decisões do partido" e que, "frente às circunstâncias", o caminho adotado pelo PDT é "a última saída".

No vídeo, Ciro evita especificar qual foi a "decisão" do seu partido – só é possível entender a mensagem graças à diretriz partidária divulgada mais cedo pela cúpula do PDT.

Ainda fazendo uso da linha adotada por sua campanha, Ciro também fez equivalências – indiretas – entre o social-democrata Lula e o extremista de direita Bolsonaro.

"Lamento que a trilha democrática tenha se afunilado a tal ponto que reste aos brasileiros duas opções, ao meu ver, insatisfatórias", disse Ciro.

O pedetista também afirmou não acreditar que "a democracia esteja em risco neste embate eleitoral". Na sequência, no que pareceu um recado ao PT, que na reta final do primeiro turno lançou uma campanha de "voto útil" para conseguir votos de eleitores de Ciro, o candidato do PDT afirmou que foi "vítima de uma campanha violenta" e que "nunca se ausentou".

Por fim, Ciro disse que não pretende pedir cargos em "eventual futuro governo" – novamente sem especificar de quem seria esse governo.

"Adianto que não pleiteio e não aceitarei qualquer cargo em eventual futuro governo. Quero estar livre ao lado da sociedade, em especial da juventude, lutando por transformações profundas, como as que propusemos durante a campanha", disse.

Antes que o vídeo fosse divulgado, o presidente do PDT, Carlos Lupi, afirmou que a candidatura de Lula é "a mais próxima" do PDT. Ele ainda disse que Ciro participou da reunião que discutiu o tema e que o ex-presidenciável concordou "integralmente" com a decisão.

Em 2018, Ciro foi criticado logo após o primeiro turno por divulgar apenas um endosso protocolar ao petista Fernando Haddad na disputa pela Presidência contra Jair Bolsonaro. Na ocasião, Ciro evitou participar de atos ao lado do petista e viajou para a Europa por três semanas, voltando apenas para votar.

A implosão da campanha de Ciro

Em sua quarta tentativa de chegar à Presidência, Ciro obteve a pior votação de todas as suas campanhas ao Planalto: 3,04%. O resultado fica atrás até mesmo dos 12% obtidos em 2002, que foram considerados desastrosos à época, levando em conta que ele chegou a aparecer com 20% nas pesquisas antes de ter sua campanha envolvida em uma série de gafes e controvérsias.

Em relação a sua candidatura em 2018, o pedetista perdeu quase 10 milhões de votos. Ele acabou em quarto lugar na disputa, atrás até de Simone Tebet (MDB), que liderou uma candidatura que não era unanimidade nem entre seus correligionários.

O mau desempenho de Ciro se refletiu até mesmo no seu estado natal, o Ceará, onde obteve apenas 369 mil votos, ou 6,8% do total. Seu candidato ao governo local, Roberto Cláudio, terminou a disputa em terceiro lugar, com 14,14%, atrás de Elmano de Freitas, PT, e do Capitão Wagner, um apoiador de Bolsonaro. Na reta final da campanha, Cláudio chegou até mesmo evitar associar sua imagem a Ciro em materiais de divulgação.

Em 2022, Ciro não conseguiu formar alianças e se viu obrigado a recorrer a uma chapa "puro sangue" com Ana Paula Matos, vice-prefeita de Salvador. Ele também rompeu com seus irmãos durante a costura das candidaturas ao governo do Ceará.

Acenos à extrema direita

Nacionalmente, Ciro liderou uma campanha declaradamente "antissistema". E, como parte dessas estratégia, adotou um discurso crítico em relação aos dois principais candidatos na disputa – Lula e Bolsonaro –, frequentemente pintando o social-democrata e o extremista de direita como equivalentes. "Esquerda e direita foram e são cúmplices do mesmo modelo", disse em julho – dezenas de declarações semelhantes seriam feitas nos meses seguintes.

Mas, na reta final, Ciro também passou a fazer ataques isolados a Lula, deixando algumas vezes Bolsonaro em segundo plano.

A estratégia levantou especulações entre analistas de que Ciro tem interesse em liderar um movimento nacionalista e herdar setores da direita bolsonarista para uma candidatura em 2026, caso Bolsonaro saia derrotado da eleição.

Dentro do PDT, em contraponto aos velhos setores brizolistas, já há uma pequena ala que ensaia um movimento nesse sentido, chamada Nova Resistência, que busca inspiração nas ideias do ideólogo russo Alexandr Dugin, apontado algumas vezes como "guru" de Vladimir Putin e que promove uma grife de ultranacionalismo étnico que mescla elementos do fascismo e antiliberalismo político.

Além dos ataques a Lula e do discurso nacionalista, o candidato do PDT também passou a fazer vários acenos diretos para a extrema-direita ou para setores ultraconservadores, declarando que era contra o aborto, ligando a esquerda ao consumo de drogas e fazendo elogios a Enéas Carneiro (1938-2007), um antigo extremista folclórico da direita ultranacionalista.

Repetindo um discurso associado a grupos conspiracionistas, ele também associou o filantropo húngaro-americano George Soros ao PSOL e denunciou que sua campanha era vítima de um "deep state" ("Estado profundo", expressão que foi muito usada pelo americano Donald Trump nos últimos anos).

A menção a Soros, feita durante uma sabatina em setembro, provocou uma nota de o repúdio da ONG judaica Instituto Brasil-Israel, que acusou Ciro de mergulhar "nas águas profundas do conspiracionismo”.

Ciro e Bolsonaro
Ciro e Bolsonaro durante debate presidencial. Pedetista tentou tirar votos de Bolsonaro, mas acabou vendo parte de seus eleitores migrarem para o presidenteFoto: Marcelo Chello/AP Photo/picture alliance

Reação do PT

Inicialmente, a cúpula do PT evitou confrontar Ciro diretamente pelos ataques, aparentemente com o objetivo de preservar terreno para uma reaproximação num eventual segundo turno.

Lula até tentou fazer afagos ao pedetista durante o debate da rede Bandeirantes, no fim de agosto, mas Ciro rejeitou os gestos e respondeu com novas críticas. No dia seguinte, foi a vez de Ciro usar suas redes sociais para fazer insinuações sobre o estado de saúde de Lula, que tem 76 anos, afirmando que o ex-presidente está "fraco fisicamente e psicologicamente".

Em resposta, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, acusou Ciro de fazer "uma aliança com Bolsonaro para atacar Lula".

Depois do debate, a cúpula petista também passou a promover mais sistematicamente a estratégia de "voto útil" para garantir que Lula vencesse no primeiro turno – antes, os apelos partiam mais da militância petista, de setores sindicais e da imprensa pró-petista.

Nos dias que precederam o pleito, Ciro também passou a ser alvo de apelos para que abandonasse a campanha em favor de Lula. Parte da velha guarda brizolista do PDT também criticou abertamente o presidenciável por seus ataques ao petista.

"Perder é do jogo, mas o Ciro sabe que vai perder e está ajudando claramente o Bolsonaro", disse a ex-deputada Cidinha Campos, filiada ao PDT desde 1982 e membro do diretório nacional da sigla, em entrevista ao jornal O Globo pouco mais de uma semana antes do pleito.

Estratégia de Ciro beneficiou Bolsonaro?

Na reta final da campanha, o tom dos ataques de Ciro a Lula passaram até mesmo a ser explorados por bolsonaristas, que escolheram ignorar as críticas do pedetista ao presidente e, em vez disso, resolveram destacar as falas dele contra o candidato do PT.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, reproduziu em setembro no seu Twitter um vídeo em que o candidato do PDT afirmava que Lula "financia um gabinete do ódio mais picareta de toda a história do Brasil".

Poucos dias depois, o ativista bolsonarista Rodrigo Constantino, da rede Jovem Pan, elogiou a forma como Ciro vinha atacando Lula e o PT e também reproduziu um vídeo com falas do pedetista. "Ele [Ciro] está detonando de maneira bonita o encantador de serpentes", disse, usando a expressão que o próprio Ciro usou contra Lula durante o debate dos presidenciáveis.

Antes deles, o ministro Augusto Heleno e os deputados federais de extrema direita Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis já haviam reproduzido em suas redes falas de Ciro contra o PT.

Mas a estratégia de Ciro não gerou os efeitos desejados. Pelo contrário, boa parte das suas intenções de voto – que chegaram a 8% em algumas pesquisas – acabaram migrando para Jair Bolsonaro no primeiro turno, segundo a avaliação do diretor da Quaest Consultoria, Felipe Nunes.

"Lula acabou ficando com 48%, dentro da margem de erro, mas Bolsonaro apareceu com 43%. Isso quer dizer que ele cresceu cinco pontos. De onde vem esse voto? Houve aproximadamente três pontos do Ciro que foram embora não para o Lula, mas para Bolsonaro. A postura que Ciro adotou na reta final da campanha foi determinante no tipo de apontamento que fez para o eleitor", afirmou Nunes, em entrevista ao UOL.