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A força da música brasileira

16 de agosto de 2018

"Apesar de você / amanhã há de ser outro dia": nunca imaginei que esse hino de resistência de suprema poesia de Chico Buarque poderia voltar a ser tão atual, escreve a colunista Astrid Prange.

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Gilberto Gil e Chico Buarque cantam no Rio em defesa de Lula
Gilberto Gil e Chico Buarque cantam no Rio em defesa de LulaFoto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa

Caros Brasileiros,

Será que Jair Bolsonaro gosta de Música Popular Brasileira? Reconheço que, à primeira vista, o gosto musical dele não parece ter nenhuma importância política.

A jornalista Astrid Prange
A jornalista Astrid PrangeFoto: DW/P. Böll

Mas vale lembrar que nem o samba, nem o forró e tampouco a Bossa Nova eram somente flores e amores. Nas letras e harmonias sofisticadas de Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Nara Leão e tantos outros sempre transpareceu a busca por justiça social e a vergonha da pobreza que vivia tão perto da turma da Bossa Nova nos morros do Rio.

E a oposição ao regime militar. Podem me prender / podem me bater / podem até deixar-me sem comer / que eu não mudo de opinião, cantou o sambista Zé Keti. E Tom Jobim e Vinicius de Moraes mandaram um recado claro na musica O morro não tem vez: Quando derem vez ao morro / toda cidade vai cantar.

Com seu show Opinião, já em pleno regime militar, a cantora Nara Leão, por exemplo, demonstrou coragem. E junto com ela a plateia de 100 mil pessoas que lotou o show num shopping em Copacabana por nove meses, de dezembro de 1964 até agosto de 1965. As músicas Opinião, de Zé Keti, e Carcará, de João do Vale, serviam como desabafo, como protesto.

Quem poderia imaginar que 60 anos depois do primeiro sucesso da Bossa Nova, os velhos espíritos da ditadura renasceriam, reencarnados num candidato a presidente? Um candidato que elogia a ditadura militar e que dedicou o seu voto no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador.

Quando os militares tomaram o poder, no golpe de 1964, Jair Bolsonaro tinha apenas 9 anos. Ele então cresceu numa época forte da Música Popular Brasileira, em meio à criatividade musical de uma geração de artistas que teve que disfarçar sua crítica em versos sofisticados. Ou emigrar para respirar liberdade no exílio.

Apesar de você / amanhã há de ser outro dia – nunca imaginei que esse hino de resistência de suprema poesia de Chico Buarque poderia voltar a ser tão atual. Nunca imaginei que os mesmos artistas que antigamente compunham e cantaram contra o regime militar hoje se juntem para pedir a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Esses artistas brasileiros só fazem aumentar a minha profunda admiração pela música brasileira. Como ela é poderosa! Ela faz milhões de brasileiros cantar, esperar e lavar a alma. Foi ela que me trouxe para o Brasil. A beleza da MPB me fez aprender o português e me abriu um mundo novo: o Brasil. Obrigada, música brasileira!

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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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